terça-feira, 12 de junho de 2012

O futuro das taxas ou as taxas no futuro

Para muitos, desde sempre pareceu uma inevitabilidade que teremos de pagar taxas para podermos caminhar em certas zonas das nossas áreas protegidas. Eu não vejo a situação de tal forma, porém isto foi o que alguns representantes de uma das federações de montanhismo em Portugal me disseram já em 2010 quando na altura o governo de Sócrates havia suspendido a Portaria 1245/2009 e se preparava para nos arremessar com a Portaria 138-A/2010. Apesar das aparentes vetustas reuniões que terão tido com os governantes da nação, o legado que esse federação nos deixou ficar foi uma verdadeira armadilha e um presente envenenado que ao longo de quase dois anos fez com que muitos de nós nos portássemos como fugitivos a salto, escapando sempre dos olhares vigilantes dos «sempre presentes» Vigilantes da Natureza ou dos linces vestidos de azul do SEPNA.

A verdade é que desde então e até à poucos dias, e vá-se lá saber porquê, essa federação nada fez para resolver o problema dos praticantes individuais de actividades de montanha. Em boa verdade, se calhar não faria parte do seu escopo fazer tal coisa, mas tal altruísmo só lhes ficava bem. Como já disse há dias, as atitudes ficam com quem as praticam.

Entretanto, na nossa mui nobre Assembleia da República a problemática das taxas foi «debatida», votada e a proposta de resolução do PSD acabou aprovada. Resumidamente, esta proposta não vai de encontro aos nossos interesses no que diz respeito ao fim da taxação dos pedidos de autorização para a realização de actividades de visitação em certas zonas das áreas protegidas. É pena que o PSD se tenha mantido até agora um pouco autista no que diz respeito à nossas pretensões. A ideia de possivelmente reduzir o valor das taxas a pagar encoberto da capa de pretensa protecção ambiental, não tem adeptos e desvia-se por completo das posições assumidas por este partido a quando da sua posição enquanto oposição à governação socialista.

A seguir surge uma série de comentários que foram atempadamente enviados ao grupo parlamentar do PSD dias antes da aprovação da sua proposta de resolução e que de forma clara desmontam todos os argumentos que a maioria fez vingar no dia 8 de Junho na Assembleia da República.


Comentários relevantes à proposta do Partido Social Democrata (PJR 326/XII/1ª-PSD)

Em nenhuma parte faz qualquer referência à extinção das taxas; pelo contrário, parece promovê-las, embora com sugestões de alteração e introdução de novas soluções.

Aconselha ao estabelecimento de uma licença anual relacionada com um banco de voluntariado, equiparada àquelas cobradas às entidades inscritas no Registo Nacional dos Agentes de Animação Turística.

Não está suficientemente claro se tal equiparação a uma licença anual poderá dar lugar a uma dupla taxação (a da portaria e a da licença anual) ou se a anual serve para uma anular a da portaria.

A criação do banco de voluntariado não pode estar ligada à resolução parcial da problemática das taxas, por várias razões práticas e até por princípio, revelando não considerar o(a) caminhante ou família que no local e no dia decide aceder às APs.

Tal como a proposta do CDS-PP, estabelece uma incorrecta ligação entre a cobrança das taxas e a regulamentação do acesso às áreas protegidas. Esta ligação não existe pois a cobrança das taxas não está definida nesse sentido no preâmbulo da Portaria 138-A/2010 de 4 de Março.

A proposta afirma que “O ICNB tem, ao longo dos anos, feito um esforço de investimento na marcação e sinalização de percursos pedestres nas Áreas Protegidas, e isso é um sinal claro de que se pretende promover a visitação destes espaços naturais.”. Esta frase é tão quantitativamente inválida quanto vazia de significado, não sendo os poucos caminhos publicados e a aparente ignorância sobre os caminhos dos pastores “forma clara de promover a visitação”. Todos ou a maioria dos caminhos definidos e divulgados como PR (à qual a proposta se parece referir) são baseados em caminhos já existentes e durante séculos mantidos pelas populações, incluindo caminhos públicos. Ainda, tal escala não se compara à escala da rede de caminhos rurais, carreteiros ou de pé posto, cultural, anual e historicamente mantida pelos pastores, que devem ser considerados como visitáveis e estes sim, são verdadeiros atractivos de visitantes aos locais de montanha. Entender-se-á a não referência às gentes locais e à gestão dos seus caminhos nos terrenos baldios e privados (que ocupam 93% do PNPG) falta de conhecimento do terreno. No PNPG existem até trilhos não marcados como PRs, mas também divulgados pela instituição.

No seguimento de “Com este objectivo, tornou-se essencial a prévia avaliação do ICNB sobre o número de pessoas e o tipo de actividades previstas em cada momento nestas zonas.”, perguntamo-nos então o porquê de taxar? Porque não controlar ou limitar os números de acessos, podendo ao mesmo tempo vigiar e fazer registo mais realista dos efectivos acessos?

