Existem várias maneiras de se ganhar uma luta e uma delas é pelo cansaço que leva à resignação. Isto é, pura e simplesmente se desiste de lutar. É um baixar de braços e tomar como inevitável aquilo que nos querem impor, mais ou menos ter a liberdade dentro de uma jaula.
Para muitos que caminham nas nossas áreas protegidas é mesmo disso que se trata. Não de se sentirem numa jaula, mas sim sentirem que ao caminhar naqueles locais podem visitar uma jaula em pouco tempo. «Governa-se» uma área protegida pelo medo. Medo de se «apanhado» por um Guarda da natureza mais zeloso das suas obrigações como elementos de fiscalização de uma lei injusta, apesar de não o parecer à primeira vista.
Penso que será mais ou menos pacífico e que todos concordarão que um Parque Nacional tem como objectivo principal preservar. No entanto, convém que muitos tenham uma visão mais abrangente do que deve ser a preservação ambiental no nosso país. (In)felizmente não temos a dimensão dos grandes espaços que caracterizam outras áreas protegidas que por ventura possam ter servido de exemplo para a criação do nosso único parque nacional. Como tal, as nossas áreas protegidas foram moldadas ao longo dos séculos pela presença humana tal como pode ser atestado pelos inúmeros vestígios de ocupação do território. Apesar de haver uma inevitável mudança na paisagem registada ao longos dos anos, esta é o resultado dessa moldagem e dessa simbiose, mais ou menos perfeita.
O contacto com a Natureza e o meio ambiente é um direito de todos nós. Para muitos é uma experiência de ligação profunda à mãe natureza, para outros será o penetrar na máxima expressão da criação. Outros verão como a junção de duas metades que se unem numa união perfeita.
A 4 de Março de 2010 o governo fez publicar a Portaria 135-A que regulamenta as taxas devidas pelos actos e serviços prestados pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB), IP. Até aqui nada de grave parece ocorrer. A 4 de Fevereiro de 2011, e através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 11-A/2011, é publicado o Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês (POPNPG) com o objectivo de salvaguardar os recursos e valores naturais existentes ao mesmo tempo que assegura a compatibilização entre os recursos naturais do parque nacional e as actividades humanas desenvolvidas nas áreas abrangidas por este plano de ordenamento.
O POPNPG estabelece assim várias áreas de diferentes tipos de protecção nas quais são possíveis de serem desenvolvidas vários tipos de actividades, incluindo a visitação que agora é permitida em todo o território.
No entanto, este POPNPG esconde a verdadeira perversidade de quem o escreveu e escolhe um alvo particularmente bem definido: a visitação. Esta apesar de permitida, está em muitas zonas condicionada. Mais uma vez, até aqui nada a apontar. Porém, em certas zonas do Parque Nacional a visitação só é permitida através de uma autorização por parte do ICNB, IP. O grande problema, e a verdadeira perversidade (de muitas escondidas), é que esta autorização tem um custo de €152,00 (mais de trinta contos na moeda antiga...).
De forma simples este problema pode ser exemplificado com dois exemplos muitos eficazes: imaginemos aqueles visitantes que no Verão frequentam as lagoas do Rio Homem antes deste chegar à Ponte de S. Miguel. Estas lagoas encontram-se dentro da Zona de Protecção Total e como tal é necessária a autorização do ICNB, IP para as frequentar. No fundo, trata-se do mergulho mais caro do planeta (de facto, um mergulho que lhe permitiria pagar a conta do gás durante vários meses)! Um outro exemplo interessante: imagine-se uma família em visita pedestre à Mata de Albergaria / Palheiros e que por ventura atravessa a Ponte Feia. A partir deste ponto é necessária a autorização do ICNB, IP. No fundo, trata-se da portagem mais cara do planeta (que lhe permitiria percorrer a A1 entre Porto e Lisboa várias vezes).
Para termos uma ideia do valor desta autorização posso dizer que ela representa quase um terço do valor do salário mínimo nacional!!! A cereja em cima do bolo é o facto de este valor pagar o custo da análise do seu pedido de autorização e não lhe garante a sua aprovação! Mais, no mesmo dia o funcionário do ICNB, IP pode analisar vários pedidos exactamente iguais ao seu. Isto é, no fundo fará somente uma análise mas irá responder a vários pedidos e cada um com o devido custo de €152,00. Apesar de o novo POPNPG permitir a pernoita, esta só pode ser realizada após o respectivo pedido de autorização o que torna o nosso único parque nacional como o parque de campismo mais caro do mundo... e sem direito a água quente...
