Uma excelente volta pelas serranias geresianas seguindo alguns novos 'velhos' trilhos seculares que me levaram por paisagens familiares, mas vistas de outras perspectivas.
O termo 'trilhos seculares' aplica-se a estes carreiros que nem uma luva, levando-nos por recantos ao largo dos quais passamos há muitos anos mas que sempre ficaram «para um outro dia». É certo que a cada novo caminho, outros caminhos surgem e esses, também, ficam para um outro dia. Ao fim e ao cabo, estarão sempre lá esperando por nós.
Esperava-se um dia ameno, mas o cenário matinal da Ponte do Arado era o de um dia muito calmo. Se os madrugadores contavam-se pelos dedos de uma mão para arranjarem as melhores sombras para o pic-nic familiar, os mais tardios seriam às dezenas e iriam transformar por completo aquele cenário calmo e bucólico que me recebia naquele dia. O silencio da montanha imperava recortado aqui e ali pela reflexão acústica das águas do Rio Arado, um fio de água a serpentear pelo seu leito rochoso.
Carro estacionado, era hora de começar a caminhar. O objectivo? Fechinhas e Velas Brancas lá para os lados de Fafião. Haveria outros acessos mais simples, mas queria conhecer alguns caminhos que já há muito me espicaçavam a curiosidade de outras passagens por aquela zona. Assim, a parte inicial da jornada fez-se passando as escadarias do Arado e o miradouro para a cascata, seguindo para a serra e passando ao lado do Curral de Giesteira. Procurando sempre velhas mariolas (se bem que naquela zona é por vezes complicado encontrar velhos caminhos), comecei por entrar ao de leve na Corga de Giesteira. Lá ao fundo erguia-se o fumo de uma fogueira que um pastor havia acendido para o seu pequeno-almoço. Por estes dias o gado está na serra e por vezes convém certificar por onde ele anda. Os pastores vão utilizando os toscos abrigos de montanha que substituíram há muito os velhos e clássicos fornos. O trilho que havia escolhido para seguir, e que pensava levar-me ao longo da corga, terminava num pequeno vale inundado de vegetação. Talvez a passagem fosse possível, mas a prudência e o facto de haver um limite de tempo para a jornada fez-me voltar ao caminho em direcção aos Portelos de Teixeira, de todos conhecido. Aqui sabia haver um conjunto de mariolas que me levaria em direcção ao meu objectivo, se bem que aquele trecho fosse desconhecido para mim.
De facto, as mariolas estão lá e proporcionam uma bela passagem até muito perto de Arrocela e já para lá do Curral de Arrocela. Este caminho leva-nos a seguir pelo topo da margem direita da Corga de Giesteira, passando pequenos vales e um ou outro prado mais pequeno que são utilizados para pastoreio. À nossa esquerda fica a Chã de Pinheiro que permite o acesso ao Vale de Teixeira e ao Vale do Rio do Arieiro. Chegando já perto de Arrocela teria de seguir o caminho que entrando na extremidade Norte do Vale do Rio Conho me levaria ao Curral do Cando, mas optei por um outro que me levaria a passar pela Roca Negra com a ideia de o contornar a Norte e descer para Rocalva.
Este caminho tem um bom ascendente sobre uma larga base granítica e leva-nos a passar pelo topo do Vale do Rio do Arieiro em direcção ao Curral da Roca Negra. No entanto, a certa altura, permite que se desça para o Curral do Cando. Fazendo isto, tinha a hipótese de seguir pelo caminho bem marcado na paisagem e que nos leva para os lados da Rocalva. Porém, sempre achei que a partir do Curral do Cando pudesse haver um outro caminho com um acesso mais directo à Rocalva passando pela base da Roca Negra. Seria apenas uma questão de encontrar as velhas mariolas por entre pequenas corgas e cursos de água, escondidas pela vegetação e na verdade elas estão lá. Este trilho dá-nos uma perspectiva interessante da Roca Negra e vai juntar-se ao trilho que vem do Borrageiro em direcção à Rocalva. Para aqui chegar deve-se seguir até encontrarmos este caminho, se bem que o acesso mais perto será fazer um corte «à direita» virando já para o pitoresco prado. Este corte certamente que seria feito em trilho, mas não consegui encontrar as mariolas apesar de elas surgirem já depois de vencidos alguns obstáculos já com a meda rochosa à minha «frente».
Chegando à Rocalva tinha uma certa urgência em abastecer-me de água, pois nesta altura as reservas eram já baixas e o calor já se fazia sentir há algum tempo. De novo surgem aqui duas opções, qualquer uma delas seguindo já no Trilho da Vezeira. Seguindo a Sul passamos pelo Curral de Videirinho onde certamente haveria água; seguindo a Norte levaria mais algum tempo até chegar a Soengas e sem a certeza de encontrar água pelo caminho. A escolha foi óbvia e decidi seguir para o Videirinho onde de facto a água existia em abundância. Com o aproximar da hora de almoço, mas com a proximidade relativa do Curral do Iteiro de Ovos, decidi caminhar um pouco mais até atingir este curral, saindo do Trilho da Vezeira muito antes deste passar pelo Estreito e flectir para Norte seguindo pelo topo do Vale do Rio Laço até chegar ao isolado Curral do Iteiro de Ovos, fazendo aqui uma paragem para retemperar forças.
