sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

O uivo

 


Caminhando serra abaixo, a passada fazia-se repartida por entre o silêncio adornado pelos sons do Inverno e as conversas ocasionais. A descida era já árdua e o cansaço tolhava o andar que tentava, sem glória, fugir das pequenas torrentes de água que já inundavam o caminho pedregoso.

A passagem das Águas Chocas é sempre um desafio de equilíbrio, quase um bailado que se faz com as botas de montanha encharcadas e a roupa húmida de suor e chuva que tenta reter o calor do corpo por entre a dança do vento.

Em baixo, o jovem Rio Homem encorpava-se com a neve que já derretia e a chuva ia caindo, trazendo tímidos flocos de neve que nos faziam lembrar que o Inverno chegava ao seu primeiro mês. Foi por entre os sons do rio e o passar do vento, que o uivo se fez escutar. Estanquei na caminhada, pés dentro de água e capucho do casaco voltado para trás. O camarada de caminhada que vinha um pouco mais atrás, parava, entretanto, e com o olhar questionava sobre o que se passava; "Não ouviste?", disse eu...

De novo o uivo fazia-se escutar vindo das profundezas do nevoeiro que cobria a encosta. Pupilas dilatadas e ouvidos atentos, era Dia de Lobo, sem dúvida, mas escutá-los naquele cenário era algo de muito especial. E de novo, por entre o vento com o qual competia, escutava-se o uivo, umas vezes ténue, que nos obrigava a concentrar para escutá-lo, outras perfeitamente nítido. Em vão, perscrutávamos o cenário cinzento à nossa frente em busca de um vislumbre, de uma sombra fugidia que fosse, porém, em vão. E surgiu o último uivo como que um epílogo a estes dias de neve. Outros virão, porque o Inverno está aqui... e os lobos também.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

1 comentário:

Bargao_Henriques disse...

Que descrição maravilhosa!
Essa é uma experiência que ainda não tive, mas adoraria, desde que bem acompanhado! 😁