terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Perdidos... (III)

Esta imagem foi obtida a 19 de Julho de 2007 e deveria mostrar o Pico da Nevosa visto do Penedo da Saudade. É uma fotografia obtida em pleno Verão e sem as dificuldades impostas pela neve e todos os constrangimentos a ela associada.

Terminada a odisseia e circo mediático montado em torno da aventura dos três montanhistas do Porto para os lados das Minas dos Carris, somos agora surpreendidos pelas notícias de que estes três elementos terão uma factura de 15000 euros para pagar originada pelo socorro que solicitaram. Esta é uma situação no mínimo ridícula e demonstrativa do país onde vivemos. Não, do país onde vivemos não! De quem nos governa e governou...

Se todos nós temos lições a tirar de todas esta estória, uma delas sobressai... de certeza que não irei pedir socorro se algum dia me acontecer algo nas nossas serras. Prefiro confiar nos amigos que conhecem a serra e falar com eles para me socorrerem. É certo que perco uma viagem de 15000 euros nos novos Kamov, mas com este dinheiro posso comprar umas boas férias!!!

Posso estar aqui a falar sem razão, confesso-vos que não vou ter a mínima paciência para pesquisar se o sinistrado bêbado nas estradas, se o pescador que cai ao mar, se a jornalista ferida num país distante, se algum infeliz que por azar necessite de socorro tenha de pagar a factura ao estado pelo seu salvamento! É no mínimo ridículo e caricato que haja quem possa levantar estas questões. Talvez só o faça o domingueiro de 40 km/h que goste de ver as aventuras sentadinho na bombazina do seu sofá e não consiga compreender na sinápse instantânea o que significa caminhar 20 km ao frio, à chuva e à neve, para se vencer a si próprio e desfrutar da calma e da paz da montanha, para depois ter de regressar e aturar as filas de trânsito de quem 'vai à neve' suja e conspurcada até onde a 'biatura com dois bufantes chega'... O próprio Jornal de Notícias refere na sua edição de 3ª feira (dia 5 de Fevereiro) "...está envolta num manto denso, qual a neblina que cobre os montes do Gerês, a razão que levou (os três montanhistas) a desafiar as condições climatéricas adversas e a aventurar-se pelo 'trilho dos Carris'". Bom, tendo isto só posso convidar Pedro Vila-Chã, Margariza Luzio e Ermelinda Osório a deixar o conforto do lar e aventurar-se um dia no Vale do Alto Homem até às Minas dos Carris e tentar compreender a tal 'razão'... Fica o convite em aberto...

Este é o marco de fronteira J91 que se encontra no trilho que liga as Minas das Sombras às Minas dos Carris. Na fronteira da Portela do Homem estão localizados os marcos n.º 64 e n.º 65, com este último no sentido dos Carris. Qual é o misterioso marco 46 onde se localizavam os montanhistas??


Tal como é relatado em vários periódicos, existem pormenores desta aventura ainda obscurecidos pelo nevoeiro da Nevosa. Se compreendo que exista quem queira rapidamente fazer esquecer este episódio, pois a experiência é muito mais fraca do que o azar de ser surpreendido pelo 'imprevisto' piorar das condições atmosféricas, há também aqueles que não se conformam em ver como a situação se desenrolou e que por isso tenham receio de que no futuro caso semelhante lhes pode acontecer... isto é, caso tenham a infelicidade de pedir socorro ao estado.

Os três caminheiros são pessoas experientes, já muito se disse sobre isso, e este blogue será sem dúvida um meio aberto para nos contarem a sua aventura. Não sei se conheciam assim tão bem a zona, mas ao identificarem um marco de fronteira (e não um marco da Geira Romana, tal como é referido na edição de 4ª feira do Marão Online, parece-me estranho não terem seguido até às Minas dos Carris. Outra questão que se coloca é saber que rota seguiram até ao Pico da Nevosa. Quem atravessa de Pitões das Júnias para a Portela do Homem terá à partida duas opções: ou segue uma rota perto dos Cornos da Fonte Fria ou segue uma outra que os leva à Lamalonga. Esta última é a mais aconselhada para uma caminhada onde as condições meteorológicas se podem modificar em pouco tempo.

Estar equipado com um GPS na montanha não é garantia de segurança. Conhecermos a nossa localização pode não servir de muito para quem está no terreno (podendo no entanto ser bastante útil, tal como se veio a provar, em caso de resgate). Eu próprio tenho um GPS mas nunca vou para a montanha sem a velhinha carta topográfica e esta sim, é uma ferramenta de extrema utilidade.

