domingo, 31 de maio de 2015

O amor de Alda e Rogélio


"Colaram-se por fim as bocas, e as mãos foram percorrendo nas roupas os contornos do corpo, e alcançaram a pele, e o frio primaveril parecia recuar a cada nova labareda daquele incêndio humano. Os olhos abriam-se nos abismos das profundidades insondáveis, e os dois corpos entregaram-se à generosa predação que invoca todas as lágrimas e todos os risos e conduz à extinção mutuamente consentida, essa aventura perigosa que, uma vez completada, vai reencontrar os amantes numa espécie de renascimento exausto nos braços um do outro. No silêncio supremo que depois se seguiu, perdurava neles contudo o travo paradoxal de uma transformação demasiado íntima para ser partilhada. Então, cada um se entregou a uma espécie de projecção de si para fora do tempo, procurando conjugar a ideia de êxtase com a ideia de súmula, num desejo de recuperar racionalmente a vivência da soma que acaba de ter lugar, uma reflexão que apenas a cada um respeita, porque resulta ao mesmo tempo de uma excessiva lucidez e de uma excessiva abstracção, e por isso não pode ser traduzida ou verbalizada no momento, a não ser pelas palavras recobertas de sons em que se convertem as terminantes declarações de amor que os amantes felizes pronunciam nesses momentos. Mas Alda e Rogélio nada diziam."

Extraído do romance "Rio Homem", de André Gago, Edições ASA.

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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