Submersa na saudade dos seus antigos habitantes e mergulhada numa mística que vai crescendo de cada vez que as suas ruínas surgem das águas escuras do Rio Homem, Vilarinho da Furna vai sobrevivendo no imaginário daqueles que de uma forma ou de outra vão tomando conhecimento da aldeia.
O seguinte texto, foi escrito numa altura em que Vilarinho da Furna era uma pujante aldeia na base da Serra Amarela, vivendo sem o terrível espectro da inundação que viria décadas mais tarde.
Em relação às origens e antiguidade de Vilarinho da Furna pouco ou nada se sabe. Percorrendo os índices dos documentos do Arquivo Distrital de Braga, nada se encontra relativo a Vilarinho da Furna. Do índice do Arquivo da Sé de Braga consta a freguesia de S. João do Campo, da qual existe tombo feito em 1540, mas não se refere a Vilarinho da Furna. Procurando nas Inquirições de Dom Afonso II e Dom Afonso III, nos Portugaliae Monumenta Histórica, nenhuma referência se encontra respeitante a Vilarinho da Furna e só à freguesia de São João do Campo. No livro das Confirmações de Benefícios do tempo do Arcebispo Dom Fernando da Guerra (1423) nada consta relativo a Vilarinho da Furna, referindo-se só a S. João do Campo.
Dom Jerónimo Contador de Argote, ao descrever o itinerário da Via Militar de Braga a Astorga, diz que ela corta a Veiga (Veiga de Santa Eufêmea) direito ao lugar da Senra, sai à Casa da Guarda, por detrás da qual faz uma pequena volta e passa pelos limites de Vilarinho, último lugar e povoação deste Reino.
O Padre Carvalho da Costa refere-se a V. de Furnas, aldeia que pertence a São João do Campo e descreve a sua localização.
Pinho Leal, no seu Dicionário, fala de Vilarinho das Furnas como freguesia extinta do concelho de Terras de Bouro e há muito anexa a São João do Campo; passava aqui a célebre «geira» de Braga a Astorga, e era esta a última povoação em que tocava a antiga via militar antes de se internar na Galiza.
O Padre Manuel Martins Capela, falando de padrões do tempo de Maximino e Máximo, ao descrever o que estava na bouça do Gavião, Campo do Gerês, diz que se encontrava tombado ao Norte da antiga Casa da Guarda e olhando Vilarinho da Furna. Em nota, acrescente que se chamava Casa da Guarda a uns pardeeiros de duas casernas para quartel de milícia dos concelhos de Terras de Bouro e Santa Marta de Bouro, que guarneciam uma trincheira que defendia o Vale do Homem nas guerras da Restauração, para o que tinha alguns canhões de ferro.
O Dicionário de Portugal, de Estêves Pereira e Guilherme Rodrigues, repete Pinho Leal, e a Corografia de G. M. Baptista segue o Padre Carvalho da Costa.
Nada pudemos averiguar quanto à data da criação da freguesia de Vilarinho da Furna nem da sua anexação. Contudo, do livro de registo de nascimentos de São João do Campo, consta ser o lugar de Vilarinho pertença desta freguesia em 1623.
Apesar de não haver elementos que permitam fixas a data do estabelecimento de Vilarinho da Furna, existem vestígios remotos de vida humana na região. Perto passava a via romana de Braga a Astorga, cujos marcos miliários se encontram agrupados em alguns pontos da antiga «geira» até à Portela do Homem. O nome de Albergaria, que designa um dos sítios mais belos da mata do Gerês, atesta a existência duma antiga pousada. Na Calcedónia, encontram-se restos de velhas construções que a lenda não tem poupado. Mais perto de VIlarinho, dentro dos seus terrenos de pasto, vê-se um grupo de construções megalíticas, as «casarotas», com uma inscrição indecifrável e um muro orientado Leste-Oeste, que defende as casarotas do lado menos acidentado e de mais fácil acesso.
Não sabemos se estes restos arqueológicos têm alguma relação com Vilarinho, e só novas investigações poderão talvez vir a esclarecer o assunto.
O nome também não nos diz nada: Vilar e Vilarinho são topónimos muito frequentes em todo o Norte do país. Vilarinho é diminuitivo de Vilar (lat. villaris), que por sua vez designa lugarejo.
Segundo Caro Baroja, na época visigótica aparecem muitas povoações em que entra a palavra villare e outras derivadas dela. Acrescenta o mesmo autor que villar é muito abundante na Galiza, Astúrias, Castela e Andaluzia, assim como «Villarin» e «Villarino» em Leão e parte meridional da Galiza. Nesta última região também aparece «Villariño» se bem que em Lugo, Coruña e Pontevedra sejam mais frequentes os exemplos sem palatização (Vilar, Vilariño, etc.).
Quando terminou o domínio romano, cuja economia assentava num sistema de exploração da terra que tinha como base a escravatura, o trabalhador do campo, tratado com maior humanidade, passou a viver nos villares e casares, em regime familiar, em terras fornecidas pelos senhores. Será este um desses casos? Não é fácil saber. O complemento de Furna provém do Ribeiro das Furnas, assim chamado por que, no seu vale abaixo da nascente, se encontram cavernas ou furnas no granito, onde há grandes fendas e despreendimento de blocos.
Neste recanto perdido na imensidão das serras, encontra-se uma ilhota fértil onde um grupo de homens se fixou em época distante, e aí vive, longe dos centros e das vias de comunicação, separado do resto do mundo por quilómetros de maus caminhos, entregue a uma economia agro-pastoril assente numa organização antiquíssima, extensiva a vastas áreas da Península, senão à totalidade dela. Este povo comunitário parece o representante vivo do nosso antepassado castrejo, caracterizando-o ainda, hoje como outrora, o forte espírito de comunidade, e o sentimento terranês indomável.
Texto extraído de "Vilarinho da Furna - Uma Aldeia Comunitária" (Jorge Dias, 1948)
Fotografia © Manuel Antunes (Todos os direitos reservados)
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