Disfarçada de decisão administrativa, esta é no fundo uma decisão política que espelha bem o tipo de governação e gestão incompetente que este país tem tido nos últimos anos. A sucessão de erros, disparates e incompetências que têm manchado as nossas áreas protegidas, não têm comparação em parte alguma deste mundo... e por ventura do outro.
No entanto, parece que deixamos de lutar... resignamo-nos ao facto de haver um ou outro parecer politicamente encomendado que fecha os olhos às mais variadas razões que apontam para o seu pleno incumprimento.
Com uma política deste tipo as pessoas pura e simplesmente irão cavar um fosso cada vez maior entre partes, estando num lado todos aqueles que pretendem passar o seu tempo em contacto com a Natureza e do outro os burocratas que sentados num gabinete não são capazes de assumir os erros de decisões mal tomadas e escolhas erradas. Ao verem-se perante custos desta dimensão todos aqueles que cumpriam e pediam as autorizações ao ICNB, IP deixarão de o fazer. As pessoas irão utilizar as áreas protegidas sobre a capa do medo de ao virar da colina se depararem com uma autoridade que os possa identificar e autuar. Este tipo de governação será a culpada se algum dia ocorrerem complicações entre os visitantes e a autoridade. Este tipo de governação foi já a culpada pela catástrofe que se abateu sobre o Parque Nacional da Peneda-Gerês em 2010 e será a responsável pelo verdadeiro cataclismo que certamente estará para vir.
Por muita explicação técnica que possam dar para justificar tamanha aberração, não há moralidade alguma que a possa limpar...
Fotografia © Rui C. Barbosa
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
Muito bom. Acresce ainda que não foi ainda com a publicação do POPNPG que ficou esclarecido o enquadramento da visitação. Pois só com publicação da carta desporto da natureza é que teremos o quadro completo. No futuro poderá ser ainda mais complicado para visitar “sozinho, sem guias, sem interlocutores, a ouvir apenas nas fragas, nos matagais, nos restolhos, nas areias e nas calçadas o eco dos meus próprios passos" para citar Miguel Torga - que certamente também se revoltaria se o quisessem impedir de subir as serras e calcorrear todos os vales.
Eu não percebo esta situação da visitação e não acho que ela tenha solução sem que aja uma correcção. Do ponto de vista do interessado em visitar o PNPN, o POPNG é simplesmente impraticável e só possui duas consequências: desistir de visitar ou não cumprir.
É se as exigências já são um absurdo, querer cumpri-las cria um absurdo maior. Imagine-se que eu estou determinado a cumprir e solicitar/pagar a dita autorização. Quantos de nós estabelece um calendário para caminhar com a antecipação que a resposta do ICNB obrigaria? Ou seja, mesmo querendo acaba por ser impossível cumprir.
Será que os iluminados do ICNB ainda não perceberam que esta situação acabará por estabelecer o medo a que referes: de que no virar a colina esteja o inimigo.
Em termos de comunicação isto é simplesmente um desastre. Os guardas da natureza passam a ser os perseguidores. Tantos anos depois e as serras do PNPG voltam a ter o mesmo jogo do gato e do rato dos tempos do contrabando. Um jogo que inclusive aumenta a insegurança dos que caminham porque se obrigam a ser furtivos.
Há uns tempos contaram-me uma história de um guarda dos antigos serviços florestais que pelas suas qualidades humanas e pessoais criou com as populações um relacionamento que atenuou todo o ódio. De tal forma que eram as populações que castigavam os que, entre outras coisas, praticavam caça furtiva dentro do território desse guarda.
O PNPG em vez de aproveitar as sinergias dos que gostam de percorrer o PNPG para, por exemplo, acções de voluntariado ambiental escolhe fazer deles objecto de destes regulamentos absurdos. Será que não percebem que lhes seria mais útil seguir o exemplo deste guarda?
Como tu temo pelo resultado.
Enviar um comentário