quinta-feira, 1 de abril de 2010

Discursos (I)

Discurso do Eng. J. Lagrifa Mendes a quando da inauguração do Parque Nacional da Peneda-Gerês a 11 de Outubro de 1970. Um texto que merece uma leitura atenta...

"Desnecessário será vincar a emoção com que tantos portugueses vivem este momento simbólico da criação do nosso primeiro Parque Nacional em território metropolitano.

A honrosa presença de V. Ex.ª, sr. Presidente da República, que nunca deixa de comparecer aos actos de maior significado nacional e a quem dirijo as mais respeitosas saudações, e a dos Srs. Ministro e Secretários de Estado e de tantas representativas Autoridades, constitui prova segura do interesse com que a Nação vai viver esta obra, e transmite-nos a todos nós um somatório de responsabilidades que temos esperança em superar, a fim de levarmos por diante uma das mais válidas realizações da nossa terra.

De entre todos nós, a classe florestal que há mais de 30 anos pugna pela criação de um Parque Nacional nestas serras, está de parabéns, pois abre-se hoje um novo capítulo na vida ao serviço da Nação.

Trata-se de uma classe cuja ética se tem de mostrar por estreito humanismo, servindo os povos e trabalhando para as gerações futuras. Por outro lado, vivendo sempre enquadrada na Natureza, é normal que sinta, mais que qualquer outra, o que representam para a existência humana os vínculos ecológicos.

Nas tarefas que lhe couberam durante a história das nossas dentes desde a protecção da flora e fauna das matas e coutos reais; à defesa dos povos e culturas ameaçadas pelas dunas marítimas; ao movimento dos baldios degradados pelo excessivo pastoreio e incêndio; à defesa contra a erosão e à correcção do mau regime de águas; à riqueza e ao espírito civilizador que levou às inóspitas regiões serranas, impõe-se agora nova tarefa. Nova somente pelas estruturas e mentalização, e não pela ética, pois que essa se mantém.

Ao pretendermos seguir agora determinado caminho, que se impõe prementemente perante razões de ordem social e económica, mais não fazemos do que corresponder aos anseios e ensinamentos legados pelos técnicos florestais que há mais de 30 anos conceberam os projectos de arborização desta vasta zona serrana do noroeste português.

Se as razões de então, se filiavam somente nos aspectos conservacionistas, em que a silvicultura deveria ser dirigida para a arte de imitar a natureza, e, no desejo de salvaguardar para as gerações futuras, as riquezas tanto de origem paisagista como de flores e fauna, que proliferavam nesta soberba região, novos conceitos surgiram, fruto da pressão demográfica nos grandes centros populacionais.

A experiência colhida nos Parques Nacionais dos Estados Unidos da América, do Canadá e da Europa, levou os especialistas, em face dos novos condicionalismos, a uma nova concepção. Assim, nasceu a ideia de supervisionar maiores espaços envolvendo o território do Parque de um pré-parque, que servirá ao acolhimento das massas que procuram o contacto com a Natureza, à reconversão para novos tipos económicos, de acordo com o nosso tipo de civilização, de um importante sector agro-pecuário, e à abertura de novos horizontes turísticos.

Em 19 de Junho deste ano europeu dedicado à Conservação da Natureza, foi publicada a Lei n.º 9, dedicada à Protecção da Natureza e dos seus recursos, graças à superior visão do sr. Secretário de Estado da Agricultura, eng. Vasco Leónidas. Nunca será demasiado enaltecer o seu gesto pioneiro, que veio permitir implantar um verdadeiro marco histórico que deu possibilidades ao Governo de actuar num fundamental sector, que nos coloca na posição cimeira dos países verdadeiramente civilizados.

Ao debruçarmo-nos sobre as potencialidades do território continental, não podem levantar-se dúvidas sobre o interesse e a prioridade das directrizes tomadas.

Dentro de um espírito realista, temos de verificar que aqui se patenteia uma vasta região do país onde a degradação não atingiu aspectos irreversíveis; onde a vida social e o espaço disponível se enquadram nos conceitos internacionais; onde a paisagem, a flora e a fauna, além de motivos históricos e etnográficos ímpares, apresentam aspectos de rara e prodigiosa beleza. Nela se verifica a necessidade urgente de se tomarem medidas proteccionistas. Por outro lado, o seu conteúdo humano permite-nos um ordenamento territorial dirigido para as finalidades científicas, educativas e turísticas.

