sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Para uma história das Caldas do Gerês, pelo Dr. Ricardo Jorge (II)


Continuo a reprodução dos textos do Dr. Ricardo Jorge com os quais pretendia em 1891 traçar uma história das Caldas do Gerês. Estes textos foram publicados nesse ano na obra "Caldas do Gerez - Guia Thermal" e são uma primeira aproximação, que chamarei de académica, para um traçado histórico da vila termal.

Para manter o rigor do texto, decidi não o adaptar ao português actual mantendo assim as características da nossa língua mãe em finais do Século XIX.

"(...)

Espraiou-se velozmente a clientela do Gerez para além das serranias circumvisinhas; chegou até ao Porto, d'onde D. João de Souza, irmão do Marquez de Minas, e governador d'armas, se abalançou a experimentar as Caldas, mandando abrir caminhos viaveis ás suas liteiras de fidalgo. As Caldas já tinham agora altos patronos, que não podiam deixar de compadecer-se com a primitiva miseria que lá se estadeava nas pôças d'immersão e nas cubatas asselvajadas.

Empenharam-se os protectores do Gerez com D. João V para valer a essa barbaridade miseranda; e não tardou a promanar da regia munificencia um plano de obras e melhoramentos que abrangiam um estabelecimento balnear, um hospital para indigentes, uma capella consagrada á Santa Euphemia, e um serviço religioso e medico durante a sazão thermal. Infelizmente o philantropico projecto não foi levado a cabo, e a parte executada sahiu acanhada e grosseira. O hospital não passou dos alicerces, que ainda ha pouco se divisavam. A capella ergueu-se tosca e exigua; e, se a capellania privilegiada nunca esteve sem sacerdote para as necessidades do servoço religioso, não assim o partido medico, mal entregue a uns ignorantes servidores d'Esculapio, medicastras de provisão que raro lá paravam, á mingua de estipendio camarario.

As thermas essas talharam-n'as com uma mesquinhez deploravel; sobrepuzeram á fileira das nascentes um renque de guaritas de pedra encostadas á rocha e encimadas por uma abobada ponteaguda, á laia de pequena ermida; dentro de cada uma o tanque de granito; onde por uma caleira se vertem directamente as aguas que rompem pelas frinchas da penha. Tudo grosseiro, acanhado, d'uma rudeza incommoda e repellente."

Fotografia em cima: ilustração retirada do livro "Caldas do Gerz - Guia Thermal", de Ricardo Jorge, e que mostra as bicas e os poços termais que seriam demolidos em 1897.



A primeira serie de cubículos abrange, de cima para baixo, o Forte, o Contraforte, Aguas-Novas, em tempo chamado o Terceiro, e enfim o Fresco ou Figueira. Na padieira do Forte lê-se em má orthographia a expressiva inscrição latina

ÆGRI SURGUNT SANI

(Os doentes sahem sãos); e na cornija que cinge as casinholas apruma-se uma lapide que reza o seguinte em arrevesada epigraphia:

Estas obras mandou fazer el-rei Nosso Senhor D. João V, à custa dos povos, sendo superintendente d'ellas o dr. Gaspar Pimenta de Avellar provedor da Comarca de Guimarães e para se fazer concorreu com muito zelo o dr. Francisco Pereira da Cruz deputado do Santo Officio e desembargador da Casa da Supplicação de Lisboa, Abril 11 de MDCCXXXV.

Foi pois em 1735 a data do monumento que havia d'affrontar a incuria de mais de seculo e meio.

Ergueram mais dois póços pelo mesmo risco com seu tecto pyramidal sobre as nascentes do Figado e Bica. Esta canalisaram-na por uma caleira coberta até à testada da casa, onde jorra por uma bica sobre uma concha de pedra. Tal é a tão simples, quento famosa FONTE DA BICA - ao presente o palladio do Gerez.

(...)"

Fotografia: ilustração retirada do livro "Caldas do Gerz - Guia Thermal", de Ricardo Jorge, e que mostra um aspecto geral das Caldas do Gerês no início do Século XX.

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