Com o objectivo final da jornada «já ali», retomei o caminho passando ao lado do imenso colosso que é o Iteiro de Ovos e depois segui pelo velho Curral de Soengas, aproximando-me de Fechinhas. Pelo caminho encontrei uma grande manada de vacas de Fafião que pastavam naquela zona. A certa altura, e já passando a manada, reparei que algo se movia à sombra de uma rocha. Ali, naquela imensidão e isolamento, descansava um pastor que já com os seus 80 e mais anos, guardava aqueles animais na companhia do seu pequeno cão. Com a audição diminuída com a passagem dos anos mas com uma postura de quem domina os recantos serranos, conversei com aquele homem durante alguns minutos. Toda a sabedoria da serra está expressa naquele rosto e então indicou-me as Soengas, Fechinhas e as Velas Brancas «mesmo ali por detrás...».
Deixando-o no seu descanso, continuei o meu caminho subindo ao topo de Fechinhas e contemplando o cenário que se estendia a meus pés. O «pequeno» Curral de Fechinhas lá no fundo do abismo, ao longe as Albas marcando o lugar da Messe e antes os carvalhos do Conho, a imensa parede de Porta Ruivas e as Sombrosas ao fundo junto com o Curral do Muro, o Curral da Abilheirinha e os altos do Cabeço da Cova da Porca e de Cidadelhe. A perspectiva da Serra do Gerês é difícil de descrever e toda a sua pujança torna-se mais evidente a partir destes altos. Voltando a Sul, dirigi-me para Velas Brancas que me proporcionou um cenário semelhante já voltado para o vale do Cávado lá ao fundo.
Atingido o objectivo, era então hora de regressar. Decidi seguir até ao Trilho da Vezeira e passar pela Mourisca onde seria saudado pelos graciosos saltos de duas corças que procuravam refúgio à minha passagem. Abandonando o trilho antes de Rocalva, segui em direcção ao Curral da Roca Negra e daqui entrei no Vale do Rio do Arieiro. O velho trilho que percorre o vale é de difícil percurso e todo o cuidado é pouco na sua descida. Este trilho levar-me-ia até ao Vale de Teixeira e depois ao Curral de Teixeira onde esperava encontrar «um mar de gente» que desfrutaria da lagoa. Para minha surpresa, seria a única alma a refrescar-me naquelas águas num mergulho retemperador do calor que ali apertava.
A parte final do dia fez-se seguindo em direcção à Cascata do Arado onde encontraria um cenário muito distinto do que havia presenciado pela manhã com centenas de pessoas, dezenas de carros e muitos banhistas a refrescarem-se nas águas tépidas do Rio Arado...
Algumas imagens do dia...
Curral de Teixeira visto desde os Portelos de Teixeira
Arrocela
Arrocela e Vale do Rio Conho
A caminho da Roca Negra e Rocalva
Rocalva, Iteiro de Ovos e Cutelo de Pias (Roca de Pias)
Roca Negra, Rocalva, Iteiro de Ovos e Cutelo de Pias (Roca de Pias)
Rocalva, Iteiro de Ovos e Cutelo de Pias (Roca de Pias)
Arrocela e Vale do Rio Conho
Roca Negra, Rocalva e Curral do Cando
Rocalva e Curral do Cando - Roca Negra
Roca Negra
Curral do Cando
Curral do Cando
Curral do Cando - Roca Negra
Roca Negra a caminho de Rocalva
Roca Negra
Meda de Rocalva
Rocalva e Curral de Rocalva
Rocalva e Curral de Rocalva
Rocalva e Curral de Rocalva
Curral de Videirinho
Curral de Iteiro de Ovos
Curral de Soengas
Curral de Fechinhas
Porta Ruivas e Sombrosas
Porta Ruivas
Iteiro de Ovos, Meda de Rocalva e Roca Negra vistos desde Velas Brancas
Porta Ruivas
Meda de Rocalva
Meda de Rocalva e Borrageiro (ao fundo)
Curral de Roca Negra e Roca Negra
Meda de Rocalva antes da descida pelo Vale do Rio do Arieiro
Vale do Rio do Arieiro (parte superior)
Conho no Vale do Rio do Arieiro
Vale de Teixeira
Curral de Teixeira
Curral de Teixeira
Curral de Teixeira
Curral de Teixeira
Fotografias: © Rui C. Barbosa
4 comentários:
Também partilhamos da tua surpresa relativamente a Teixeira, durante todo o f-d-s não passou por lá uma alma, no Sábado ainda tivemos companhia, no Domingo até meio da tarde a lagoa e a espetacular sombra daqueles grandes carvalhos foram só para nós, e para as pulgas residentes!
Que sossego...
Abraço
Xavier
Rui desculpa a minha pergunta, mas a cabana de Entre Aguas não é a cabana do Conho da Vezeira da Ribeira. É que segundo artigo de Americo Castro e do Dr Bento Gonçalves a cabana de Entre Aguas é a que fica junto do Poço Azul.
Desculpa minha duvida....
Abraço
Teixeira
Célios, não há razão para pedir desculpa, as dúvidas surgem e devem ser esclarecidas. Sobre a questão que colocas, na verdade não sei responder, mas é possível que assim seja. É natural que vezeiras diferentes tenham designações diferentes para diferentes currais ou cabanas.
Já agora, é possível apontar o artigo que referes?
Abraço!
Olá Rui Boa noite e obrigada pela resposta.
O artigo e o seguinte e tirei-o da net
"I Edição Revista GeoPlanUM, Guimarães, 2010, p.55-62"
Obrigada
Abraço
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