segunda-feira, 28 de novembro de 2016

244... Mundos de neve e gelo (ou uma alegoria ao vazio)


Sim, já visitei muitas vezes as Minas dos Carris. Muitos acharão quase doentio, eu acho que é uma terapia que me faz retemperar forças. Muitas das caminhadas que fiz às Minas dos Carris, e isto dito num aspecto mais pessoal, servem para acrescentar algo de novo ao conhecimento o local, outras servem para o registar como uma memória futura da sua decadência.

Esta caminhada não foi fácil e as condições foram muito difíceis, e isto leva a que seja um pouco complicado escolher as palavras correctas para vos transmitir as sensações de estar ali, naquele lugar naquela altura. Necessito de sinónimos de uma contemplação transcendental, palavras para descrever algo épico ao nível de uma 'Odisseia' de Homero.

Desengane-se quem pensa que este trabalho pode ser facilitado, bastando para isso descrever as paisagens. Mas mesmo essas, envoltas num nevoeiro penumbral que nos envolveu a partir de certa altura, fez-nos transportar para mundos de neve e gelo.

O espaço estava bem definido e a jornada até às Minas das Sombras fez-se numa cadência sincopada ao ritmo da nossa vontade de ver e sentir coisas que estando num ambiente mais confortável ao ler estas linhas nos fazem arrepiar. Sentir o vento frio e as pesadas gotas de chuva, uma metamorfose da neve que ia caindo mais acima. O Vale de Vilaméa ia-se transformando à medida que mais profundamente nele íamos penetrando. Ao fundo, a cimeira do vale, de facto escondida pelas nuvens, mostrava já a coroa gelada da neve. Sim, era para ali que íamos... era para ali que queríamos ir. Cada um com as suas sensações e sentimentos; por vezes em grupo, outras vezes na solidão da nossa existência tendo como companhia o som do vento e do rio, e dos pensamentos que aqui fluem como uma bebida dos deuses que brota de uma ânfora.

A subida final até à Mina das Sombras é feita já com um bom coberto de neve que nos faz já levantar mais os joelhos, trazendo assim um esforço extra à jornada. Seria bem pior dali em diante, porém o objectivo consciente estava bem traçado e os riscos assumidos e controlados. Depois de uma paragem para retemperar as necessárias forças, iniciamos a passagem da Portela da Amoreira ladeando o marco geodésico de Carris.



O esforço de caminhada era enorme. Por vezes, a altura de neve fazia-nos desaparecer numa fosforescência azul que emanava do fundo de onde as pernas saíam. Revezando-nos, íamos abrindo caminho para os que vinham mais atrás, navegando pela memória das rochas, sinais e evidências que nos mostravam o caminho que aos poucos percorríamos. Por entre as explosões de felicidade e as conversas que retemperavam o ânimo, surgiam olhares cansados e o certo receio por estar naquele lugar brotava na pele. Não era o medo que se fazia sentir, era sim um misto de sensações nas quais o nosso cérebro nos pregava partidas fazendo-nos relembrar das sensações de calor e da bebida quente e confortável. É isto que nos faz sentir vivos e como tal, a dor e o desespero na ânsia do descanso logo desaparecem.

A paisagem fecha-se num manto branco de neve por vezes batida pelo vento gélido que desenhava estranhas formas a embelezar o granito escuro. Cornucópias de sentimentos e o frio que nos invadia por momentos.




Ultrapassadas as agruras do caminho enterrado na neve, chegávamos ao nosso objectivo. Ali a poucos metros, as ruínas gélidas semi-enterradas na neve surgiam como fantasmas naquele cenário estático onde o tempo parou e onde o tempo pára para nós. Ali, onde tudo se revela a cada um de nós, encontrámo-nos a nós mesmos. Ali, onde a dor da jornada insiste em vencer o prazer do momento, é quando cada um de nós atinge o ponto mais alto do ser.

Naquele momento e olhando à minha volta, estava na companhia daquela ruína que marcava o tempo parado, gelado, um quadro que regista o momento. Ali, envolto por aquela névoa gélida, sentia o corpo que tremia de frio e emoção. Sentia um olhar, algo que me olhava e esperava no regresso... Perante aquele cenário era como se nada mais existisse para lá do véu branco que envolvia a ruína. Tudo terminava ali... A minha alegoria ao vazio...

As fotografias podem ser vistas aqui.
























































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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