Continuo a reprodução dos textos do Dr. Ricardo Jorge com os quais pretendia em 1891 traçar uma história das Caldas do Gerês. Estes textos foram publicados nesse ano na obra "Caldas do Gerez - Guia Thermal".
Para manter o rigor do texto, decidi não o adaptar ao português actual mantendo assim as características da nossa língua mãe em finais do Século XIX.
"Enfeitaram-na com uma taboleta arrebiscada de vermelhão e douraduras, estampando-lhe as armas de D. João V. O tempo carcomiu a taboa e muito asisado safou uma imbecil quadra que ainda em meado do seculo de deixava lêr:
Quando o rei antes pai chamar-se deve
He sempre philantropo o magistrado;
Assim Barroso d'esta fonte a ideia
Bebeu na fonte do real cuidado.
O torso verso é a legitima epigraphe do torto estabelecimento balnear, parto da ignorancia e da barbaridade, como lhe chamou Rebello de Carvalho. Bem maior ignorancia e barbaridade tem sido a sustentação até agora das thermas de D. João V - um benefício no seu tempo, hoje um padrão vergonhoso de desmasêlo.
O pátio interior de um dos hotéis termais das Caldas do Gerês.
Almas caridosas foram fazendo addições à obra creada pelo provedor de Guimarães; estas cerziduras, que concluiram o rosario dos casebres, tal qual se vê, ainda são peores que o original. Mais mal amanhados, distinguem-se pela falta da pyramide acuminada; a cobertura é de telha mourisca, que impingiram também ao Forte, demolindo-lhe a abobada que sobre a calidissima nascente formava uma estufa de que só por milagre se sahiria impune. O Almas, o Borges e Duas-Bicas fizeram-se pouco além de 1780, a expensas de philantropos de Guimarães e Porto. Em 1811, quando José dos Santos Dias fez a thermometria dos banhos, já os poços tinham com pequena diferença a conta e a disposoção actuaes.
Ao renome rapidamente alcançado pelo Gerez, e confirmado no discurso dos tempos pela bôca de milhares d'enfermos, deviam competir largas honras da imprensa. Nenhumas thermas da paiz possuem melhor e mais extensa bibliographia.
Abre a fileira o notavel Doutor Mirandella, Francisco da Fonseca Henriques, que no seu Aquilegio Medicinal (1726), primeiro inventario da hydrologia portugueza, consagrou encomiastico paragrapho ás Caldas do Geres, frequentadas «por numerosissimo consurco d'enfermos que lhe acode todos os annos». Jeronymo Contador d'Argote nas Antiguidades da Chancellaria de Bragam onde falla douramente da via romana e na sua epigraphia, expende larga noticia da serra, extansiando-se perante as suas maravilhas naturaes, e dá noticia das caldas, dizendo «que são as melhores e as mais proveitosas de todas quantas ha em Portugal».
O primeiro gerezista de cunho foi o padre Antonio Martens Belleza, enfermo chronico do flato hypocondriaco, que, «farto de consultar os medicos mortos e vivos», e de esgotar o calice de todas as drogas e aguas, deveu a redempção dos seus males ao Geres, d'onde foi cliente assiduo durante vinte e tantos annos, applicando seu perspicaz tino d'observador ao estudo da medicina thermal. Caridoso para com os enfermos, que tantas vezes damnosamente se confiavam a erradas praticas, reduziu a escriptura a sua experiencia, pautando as maximas d'um correcto tratamento gereziano no seu Methodo pratico de tomas os banhos das caldas do Geres (1763), um doa melhores trabalhos da antiga hydrologia portugueza. O regimento do prestimoso abbade insiste no modo d'aproveitar os banhos d'immersão e sudação - hydrosudopathia thermas a que tinham sido apropriados os poços abobadados -, anumera as queixas inidicadas e prohibidas, formula as dietas, e taxa as indicações e doses da bebida, do banho interno, ao tempo subsidiario ainda do banho externo, mas já muito preconisado pelo lauvavel monographista do Geres.
(...)"
Fotografia - Ilustração do Grande Hotel Universal existente nas Caldas do Gerês em finais do Século XIX.
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