Uma caminhada para relembrar os velhos carreiros de montanha que cruzam a Serra do Gerês entre as Biduiças e os Cornos de Candela.
O dia previa-se quente e foi assim que acabaria por ficar mal a manhã chegou a meio. O suficiente para deixar que a subida da Corga da Abelheira fosse feita de forma confortável, permitindo a chegada a Entre caminhos com uma leve brisa que se manteria aqui e ali.
De Entre Caminhos fez-se a usual descida para os Currais de Biduiças e daqui voltamos a Nascente, seguindo e mantendo as mariolas que se foram alagando com o tempo. O inevitável crescimento da vegetação faz com que parte dos velhos carreiros vão desaparecendo, o mesmo acontecendo aos vestígios dos velhos currais e abrigos pastoris que em tempos eram utilizados pelo pastoreio vindo de Outeiro e outras paragens.
Passando a Ribeira de Biduiças vamos percorrendo a parte inferior da encosta do Compadre, cruzando blocos erráticos à medida que a paisagem se torna mais agreste na sua condição de selvagem e isolada. Aqui paira o nada envolto por um profundo silêncio que se alarga até escutarmos as batidas do coração.
Por estas paragens, recordo aqui algo que escrevi em Março de 2015 numa caminhada ao longo destas paisagens...
Não me canso de referir que a Serra do Gerês resulta de uma simbiose entre a Natureza e a ocupação humana do território, ocupação essa que se prolonga por milhares de anos. Desde os vestígios mais antigos inscritos nas rochas até aos nossos dias, passando pela romanização de uma parte desse território, a Serra do Gerês é, em si, um tesouro por descobrir e um manancial interminável de informação e de registos históricos à espera de ser descobertos.
Apesar de representar uma parte importante dos estudos levados a cabo desde a sua fundação, os cerca de 44 anos do Parque Nacional da Peneda-Gerês não trouxeram à luz do dia muita da História daquele território. Não se pode responsabilizar o PNPG, enquanto corpo mutável e sujeito à vontade política, pelo trabalho por fazer e pelo que ficou feito ao longo destes anos. Devemos, sim, exigir que o PNPG seja dotado de meios (materiais e principalmente humanos) para que o futuro seja mais iluminado em termos de preservação dos espaços e em termos de relação entre a entidade PNPG e as gentes que vivem e moldam o território. Sem estes compromissos o futuro do PNPG e dos grandes espaços naturais está em risco.
Tirando partido do que a Natureza lhe foi concedendo, a presença do Homem entre o Gerês e a Peneda foi moldando os espaços, adaptando-o às suas necessidades. Com o passar dos anos e com um abandonar de certas actividades que até aí eram intrínsecas à sua ocupação, a Natureza foi restabelecendo o seu domínio, reclamando para si zonas que até certa altura eram usualmente, se bem que sazonalmente, ocupadas pelo Homem.
Muitos destes espaços são agora «depósitos» de memórias que com os passar dos dias se vão esbatendo no esquecimento. A caminhada de hoje procurou, de forma humilde, tentar tirar do esquecimento esses espaços e trazê-los à luz da sua existência passada, e com isso não esquecer os dias em que o homem teria uma vivência de maior harmonia com o meio... ou talvez não.
A passagem pelo Curral do Poço Verde, quase indistinguível na paisagem e característico pela presença do que penso ser vestígios de dois fornos pastoris, leva-nos a um pequeno declive que antecede a chegada ao Curral de Fornalinho de Baixo. Com os seus frondosos carvalhos seculares, é um verdadeiro oásis por entre a penedia quente da Serra do Gerês e antecâmara de chegada ao Curral de Fornalinho de Cima.
Se até os caminhos foram-se mantendo na paisagem, os incêndios e as queimadas nas encostas dos Cornos de Candela fizeram com que grande parte dos caminhos fossem desaparecendo. Curiosamente, o mesmo aconteceu com muitas das mariolas que a minha memória dizia sulcarem a paisagem. Não deixa de ser interessante que as mariolas crescem como cogumelos por onde singram os grandes montanheiros de Facebook e escasseiam por onde estes não ousam entrar.
De facto, recordava-me de andanças dos velhos tempos, das ligações desde Fornalinhos de Cima ao longo da encosta Poente dos Cornos de Candela, ligando o Curral dos Cornos de Candela por entre as voltas dos caminhos até ao Corgo da Pala Nova. Se vestígios existem destes velhos carreiros até ao curral, para lá deste as mariolas desapareceram - fazendo-me lembrar uma demanda que em tempos o PNPG teve de eliminar estes velhos vestígios do pastoreio. Lá fomos encontrando passagens por entre os rochedos e passado algum tempo, já com a albufeira da Barragem de Paradela à vista, encontraríamos o velho caminho para o Corgo da Pala Nova. Assim, estava cumprido o nosso objectivo do dia e com o calor a apertar, era hora do regresso que foi feito regressando ao Curral de Fornalinho de Baixo por uma outra via e daqui à longa descida da Corga da Abelheira depois de passar de novo por Biduiças.
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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