sábado, 26 de outubro de 2019

Para uma história das Caldas do Gerês, pelo Dr. Ricardo Jorge (VII)


Termino hoje a reprodução dos textos do Dr. Ricardo Jorge com os quais pretendia em 1891 traçar uma história das Caldas do Gerês. Estes textos foram publicados nesse ano na obra "Caldas do Gerez - Guia Thermal" e são uma primeira aproximação para um traçado histórico da vila termal.

Para manter o rigor do texto, decidi não o adaptar ao português actual mantendo assim as características da nossa língua mãe em finais do Século XIX.

"(...)

A Hydrochimica do Gerez estaca a pedir trabalhos rigorosos de laboratorio; em 1885 executavam-se nada menos de duas analyses completas das aguas.

E emquanto medicos e chimicos se ocupavam das nascentes thermaes, os naturalistas exploravam a fauna e a flora. O illustre zoologista Barbosa do Bocage descrevera já a famosa cabra-montez, que só no Geres tem o seu habitat; o eminente botanico Julio Augusto Henriques, depois de muitos annos de trabalhos, oredenava a Flora gereziana na sia memoroa - A vegetação da serra do Gerez (1885); e Alfredo Tait, o destincto amador, de continuo fas as suas inextimaveis colheitas, e acompanha ao Gerez os grandes naturalistas extranhos, que atrahidos pela fama historico-natural da serra a teem visitado curiosamente, como Corder de Norwich, Gadow de de Cambridge, e Semproth de Leipzig.

Na haute-volée thermal teem perpassado representantes illustres da aristocracia, da politica, da finança e da magistratura, do prefessorado e da imprensa; e todos os annos, ou em artigo de periodico ou capitulo de livro, veem a lume impressões e notas sobre o Gerez.

Este movimento attractivo da villegiatura gereziana teve a sua alta consagração na visita da familia real em Outubro de 1887. Nunca nos recessos do Gerez pizaram principes; honras reaes só agora as conquistava. O mallogrado monarcha e todos os seus, depois de treze dias de festas, excursões e caçadas, sahiram extasiados e saudosos da encontadora montanha. D. LUIZ I tomava sob a sua protecção decidida a estancia thermal, resgatando gloriosamente uma divida secular, em aberto desde o seu terceiro avô.

A romagem d'excursionistas e enfermos ás caldas seria uma purgação cruel ao longo dos carreiros prehistoricos. Do Penedo, até onde se aproveita a estrada de Braga a Chaves, descia-se ainda ha poucos annos por uns empinados carroxos ás cavalleiras de machos , fazendo susto e ecchymoses no pobre viandante. Protectores do Gerez empenharam-se em dotal-o com vias de comunicação; em 85 findava, com os seus lacêtes caprichosos e uma successão de formosos panoramas das ribas do Cavado, o ultimo segmento da estrada das caldas, agora prolongada pelo valle acima até entestar na floresta de Leonte.

Já não fazia mingua a hospedagem infernal nos pessimos albergues onde as cabras eram commensaes, onde cada freguez tinha a sua panella de barro e comprava os desappetitosos comestiveis; desde 82 que se abriam hoteis, e nenhuma estancia thermal possue tantos e tam vastos, em relação com a sua extrema frequencia.

As espeluncas balneares essas continuavam a affrontar os engulhos do banhista. Trazia-as de renda a camara de Terras do Bouro. De mão em mão andaram as miserandas aguas, qual d'ellas mais decaroada. A cargo do desembargo do Paço antes da reforma constitucional, pertenciam de direito á secretaria do estado dos negocios do Reino. Mas a cama do extincto concelho de Ribeira de Soaz solertemente sem mais forma de processo apoderou-se dos mnanciaes; succedeu-lhe a camara de Vieira na herança, até que a junta geral do districto de Braga, sempre com o mesmo direito leonino a desapossou em 1844, tomando o Gerez sob a sua gerencia.

Tão carinhosa e desvelada foi ella, que Rodrigo da Fonseca Magalhães, ministro do reino, censurou e annullou as deliberações da junta; e por portaria de 18 d'Agosto de 1853, salvaguardando os direitos inalienaveis do estado, conferia a administração das Caldas á camara de Vieira até que o governo entendese dever assumil-a. Quando se engendrou o concelho de Terras do Bouro, á sua camara passou o encargo e o beneficío das thermas.

Sempre os mesmos antros, sempre a mesma miseria, sempre a mesma vergonha!


Mercê dos perseverantes esforços d'aquelles que com sacrificio proprio tomaram a peito o valer e estas multiplas desgraças, o governo resolveu empregar medidas salvadores. Em 88, o ministro das obras publicas d'então o conselheiro Emygdio Navarro assumia para o estado a posse da serra, abandonada até então ao vandalismo ignaro dos povos gerezianos, e installava nas Caldas um posto florestal que tem procedido com louvavel zêlo á conservação e replantação das matas, apezar das investidas barbaras da populaça. Ao mesmo tempo o ministro do reino o conselheiro José Luciano de Castro, tendo préviamente retirado á camara de Terras do Bouro a superintendencia thermal, abria concurso para adjudicação das aguas medicinaes, impondo a edificação de thermas condignas das famosas nascentes. De honra lhes seja aos dois estadistas, o terem firmado os decretos que promoveram a grande reforma do Gerez.

D'esta novissima phase, apenas iniciada atraves dos mais espinhosos obstaculos, perante os quaes só não sossobra uma força excepcional de vontade, não nos compete a nós sermos chronistas. Que d'essa crise beneficia o Gerez se volvana «hygeia dos enfermos e no eden da villegiatura portugueza» é nossa firme esperança."

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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