Se não possuímos no continente, zonas com o dimensionamento indispensável, dentro dos conceitos actualizados, para a criação de novos Parque Nacionais, urge no entanto que se encare a aplicação do disposto na nova legislação, iniciando-se a criação de outros tipos de Reservas que salvem, em cada região, o que nos resta nestes domínios.

Nada nos falta nesta região para que possamos dar ao Mundo um Parque Nacional de renome, e, tão somente será necessário que aos homens bons, como soi dizer-se nestas Serras, que foram os pioneiros, se juntem todos os demais que possam dar contribuição positiva a esta obra que hoje se inicia.

Se inventariarmos tudo o que nela existe de mais válido, desde os espaços incomensuráveis de beleza serrana; ao ar e águas cristalinas; à flora e fauna de alto valor científico; aos monumentos históricos e pré-históricos; às águas termais de renome internacional; às possibilidades de desportos que vão dos náuticos, à caça e pesca, passando pelo montanhismo e hipismo; aos comestíveis obtidos sem o artificialismo das técnicas; ao retempero da estabilidade psíquica do citadino traumatizado por uma vida vivida em ambientes cada vez mais poluídos, acanhados e trepidantes, temos de convir que estamos frente a uma imensidade de benefícios que urge colher em toda a sua plenitude.

Dentro das realidades que hoje se nos patenteiam, encontramo-nos perante uma sociedade que, dominada pelo artificialismo da tecnologia e do consumo, procura que o homem se afaste definitivamente da paz serena e calma que a natureza proporciona.

O homem de hoje tem mais disponibilidades financeiras, mais acesso à cultura e distracções citadinas, mas em contra-partida tem que viver, na sua maioria, em espaços mais apertados, ruidosos e conspurcados. Como usufrui de mais facilidades de deslocação estamos assistindo permanentemente a uma espécie de êxodo que se assemelha à transumância, bem patente nestas últimas férias na Europa, em que se estima, por exemplo, que só em relação aos franceses se deslocaram 25 milhões da sua residência habitual.

Daqui se infere a crescente necessidade de criação de espaços naturais que possam acolher as autênticas multidões que procuram sossego e ar puro.

Possuidores de maravilhosas praias, estamos aproveitando como convém, todas essas potencialidades que constituem hoje forte atracção turística.

Não nos devemos, contudo, esquecer dos amantes das belezas das nossas serras, dos desportistas de montanha, dos apreciadores da comida natural, dos cientistas ou apaixonados pela biologia, pelos motivos históricos ou etnográficos, da fotografia, da vida silvestre e de tantos outros motivos de interesse que as serras apresentam em profusão.

Por outro lado, existem aqueles para quem a serra e o repouso são o tónico insuperável, ou que necessitam de tratamento termal. Daqui a conveniência em fomentar uma esclarecida propaganda junto dos povos nórdicos, pois mesmo durante o nosso Inverno poderão aqui beneficiar de férias ou de tratamentos, libertos da neve que então quase os paralisa.

Daqui que o arranque deste Parque Nacional seja início também da transformação de um grande centro turístico de montanha, esperando-se que venha a constituir o maior polo de atracção do Norte do País.

Importa, por isso, e com urgência, proceder ao inventário de todos os motivos de interesse, e que competirá fundamentalmente aos diversos cientistas do País, demarcar os diversos tipos de Reservas e iniciar as infraestruturas capazes de dinamizar todo o conjunto de motivações, sejam de ordem científica, educativa ou turística.

Poderíamos, durante horas infindáveis, referir as maravilhas desta região e as diversas concepções de aproveitamento, relacionando-as com as de outros países. Julgamos no entanto que a hora é mais de programação e de solicitação de colaborações. Sobre os programas, o Plano Director, a seu tempo será apresentado com a ajuda de quantos nele quiserem colaborar - e aqui já vai implícito um grande pedido de apoio e de compreensão. A ajuda, tanto científica como moral, sobreleva a financeira, pois os bens materiais constituirão somente aquele mínimo que permita que a partir de 1973, se diga lá fora, que temos na Europa em maravilhoso Parque Nacional."

1 comentário:

Mundo da Alma disse...

Muito agradável ter lido esse discurso intemporal, e que desperta o que mais genuíno há no espírito serrano deste Parque. Obrigado Rui.Vou reencaminhar do meu blog para o teu post.Abraço.