A questão de saber que os três elementos eram membros de uma empresa encontra-se agora resolvida, pois aparentemente são membros de uma empresa de turismo-natureza o que pode explicar por um lado o silêncio com os três brindam as questões colocadas. Não gostaria de ser orientado na montanha por alguém que apesar da sua experiência de 20 anos se coloca numa situação destas. No entanto, esta é uma velha questão já por várias vezes levantada neste blogue... Recordo aqui as várias situações em que eu próprio passei ao tentar organizar as denominadas 'Caminhadas Históricas às Minas dos Carris'. Esta intenção sempre recebeu a resposta negativa por parte das autoridades, mas não deixa de ser peculiar o facto de haver as suportas empresas licenciadas de turismo-natureza que nos seus planos de actividades publicitam as caminhadas de vários dias com pernoita na serra. Como é que isto é possível? Será o facto de serem actividades pagas que lhes confere esse direito? Será o facto de serem empresas licenciadas com pessoas experientes a organizar tais caminhadas?

O Jornal de Notícias refere também um ponto interessante:"Ora, o local onde ocorreu a perda de orientação, Alto da Nevosa, é considerado interdito pelas autoridades do Parque Nacional da Peneda-Gerês". Mau! Em que ficamos? O que é interdito e o que não é interdito? Não é altura de uma vez por todas definir sem equívocos este estatuto? Quem passou esta informação ao Jornal de Notícias? O Guarda da Natureza no terreno ou a sede em Braga?

O trabalho de salvamento parece ser apontado como exemplo de um resgate exemplar. Mas, porque é que não seguiram pelo estradão do Vale do Alto Homem num resgate que seria muito mais rápido? Qual foi a dificuldade de se encontrar um acesso que permitisse a chegada aos três montanhistas principalmente sabendo a localização via GPS. Se alguém dos bombeiros tinha um conhecimento como ninguém da Serra do Gerês então porque é que não se seguiu de imediato pelo Vale do Alto Homem? Os todo-o-terreno não aguentam? São caros? Ou a caminhada é exaustiva por um estradão que há muito deveria estar em condições de suportar este tipo de ocorrências? Não, e não me digam que é por causa do bloco de granito que existe perto do Modorno!!!! Quem é que sabendo que existe uma fraca visibilidade pede o apoio do helicóptero sabendo que este não pode chegar à Nevosa? As televisões muito gostaram de mostrar o novo Kamov em acção...

Fotografias: © Rui C. Barbosa

3 comentários:

Pedro Cardoso disse...

Parabéns pelo blog, pelo gosto pelo Gerês, nomeadamente a Mina dos Carris, pelo escutismo, e já agora pelo gosto musical :)
Eu próprio já fiz o percurso da mina e até o Pico da Nevosa algumas vezes. Nunca me apercebi que fosse proibido, calculo que seja preciso ser adivinho para andar pelas nossas serras.
Apesar de a caminhada ser potencialmente perigosa só a falta de preparação pode justificar uma situação destas. No entanto é no mínimo ridículo que se tenha de pagar o resgate. Como já foi escrito n vezes, se alguém cair da bicicleta e partir um braço deverá pagar a conta do hospital? Ninguém lhe manda andar armado em campeão a andar de bicicleta em Portugal. Era o que faltava, vá de carro como toda a gente que isso sim, faz bem à saude.

carlos disse...

Olá Rui,
eu sempre gostei de helicópteros, mas do Kamov sempre tive uma má opinião, conhecendo um pouco o seu percurso passado. Quando associado a este episódio lamentável da novela à portuguesa, só achei que ele além de ser amarelo, deveria ter umas flores para melhor ficar na TV.
Voltando aos Carris, o lugar é fantástico e a subida que me proporcionaste é uma experiência única, só me falta lá ir com a neve...

HR disse...

Segundo declarações à Rádio Renascença do comandante Almor Salvador, do CDOS de Vila Real, os montanhistas não terão de desembolsar um euro, referindo que “este tipo de serviço de socorro nunca foi pago". Esperemos que assim seja, pois o "normal" seguro de montanhismo não cobre valores tão elevados de resgate. Um seguro de 130 Euros anuais cobre no máximo 5.000 Euros de despesas de resgate.
helder ribeiro
www.trilhosemarcas.blogspot.com