O povo do Vale de Cabril, como muitas outras aldeias de montanha, esteve muito tempo isolado e sem acesso às estradas e luz eléctrica. O êxodo rural fez-se notar de uma forma avassaladora nas décadas de 60 e 70 do século passado e trouxe uma nova realidade: foi a fuga em massa do povo na procura de melhores condições de vida, fugiam a salto, enfrentavam o desconhecido, entregavam a sua vida aos passadores, muitos deles sem escrúpulos, fugiam a pé pela montanha. Tudo era válido para fugir de uma vida de trabalho e sacrifícios, fugiam da miséria da fome, devido ao isolamento, tinham sido esquecidos pelo país, pelas sedes de distrito... Por todos.
Os campos foram abandonados, deixou de haver gente para os trabalhar, só ficaram os velhos, pois a idade já não permitia grandes aventuras. Foi por esta altura que os currais da serra do Gerês deixaram de ser semeados, pois deixou de haver gente para tão árduo trabalho.
Os currais eram semeados nos fins de Setembro e Outubro, que coincidia com a descida da vezeira em direcção às várias aldeias e era também a altura em que os currais ficavam estrumados devido à permanência dos animais. Por norma, o gado dormia nos currais que eram para lavrar, isso já era uma competência do vezeireiro, era ele que tinha a missão de fazer dormir lá os animais, pois os currais que eram para semear eram escolhidos previamente.
Os currais eram lavrados antes da descida dos animais, aproveitava-se a permanência destes, normalmente o arado e a grade era de uso comunitário e ficava sempre na serra dentro de uma cabana ou debaixo de uma pala para os proteger do tempo.
O centeio era tirado nos fins de Junho, que era quando se faziam as carrejadas. Era um trabalho comunitário que envolvia muita gente e no qual eram necessárias para cima de vinte pessoas. Os homens iam quase sempre no dia anterior, que era para ir adiantando trabalho. Iam cortar o centeio e fazer os molhos. No dia da carrejada é que se fazia a romaria serra a cima, com os alimentos e o vinho a serem levados em cima de uma mula e custeados pelos donos dos currais.
As carrejadas sempre foram pretexto de festa e, sobretudo para comer bem, daí a grande afluência de gente. As segadas e malhadas eram feitas debaixo do sol abrasador de Julho, havia sempre muita gente. O centeio após cortado ia para as eiras improvisadas para ser malhado. Na eira havia sempre uma grande competição de dois grupos de malhadores que batiam com os malhos na eira e o som do malho tinha de ser afinado, tinha de ser certo e alto, tinha que "broar". Pela serra adentro, os malhadores corriam a eira, ora avançando, ora recuando, num ritmo e cadência certos, quando se ouvia a palavra "meio", o malho ficava na eira estendido e os malhadores descansavam e bebiam um gole de vinho. A palavra "meio" significava chegar ao meio da eira.
Depois de malhado o centeio era separado do colmo e limpo, sendo metido em sacos. O colmo era atado em molhos e era tudo carregado às costas, serra abaixo. Havia sempre uma grande algazarra, onde eram deitadas vivas a este, vivas aquele, e grandes gritos que entoavam por toda a serra. Havia sempre uma paragem que era para beber primeiro e depois descansar no Penedo do Encosto, ao se chegar a Taboucinhas. Aqui, os gritos e a algazarra aumentava de tom, que era para se dar a ouvir na aldeia, onde era o ponto alto da festa. Era onde estava a ser cozinhada uma cabra no pote, que seria servida no fim do dia. O centeio era depois limpo e guardado em grandes caixas de madeira de castanho.
O colmo era aproveitado para fazer as chapelas para os cortiços o mel era uma das fontes de rendimento das aldeias. O colmo também servia para fazer os bancelhos para atar a palha e o feno, para encher os colchões das camas e para colmar as casas e os palheiros.
Texto de Ulisses Pereira
Fotografia © Luís Borges (Todos os direitos reservados)
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