sábado, 15 de outubro de 2016

A pré-mineração nos Carris e a exploração mineira entre 1941 e 1943


Com a facilidade de acesso aos mais diversos registos e informação que hoje está disponibilizada na rede, é difícil compreender a dificuldade em tentar escrever a história do complexo mineiro que hoje conhecemos pela designação de Minas dos Carris. A imagem que me surge de imediato é a de um novelo composto por um emaranhado de cordel o qual tentamos compreender antes de o começar a compor em algo organizado. Isto é, se no aspecto exterior a história por nós imaginada nos vai parecer uma organização lógica de acontecimentos, o que se esconde por dentro são inúmeras histórias cruzadas de uma época turbulenta tanto a nível nacional como internacional.

Com o mundo envolto numa guerra que se iniciara a 1 de Setembro de 1939 e com as indústrias bélicas a necessitarem de enormes quantidades de matéria-prima, o fornecimento desta ficava sujeito ao jogo internacional. No mesmo dia que o blitz invadia as terras polacas, o Governo de António Oliveira Salazar apressava-se a lavrar uma declaração denominada “A Neutralidade Portuguesa no Conflito Europeu”. Publicada na imprensa nacional a 2 de Setembro, esta declaração sublinhava que as obrigações dos tratados com a Grã-Bretanha, com a qual era reafirmada a aliança, não obrigavam Portugal para o conflito que então se iniciava.


Em território português eram inúmeras as concessões mineiras que eram exploradas por empresas que pertenciam tanto aos Aliados como à Alemanha Nazi. Segundo Franco Nogueira em “Salazar. As Grandes Crises – 1936-1945”, p. 351, “Muitas minas de volfrâmio são propriedade da Inglaterra, mas esta não as explora, para assim as manter em reserva, com prejuízo da economia do país onde se encontram, enquanto adquire volfrâmio na Turquia ou na Birmânia; e a Alemanha, sem interesse nas minas, apresentava-se a pagar bons preços e a valorizar uma riqueza portuguesa”. Assim, Salazar ao manter a neutralidade nacional evitava a tragédia bélica em território português, o mesmo território que ajudava ao fornecimento da máquina de guerra nazi.

Em princípios de 1944 a Grã-Bretanha aumentava a pressão sobre Portugal para que fosse decretado um embargo total à venda de minério à Alemanha. Apesar da oposição inicial de Salazar, este embargo seria decretado em Junho de 1944. A maré do conflito mundial virou com a entrada dos Estados Unidos da América na guerra e o embargo colocou um ponto final na intrincada rede de entrada de ouro proveniente da Alemanha em Portugal como forma de pagamento dos minérios necessários à sua industria bélica.

Não se pode estabelecer um dia exacto para o início dos trabalhos ou da exploração mineira em Carris. Muito certamente antes das primeiras concessões legais, os habitantes serranos terão sido impulsionados pela «febre do ouro negro» a procurar o valioso volfrâmio nos píncaros do Gerês. Sem haver relacionamento, já Tude de Sousa refere na sua obra “Serra do Gerez” , “os antigos diziam-nas povoadas de ricos depósitos de pedras e minerais valiosos, desde o ouro ao puro cristal de rocha, o que, se não é abundantemente exacto, é até certo ponto verdadeiro, porque na serra se encontram pedras muito apreciadas pelas suas formas e colorações, destacando-se alguns formosos cristais de quartzo e feldspato e havendo em Pitões ferro magnético; se outros elementos dignos de exploração nela existirem, como não repugna crer, ao futuro pertence mostrá-los na simples revelação de um acaso ou na propositada pesquisa de qualquer bem indicada probabilidade.”