Não se entende a lógica apresentada com “sendo que, de qualquer modo a visitação promovida através de empresas de turismo de natureza, devidamente reconhecidas pelo ICNB e registadas no Registo Nacional de Agentes de Animação Turística, no Turismo de Portugal, não implica o pagamento de qualquer valor. De facto, estas entidades são parceiros privilegiados da conservação da natureza.”, profundamente contraditória e dogmática. Perguntamo-nos como, se antes se afirma que se deve limitar o número de acessos, agora se vem dizer que uma empresa que leve dezenas de pessoas de uma vez às Áreas Protegidas possa ser entendida como uma entidade de parceria e de privilégio na conservação da Natureza. Ainda, parece haver um esquecimento quando às Associações e aos comuns cidadãos de visita. Perguntamo-nos porque aqui dá tanta relevância às empresas.

Em “Assim, dever-se-á procurar encontrar um equilíbrio entre a adequada protecção da natureza e a sua fruição moderada e compatível pelas pessoas, mantendo restrições através da moderação no acesso, em especial às zonas mais sensíveis.”, concordamos embora perguntando se a moderação do acesso é feita pela definição de capacidade de carga ou por taxas? Porque é a moderação do acesso aplicado aos indivíduos e Associações, e não às empresas de animação turística que muitas vezes nem são sediadas no local em causa, i.e., muitas vezes não beneficiando e ligando com o turismo local?

Em “2 - Promova uma clarificação do sistema de atribuição de licenciamento a clubes desportivos e recreativos pelo ICNB, relativamente aos quais devem recair alguns benefícios mas também obrigações especiais de utilização, promoção, protecção e conservação das áreas protegidas aos quais têm acesso.”, o que se entende por “clarificação”? E de que “benefícios” e “obrigações” se trata?

Há que proteger e incentivar a situação da visitação não enquadrada em actividades desportivas e recreativas de clubes e associações, que será de facto a maioria das situações ao longo do ano, mas também aquelas que pelo pequeno número e informalidade poderão criar menor impacto. E mesmo que os visitantes estejam inscritos em clubes e associações, a maioria das suas actividades assume um carácter informal e fora das actividades de qualquer clube/associação. Se a intenção é resolver a questão dos grupos organizados (que hoje não conseguem cumprir os critérios de licenciamento), isentar a prática informal da aplicação parece correcto. Por isso, será importante diferenciar as situações.

Sobre “3 - Avalie os resultados da aplicação da Portaria n.º 138-A/2010, de 4 de Março, que regula as taxas de acesso aos parques naturais actualmente em vigor, procurando adaptá-la e melhorá-la, nomeadamente, nos prazos de antecedência para pedidos de acesso, adequação do valor das taxas cobradas à dimensão, número de visitantes e respectivos impactos causados pelos mesmos nas áreas protegidas percorridas.”, a proposta dá ideia de querer protelar decisões sobre a anulação das taxas e focar num ponto secundário mas também absurdo dos prazos. Novamente, qualquer que seja tal prazo, servirá para fundamentalmente prejudicar o acesso do visitante informal, clientes de unidades de turismo na zona, pequenos grupos familiares em passeios de fim-de-semana. Mesmo para o visitante regular, o impulso de visitar é normalmente de última hora.

Sobre “4 - Pondere a criação de um banco de voluntariado nas áreas protegidas destinado a colaborar com os vigilantes da natureza nas operações de protecção e conservação dos parques e na sensibilização ambiental, que poderiam beneficiar de uma licença anual para actividades nas áreas protegidas, equiparando-os às entidades inscritas no Registo Nacional dos Agentes de Animação Turística (RNAAT).”, esta discriminação é vista como positiva desde que não se reduza a ideia do voluntariado a algo “obrigatório”, como forma de “troca” por taxas, ou sequer como forma de participação pouco digna, amadora e vazia de identidade própria e independência.
 
A proposta potencia mais problemas do que resolver o problema inicial à partida, no caso de não ser aplicada com correcção ou de o ser de forma apressada. A prática dos anos tem demonstrado que as soluções complexas não são praticáveis, devendo ser substituídas por soluções passo-a-passo e simples. Em muitas situações, esta proposta fundamenta-se em dogmas e considerações erradas, revelando algum desconhecimento do terreno e da prática.



Assim, o cenário que nos espera nos próximos meses não representa as nossas pretensões. As taxas continuarão a ser cobradas; será criada uma nova portaria que certamente irá alterar o valor a taxar, mas a filosofia irá permanecer a mesma; as pessoas irão continuar a fazer as actividades em profundo desconhecimento por parte do PNPG e do ICNF ao qual eu responsabilizo por qualquer acidente que possa resultar desta situação. Viva o futebol e a selecção que isso é que entretém!

Fotografia: © Rui C. Barbosa

2 comentários:

Jorge Nogueira disse...

Olá Rui,
Só temos o que merecemos...!!!
Não posso deixar de admirar e de agradecer os teus e de outros, as horas e os gastos que tiveram para contrariar as medidas que por aí vêm!
Abraço

Rui C. Barbosa disse...

Obrigado Jorge!

A luta vai continuar!

Abraço!