quinta-feira, 15 de março de 2018

Histórias do povo de Cabril - A chegada da albufeira de Salamonde em 1953 e o 'Ti' Sebastião da Barca


Quando no ano de 1953 a albufeira de Salamonde começou a encher, a baixa de Cabril e a própria freguesia mudou para sempre e a paisagem nunca mais foi a mesma. O modo de vida nas populações  foi alterado, muito se perdeu: tradições, usos e costumes que acabaram. A paisagem nunca mais foi igual e Cabril sofreu como muitas outras terras de Portugal. O poeta e escritor Miguel Torga, um dia disse, "estes tempos de barragens são uma verdadeira nova no mundo, qualquer dia na escola, o mestre olha para o mapa e diz "antes do período albufeirozoico, aqui era o Barroso."

O povo de Cabril sofreu, viram os seus terrenos e lameiros ficarem submersos pelas águas, assim como os moinhos, lagares do azeite, zonas piscatórias, poços do linho ... Muito se perdeu.

Ainda a gente desse tempo, gente que se lembra da chegada da albufeira, por isso não me foi difícil (até porque tenho uma enciclopédia viva em casa) guardar e levantar os registos dos grandes poços que existiam no rio, assim como os seus nomes. O mesmo aconteceu em relação aos terrenos e edificações, foi difícil, mas ao mesmo tempo um trabalho de muito prazer, pois guarda muitas memórias que irão ficar salvaguardadas para as gerações futuras de Cabril.

Neste pequeno texto eu não irei referir tudo pois seria muito extenso e porventura maçador. Irei só falar dos mais importantes e não me irei alongar muito, pois não vou passar do Saltadouro que fica logo debaixo de Salamonde.


Irei começar por S. Ane e pelo sítio onde existiam as pondras, ou passadeiras, onde ficava o Poço Lava Pés, assim chamado pois no Inverno, e quando o rio trazia mais caudal, obrigava as pessoas a tirar os socos e as meias de lã de ovelha para efectuar a passagem para a outra margem. Logo a seguir era o Poço do Dornalho que era onde tinha a preza do lagar de azeite e do moinho da Casa dos da Ponte. Abaixo era a Ponte Velha e o Poço do Rodelas e era também aqui que ficava o único lugar da Freguesia de Cabril que teve de ser mudado e que só tinha uma casa, que era a Casa dos da Ponte ou dos Alves, que era uma família muito antiga de Cabril. Neste lugar da Ponte viviam e paravam também todos os pobres ou cabaneiros, que eram os artesãos da altura e andavam de terra em terra a fazer cestos, arranjar potes e guarda chuvas, faziam cântaros em folha, vendiam tigelas e malgas... Dormiam debaixo das pedras, nos palheiros e alguns dormiam mesmo na corte dos animais. O mais conhecido e que mais tempo foi ficando era o António que era cesteiro, a quem chamavam o 'António Rodelas', alcunha ganha devido ao Poço, era um dos da volta, como aqui o povo diz. Morava no lagar de azeite que também foi mudado para o lugar das Olas, mas quando o lagar estava a moer ia viver para o moinho da casa da Ponte, no sítio onde está hoje a Ponte Nova que foi construída em 1952 e onde ficava o Poço dos Burros e o moinho da casa dos Junpires, que se pensa que foi a primeira casa a existir no lugar de Cavalos. Logo a seguir vinha o moinho da casa do Adro, depois vinha o Poço da Grova, e que também tinha um moinho que era de vários herdeiros e era o mais bonito, pois era todo feito em pedra até à cobertura. Depois era o Poço de Bustelinho, que tinha um lameiro por cima e que também ficou submerso, a seguir eram os poços da Barca e dos Lagos. Era neste lugar que morava o barqueiro Sebastião uma das grandes figuras de Cabril e a quem a Freguesia ainda não lhe prestou a devida homenagem


Este homem era barqueiro, moleiro, agricultor e pescador. Era um homem que criou muitos filhos, mas que tinha sempre as portas de casa abertas para matar a fome e a sede a quem passava. Foi ele quem encheu os ribeiros da serra com trutas Era um homem de grande humanidade e um protector da natureza. Também ele sofreu com a chegada da barragem, perdendo a casa, terrenos e moinho.

A seguir vinha a Cascalheira, onde também existiam umas pondras assim como um caneiro para apanhar peixe e que tinha o pormenor de ser fechado. Existia também o Poço dos Sapos Conchos que era o nome que as pessoas davam aos cágados que eram difíceis de ver e fugidios, à excepção dos dias de sol. O povo dizia que esse poço não tinha fundo, por isso evitavam ir para lá. Por fim existia o Saltadouro, que foi onde nas invasões francesas, houve grandes escaramuças e bastantes perdas humanas e onde morava o barqueiro de Salamonde. Existia também um moinho de duas mós a moer permanentemente. Depois da chegada da barragem essas mós acabaram por vir para o novo moinho do "ti" Sebastião. 



Muito fica ainda por escrever, pois estes povos tem uma história longa e muito rica em termos de vivências e culturais.

Texto e fotografias: Ulisses Pereira

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