terça-feira, 5 de outubro de 2021

Trilhos seculares - Pelo Pé de Salgueiro e Pegada das Ruivas

 


Um fim-de-semana prolongado que prometia dias de caminhada acabou por se transformar em dias de intempérie onde o cinza das nuvens e a chuva foi dominando as horas que passavam. O acordar ao som da chuva anunciava mais um dia de outros afazeres, enquanto a paisagem se prepara afincadamente para o rápido mudar de cores e o desnudar das árvores.

Porém, um dia permitiu uma saltada aos caminhos seculares que marcam a Serra do Gerês e começando da Portela de Leonte, lá fui visitar o colosso adormecido do Pé de Salgueiro e testar a subida da Pegada das Ruivas.

A Portela de Leonte era, há pouco mais de um século, a entrada para um mundo selvagem por onde percorria um medonho caminho aberto por entre a mata virgem dando acesso à Albergaria com a sua estrada romana e ao primeiro edifício dos Serviços Florestais acabados de «tomar» de assalto a Serra do Gerês.


Hermenegildo Capello e Leonardo Torres descreviam assim, em 1882, o caminho entre as Caldas do Gerês e a Portela do Homem: "Das Caldas sobe-se á Portella do Homem por um carreiro commodo; uma bela mata de carvalhos se estende até aos tres quartos da altura, e acham-se aqui, assim como nos arredores da Portella, grande copia de Arandus (...) desconhecidos em Portugal, bem como outras muitas plantas raras tambem no paiz.

Este scena muda de repente no alto: os carvalhos desapparecem e não se topam senão arvores do norte, que não ha nem nas planicies nem nas outras montanhas do reino, taes como o teixo, a sorveira (...), o junipero..., de sortte que nos poderiamos julgar na nossa patria.

As sumidades das montanhas compõem-se de rochas amontoadas umas sobre as outras. As vistas da parte O. são extensas e variadas e de lá se descobre uma boa parte da provincia, o mar e os seus areaes; esta vista, comtudo, não é agradável, porque os olhos não podem divisar aquelles bellos valles... da outra parte os pinhascos fecham o horisonte.

Á medida que avançamos para o N. estas montanhas tornam-se mais pittorescas e mais selvagens; entra-se em muitos valles que só constam de rochas nuas e inaccessiveis. É aqui a habitação das cabras silvestres; vançando mais n'esta direcção encontra-se uma planicie montuosa e coberta de pantanos, onde achámos boa quantidade de plantas proprias da Allemanha, que havia longo tempo não tinhamos visto.

D'aqui podémos descer para o Rio Homem por uma vereda rapida, que convem ter cuidado de não perder, por causa dos precipicios que a cercam tanto da parte da Portella de Homem, como da parte do valle. Um pico elevado separa aqui Portugal, da Hespanha."



O Gerês selvagem descrito por Hermenegildo Capello e Leonardo Torres foi desaparecendo aos poucos e as estradas foram esventrando as suas vertentes, alterando de forma irremediável a paisagem. Porém, nos dias onde o rebuliço dos verões selvagens se extingue e às primeiras horas da aurora, podem ter um vislumbre do que terá sido por entre a dança dos ramos dos velhos carvalhos e o despertar dos pássaros que compõem as canções da manhã. Por breves momentos, o «velho» Gerês de antanho ressurge na filigrana dos raios de Sol filtrados pela ramada e aqui e ali temos a sensação de escutar o lobo cerval ou a cabra geresiana... porém em vão.

Saindo da Portela de Leonte em direcção a Sul, por entre o bosque que se vai transformando, tomamos o velho caminho que levada à antiga Casa Florestal de Leonte e seguimos em direcção à Fonte do Escalheiro. Continuamos por entre a ramada e descemos para a curva que antecede a chegada à Cascata de Leonte, seguindo algumas dezenas de metros pela estrada nacional até chegarmos a um carreiro que se inicia pouco depois da Fonte da Cantina. Pelo caminho, a curiosidade de ver as águas do Ribeiro de Mourô a surgir por entre as rochas caídas na corga, um ribeiro que se esconde da vista.

O caminho vai-nos levar a subir a Costa da Cantina por entre um bosque de cedros, alguns pinheiros, carvalhos e um bosque de azevinhos que antecede a entrada numa área onde a vegetação se vai tornar mais rasteira, permitindo assim alargar os horizontes para o Vale do Rio Gerês. O Pé de Cabril estará agora «de olho em nós» até chegarmos ao Curral da Raiz com os seus magníficos e seculares carvalhos.

Deixando o tranquilo curral para trás, toma-se o carreiro que nos leva até à Chã do Pé de Salgueiro que é dominada pela imponência do cabeço do Pé de Salgueiro com os seus 1.184 metros de altitude. Daqui, a paisagem abre-se para o Vale de Teixeira alergando-se desde a Presa até ao Curral de Teixeira e passando pelo Curral de Cambalhão.

O dia havia-se mantido calmo com as nuvens a passear num céu azul, mas fazendo com que a chuva se mantivesse afastada... até ao momento que se iniciou a descida para o Curral do Cambalhão. Após uma passagem pelo curral, entra-se numa garganta que antecede o Curral do Junco e após atravessar o ribeiro, vai-se tomar a longa subida da Pegada das Ruivas que nos leva até à Chã da Fonte. A subida faz-se pacientemente, vencendo pausadamente os metros que se vão acumulando enquanto que a paisagem se afunda atrás de nós. À medida que vamos subindo, os píncaros que embelezam o vale de Teixeira vão-se tornando mais pequenos e de novo o Pé de Cabril surge na paisagem.

A partir da Chã da Fonte inicia-se a descida que irá terminar na Portela de Leonte, passando pelo marco dos Serviços Florestais na Preza e, ladeando o Outeiro Moço, chegando ao Vidoal. A descida final faz-se pela Chã do Carvalho usando a velha calçada da vezeira.

Ficam algumas fotografias do dia...
































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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