"...Brás Pereira de Magalhães que foi de Cabril que conversava com Sebastião Pires que foi de Ruivães disendo que não havia em Portugal freguesia mais limpa que a sua de Cabril, pois que a sua de Cabril, pois que em toda ella não havia mácula e assim também o diziam também os velhos na minha menisse..."
(Conversa entre dois reitores no princípio do século XVIII)
Nos dias de hoje a serra do Gerês é palmilhada por muita gente e sempre assim foi, mas se agora é por amantes das montanhas e das caminhadas em natureza, antes era diferente. A serra era um lugar de sangue, suor e lágrimas para os povos locais, para aqueles povos que fizeram desta serra e destas montanhas a sua casa e o seu peculiar modo de vida.
A vida na serra começava cedo, muito cedo, por volta dos oito anos de idade já se faziam grandes caminhadas atrás dos animais, de socas cardadas nos pés, muitas das vezes descalços, para poder poupar o único par que tinham. Mal vestidos, cresciam entre as pedras e os animais, lavravam os currais e deles tiravam o pão, iam fazer carvão pelas alturas do Natal, carregavam os arados às costas, serra a cima, a palha e o centeio era da mesma forma, vinha para as aldeias em carregos. Era o tempo das carrejadas, das malhadas que entoavam por toda a serra, mas também era o tempo da fome e da miséria. Dormiam na serra, alguns viviam por lá largos períodos. Contam-se histórias de miséria e sobrevivência, histórias de ouvirem os lobos a uivar de muito perto e não raras vezes de os sentir a caminhar lado a lado. Criaram-se mitos, superstições, mas a cima de tudo respeito, muito respeito pela serra e pela natureza.
Os barulhos e as luzes no céu tinham várias interpretações, o "ti" Jumpereira que foi durante algum tempo vezeireiro na serra dos bois, afirmava a pés juntos que há meia-noite em ponto ouvia todos os dias uma banda de música a tocar nas Cruzes da Cidadelha, a ainda outros que falavam em vultos, barulhos sobrenaturais em partes diferentes na serra.
Foi esse um dos motivos que fez com que Lagoa tenha demorado a ter um abrigo, os vezeireiros e os agricultores utilizavam as cabanas, principalmente a cabana da Casa da Ponte, mas há sensivelmente quarenta anos, através da junta de freguesia e do povo, resolveram fazer um abrigo melhor. O local escolhido foi junto ao curral da Casa do Costa, e vários populares por conta da junta deslocaram-se da aldeia para a serra com o intuito de construir o novo abrigo, o qual nunca chegou a ser concluído, e foi durante muito tempo alvo de grande falatório nas várias aldeias, os trabalhadores vieram embora e recusaram-se a voltar. Segundo eles o local da nova casa não era bom, era estranho e à noite ouviam vários barulhos estranhos, as coisas mexiam do nada, vários pontos de luz na serra, mas a gota final, dizem que foi quando começou a descer uma luz dos Sargaços em direcção a lagoa e com um barulho estarrecedor, semelhante a vários tiros disparados simultaneamente.
O "Ti" João Batista lembra-se bem desse dia, apesar de não andar lá a trabalhar, e de nada ver ou ouvir. Nesse dia ia ficar a cabana, que era para no dia a seguir ir a Espanha, só que chegou a Lagoa e já a noite ia adiantada,ele próprio conta: "Olha...ia com o meu cunhado Zé em busca de uma pana e umas sacholas a Vila Méa... e já era noite quando chegamos as Lajas de Lagoa, mandei um grito, ouu... ouu!!!... e nada!! Eu sabia que eles andavam por lá a trabalhar, voltei a gritar.. .e nada!!!... Eu até disse ao Zé, onde é que caralho eles se meteram?? E lá continuei andar...Quando cheguei a cabana estavam todos aninhados dentro da cabana, beira do lume, mas cá para fora nada... ta certo!!! De manhã puseram-se a francos...."
Um dos trabalhadores que na altura tinha segundo ele sensivelmente dezassete anos, não gosta muito de falar no caso, mas lá vai dizendo : "É preciso ter respeito!!! Pois a serra não é brincadeira, e há certas coisas que não tem explicação." Eu ainda perguntei, "Então vocês tiveram medo?" "Eu?medo? Não!!! Só que eram coisas que nunca tinha visto e nem os mais velhos que andaram pela serra toda a vida... O que sei, é que quando veio o dia, eles pegaram nas suas coisinhas e nas ferramentas as costas e bota serra abaixo, e eu ia lá ficar? Tá bom!!!tá!!!"
O que é certo é que o abrigo nunca foi terminado nem por eles, nem por ninguém.
É caso para dizer "Pêro que no creo em brujas mas, pêro que las aí, aí"
Texto e fotografias © Ulisses Pereira (Todos os direitos reservados)
Sem comentários:
Enviar um comentário