Tal como refere o arqueólogo e etnógrafo galego David Pérez López no seu artigo “Mineria e Carbón na Raia Seca” , “Em meados do século XX o coração da Serra do Gerês – Xurés apresentava uma intensa actividade devido à existência de uma rede mineira e comercial que permaneceu até à entrada da década dos 70. Carvoeiras e carvoeiros, mineiros, padeiros, cozinheiras, comerciantes e contrabandistas tiveram de suportar umas duras condições de trabalho, cujas temperaturas às vezes extremas devido à altitude destas terras.” Assim, para além da intensa actividade mineira a quando da Segunda Guerra Mundial (ou já mesmo antes desta como se atesta nas Minas do Borrageiro) e na segunda metade do século XX, a Serra do Gerês e a sua continuação galega eram palco de diversas actividades comerciais. Os acessos à montanha eram facilitados por uma série de carreiros de pé posto que constituíam uma rede de caminhos que permitia cruzar as serras e levavam aos pontos mais inóspitos.

A Serra do Gerês foi palmilhada a pente fino em busca do volfrâmio que aflorava à superfície. Numa economia parca, as pequenas quantidades de minério que poderiam ser encontradas eram vendidas de forma legar ou não, às companhias mineiras que no território nacional exploravam o valioso metal. Assim se explica o verdadeiro pontilhado de explorações mineiras que foram surgindo pela serra. Muitas delas não passaram de meras sondagens as quais revelaram a fraca riqueza do local não justificando a sua exploração intensiva. Outras porém, originaram pequenas explorações como foi o caso de Cidadelhe ou mesmo explorações clandestinas que eram mantidas em segredo, escondidas do Estado.

A área próxima do marco geodésico Carris foi extensivamente batida em busca de afloramentos de volfrâmio na primeira metade de 1941. A 24 de Junho, Domingos da Silva, um jornaleiro de 29 anos de idade da pequena aldeia de Outeiro, Montalegre, entrega na Câmara Municipal daquele concelho um manifesto mineiro para assegurar os direitos de concessão no sítio denominado ‘Salto do Lobo’ onde terá descoberto volfrâmio e outros metais por simples inspecção de superfície. Domingos da Silva determina o centro do que denomina como ‘Corga do Salto do Lobo’, medindo 550 metros para o Norte. O manifesto mineiro fica registado com o n.º 303, tendo pago uma taxa de 200$00. A respectiva certidão teve um custo de 6$40 e ficou registada no livro de emolumentos com o n.º 142. O pedido de alvará de concessão tem lugar a 12 de Setembro e dá entrada na Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos  quatro dias mais tarde. O pedido é feito para o sítio ‘Salto do Lobo ou Carris’, designação depois rasurada e sendo-lhe atribuído o n.º 10.730. No entanto, e segundo um documento originário da Sociedade Mineira dos Castelos Lda., que mais tarde viria a explorar as diversas concessões mineiras, outros registos mineiros haviam já sido realizados a 15 de Maio de 1941 (registo n.º 283 “Salto do Lobo”), a 6 de Junho (registo n.º 296 “Carris”), a 16 de Junho (registo n.º 299 “Corga das Negras”) e a 28 de Julho (n.º 327 “Carris”). Como se verá mais adiante, estes registos tiveram apenas um papel de impedimento na evolução da exploração de dois grupos em constante litígio naquela área mineira.

Este é de facto um período de intensa busca de volfrâmio pela Serra do Gerês com o aparecimento de vários manifestos mineiros em várias áreas da Serra do Gerês. A 28 de Junho, Mário de Sousa Correia Barbosa iria entregar na Câmara Municipal de Montalegre um requerimento para a concessão da mina de volfrâmio dos Cornos da Fonte Fria (registo n.º 306), em Pitões das Júnias  e a 19 de Setembro José Gonçalves Ferreira requeria a concessão da mina de volfrâmio Alto do Fojo de Alcântara (registo n.º 353), em Cabril .

No dia 28 de Agosto é proposto o Eng. de Minas Ramiro da Costa Cabral Nunes de Sobral  como Director Técnico da concessão do Salto do Lobo que a assume a 6 de Setembro, sendo a 12 de Setembro de 1941 enviada ao Ministro da Economia uma solicitação de atribuição de alvará por parte de Domingos da Silva, Lda.

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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