sábado, 9 de julho de 2022

Serra do Gerês - Da Pedra Bela ao Vale de Teixeira

 


O Vale de Teixeira é um dos mais icónicos lugares da Serra do Gerês e de todo o Parque Nacional da Peneda-Gerês. No final do século XIX, e devido à qualidade do ar que por ali se respira, chegou a falar-se na construção de um sanatório à semelhança dos que foram construídos nos pontos mais altos de Portugal. Felizmente, a construção não passou de uma ideia, e hoje o Vale de Teixeira com os seus dois currais (Teixeira e Cambalhão) é um lugar de tranquilidade onde se fundem as tradições dos povos serranos com a Natureza.

Assim, a caminhada ao Vale de Teixeira surge como uma das caminhadas clássicas da Serra do Gerês. Desta vez, saí da Pedra Bela e foram 14 km de puro prazer da montanha.



A Pedra Bela, para além da magnífica paisagem que nos proporciona sobre o Vale do Rio Gerês, é um local cheio de História. Mesmo a origem do seu topónimo turva-se nas explicações académicas e na famigerada troca dos 'v' pelos 'b' nortenha. Assim, diz-se que originalmente o local se chamaria 'Pedra de Velar', onde os pastores velavam o gado no vale durante a vezeira. Temos de imaginar aquele vale antes da chegada dos Serviços Florestais! O coberto vegetal de então era escasso, tal como mostram os postais do início do século XIX. Já antes, os montes eram queimados e não havia muito interesse na floresta quando a vida dependia do pastoreio. No seu livro "Serra do Gerez" (1907), Tude de Sousa refere (pág. 65):

"Para o aproveitamento das pastagens de serra o seu grande regenerador era e é ainda o fogo. De annos a annos queimava-se o monte e ainda agora se queima na parte não pertencente ao Estado. Por este meio afugentava-se o lobo e outros animaes damninhos e obtinham-se renovos muito appetecidos dos gados.

Claro que toda a vegetação se aniquilava por tal processo e as encostas se desnudavam por completo, indo com o tempo até á negação de toda a vida vegetal, tornando-se escalvadas e aridas."

Assim, o Vale do Rio Gerês seria um espaço solitário longe do Vilar da Veiga que, no fundo do vale, se banhava nas águas do Rio Cávado. Voltemos a Tude de Sousa no seu "Serra do Gerez" (pág. 89), referindo às Caldas do Gerês:

"Com o fim de setembro parava alli todo o movimento; as casas, as aguas e a serra eram abandonadas, ficando á mercê apenas de algum raro pastor ou contrabandista, que de inverno por alli passasse, chegando mesmo os donos a retirar as portas e telhas para logar seguro, para evitar e serem-lhe roubadas na epocha morta.

Todos os generos de consumo eram levados até lá por individuos de fóra. E assim era que ainda ha cêrca de 40 annos no Gerez não ficava ninguem de inverno (...)."

Da mesma forma, Tude Sousa refere (pág. 186) no seu livro "Gerez - Notas Etnográficas, Arqueológicas e Históricas" (1927):

"Pinho Leal diz que em 1860 ainda não vivia ninguém permanentemente no Gerez (...)"

O Vale do Rio Gerês era então um local (talvez o primeiro, no início da vezeira, e o último, no seu regresso) de apascentamento do gado que era vigiado (velado) a partir das alturas da Pedra de Velar que mais tarde se deturparia para o actual topónimo de 'Pedra Bela'.

O local foi sítio escolhido pelos Serviços Florestais, que tomam posse de parte da Serra do Gerês em 1888, para a localização de um dos vários viveiros florestais que existiam então na serra e para a construção de uma das duas únicas casas florestais que estavam dotadas de torres de vigia (sendo a outra o então denominado 'Observatório da Pereira')


O Observatório da Pereira é actualmente a sede do Grupo Desportivo do Gerês

Para além do valioso património edificado abandonado e vandalizado, a Pedra Bela é também um dos limites da área do perímetro florestal do Gerês estabelecido em 1888 e ainda hoje se pode encontrar a marca do limite gravada em baixo-relevo numa das rochas do Miradouro da Pedra Bela.


Cruz em baixo-relevo que marca o limite do perímetro florestal do Gerês estabelecido em 1888

Certamente que é um local de deveria merecer mais atenção e cuidado por parte das autoridades locais e nacionais.

Para chegar ao Vale de Teixeira, e fazendo um percurso circular, decidi seguir o traçado do Trilho dos Currais até ao ponto onde este se intersecta com o traçado da Grande Rota da Peneda-Gerês (GR50). Assim, segui em direcção à tranquilidade bucólica do Curral da Espinheira que é lugar de um velho forno pastoril alagado e segui depois por Corrinchoiros e passando perto da Pala do Cando de Cima, descendo depois para o Cocão já junto da estrada para a Ponte do Arado.


Seguindo pela estrada, onde um todo-terreno fez questão de acelerar para levantar mais pó quando viu pessoas a caminhar, passei a Ponte do Arado e subi pelo novo acesso ao Miradouro do Arado. Recentemente recuperada, a nova escadaria permite um acesso com maior segurança ao miradouro sobre a famosa cascata.

Depois de uma curta paragem no Miradouro do Arado, segui serra acima através dos carreiros pastoris, atravessando o Ribeiro de Giesteira e iniciando a subida para os Portelos de Teixeira. Felizmente, e por entre o calor que mais tarde se iria fazer sentir, a manhã estava soalheira, mas não muito quente, o que facilitou a subida através do lajedo granítico e permitindo paragens para apreciar a paisagem que se ia revelando desde as Lajes Brancas do Azevinheiro à Corga de Giesteira e os altos dos Portelos, passando pelo Vale do Rio Arado e todas as paredes alcantiladas e vertentes abruptas que se abrem na rocha.


A chegada ao final da subida que se torna mais suave na parte final, revela o Vale de Teixeira que se estende até à Garganta da Preza no lado oposto. O Rio Arado vai tomando os nomes dos locais por onde passa, sendo Rio do Cambalhão e depois Rio de Teixeira, tornando-se Arado por entre as gargantas apertadas por onde se vai desenrolando em cascatas e lagoas sucessivas.

Com o calor a começar a apertar, surge o desejo de sentir a água mais fresca na pele e apresso-me a chegar à lagoa que antecede o prado onde se situa o Curral de Teixeira. Naquela paisagem de sonho onde o tempo parece passar mais lentamente e o silêncio preenche os espaços, o Rio Arado cria pequenas lagoas por entre o leito escavado há milénios ao longo da paisagem. Soube bem o mergulho e sentir a pele a arrefecer com as águas do Arado...


Após algum tempo, era hora de prosseguir até ao Curral do Cambalhão situado mais a Norte do Curral de Teixeira. Percorrendo o vale, foi-me recordando de um Inverno particularmente frio onde aquela paisagem ficou coberta de neve e criando um cenário maravilhoso.

À medida que ia caminhando para lá da Corga do Areeiro, o colosso do Cambalhão ia ganhando formo e altivez, flectindo os seus músculos e reclamando o seu lugar de destaque na paisagem. À esquerda o Junco e o Pé de Salgueiro perdem a sua imponência na paisagem, dando lugar ao titã que se eleva como um guardião do Alto das Rubias e do Borrageiro. Chegado ao Curral do Cambalhão, era então hora de descanso e do desejado almoço na montanha. Mas tão cedo se chegava, como era hora da partida e a tarde já se havia posto quente. A marcha recomeçava depois de ver uma corredora a subir o vale sobre um calor abrasador e depois da chegada de um ruidoso grupo que acabaria também por parar por ali.

Seguindo na direcção do Curral de Teixeira, atravessa o rio muito antes de lá chegar e iniciava a lenta subida da encosta, seguindo para o Curral da Lomba do Vidoeiro e depois para a Chã da Carvalha das Éguas, fazendo uma pequena paragem no seu curral. Seguindo depois para o Vale de Salgueiros, em breve regressava à Pedra Bela seguindo por um caminho florestal para evitar percorrer parte do percurso que já havia feito de manhã.

Ficam algumas fotografias do dia...






















Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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