terça-feira, 22 de agosto de 2023

Trilhos seculares - A Volta da Cuba

 


Esta não seria uma jornada fácil pelas serranias do Gerês. Tanto pelo percurso como pelas condições meteorológicas, a caminhada para revisitar a Volta da Cuba será sem dúvida a mais difícil de 2023.

Havia visitado aquela parte do Parque Nacional da Peneda-Gerês em Julho de 2016. Na altura escrevia que "nesta altura, e não descortinando o carreiro que desejava tomar, decidi enveredar por umas velhas mariolas que se iam assomando junto à margem do ribeiro. Esta foi uma decisão que se revelou assaz feliz, pois permitiu-me percorrer um daqueles trilhos que sabemos estar ali, mas que acabamos sempre para deixar para depois.




O carreiro ia percorrendo o vale ao longo do ribeiro ora pela sua margem direita, ora pela sua margem esquerda até chegar ao enigmático e isolado Curral da Volta da Cuba. Este curral fica junto da zona onde o ribeiro faz um 'S' e se transforma no Ribeiro das Negras. O seu forno está alagado e coberto de vegetação, mas os sinais da passagem do gado por ali são evidentes. Em relação ao carreiro, este acaba por ser intuitivo, o que facilita o seu percurso, pois em determinadas zonas é quase imperceptível. No Inverno será impossível percorrer este carreiro."

Quando desta vez comecei a caminhada desde Xertelo (seguindo nos 3 km iniciais pelo traçado do percurso PR9 MTR - Trilho dos Poços Verdes do Sobroso), a ideia que tinha era a de que o carreiro que pretendia percorrer estaria todo na margem direita do Ribeiro do Penedo. Ao princípio, as mariolas que ia vislumbrando pareciam confirmar isso mesmo; se bem que emaranhadas por entre a vegetação que tomou conta das encostas, as mariolas marcavam o que tinha sido o caminho vale acima. Porém, rapidamente a encosta se mostrava difícil de transpor e as mariolas iam passando de uma margem para a outra. Esta é a prova de que a maior parte dos carreiros geresianos, são carreiros de Verão. Isto é, somente utilizados na época das vezeiras, estes caminhos tornam-se intransponíveis e intransitáveis nas épocas mais chuvosas, curiosamente tal como já havia referido neste artigo sobre uma caminhada semelhante.


Deixando o traçado do PR9 MTR, segui por alguns metros pela estrada florestal até enveredar por um carreiro que me levou até à margem esquerda do Ribeiro do Penedo depois de passar o magnífico tor ali existente. Atravessando facilmente para a sua margem direita, iniciei o percurso vale acima. Nesta altura o dia já aquecia, mas uma brisa fresca ia diminuindo a sensação de calor que em breve seria avassaladora.

Nestas caminhadas a solo pela montanha, habituei-me a ter a «companhia» da Equipa de Busca e Resgate em Montanha da Unidade de Emergência Protecção e Socorro da GNR. À saída de Xertelo indiquei o percurso que iria fazer e de tempos a tempos (quando possível) ia dando notícia da minha localização. Esta é, juntamente com a nossa protecção e preparação individual, uma forma de nos protegermos nas nossas actividades de caminhada, facilitando e agilizando uma possível situação de emergência e resgate.


Percorrendo então o vale, o Ribeiro do Penedo transforma-se no pequeno Rio da Volta da Cuba ao chegarmos ao Curral da Volta da Cuba, seguindo então pela margem da já Ribeira das Negras para chegar aos Currais da Matança.

A 'Matança' é um dos topónimos curiosos existentes na Serra do Gerês. A origem deste nome perde-se por entre as noites ao borralho com histórias contadas por entre o tremeluzir das chamas e o uivar do vento. No seu blogue "notasparaomeudiário", Jorge Louro escreve que...

Quando caminhamos pela serra muitas vezes perguntamo-nos a origem dos nomes dos locais. Algumas são fáceis de compreender, outras permanecem um mistério por desvendar até que alguém nos dá uma pista.

Uma conversa fez-me recordar um daqueles achados felizes em que tropecei. Nunca consegui cruzar a informação com outras fontes e nem sei se as haverá. Com alguma sorte ainda haverá quem tenha escutado estas histórias à lareira. Não sei. Decidi partilhar esta informação porque sei como todos coleccionamos estas pequenas curiosidades. Pelo menos todos os que gostam de correr a Serra do Gerês mais pela busca dos seus segredos e menos pelo exercício físico.

Esta pode ser uma explicação para o topónimo Matança, o mesmo que na carta 31 dos anos 50 identifica uma elevação junto a Lamalonga.

"Dizem ter o privilegio das Arraias e que no tempo da sempre feliz e ditosa Aclamação vindo hum corpo de homens da galiza a furtar os gados de Portugal aos pastores e serra do Gerês acudiram os desta freguesia e mais alguns armados e foi ferido o combate que escaparam da morte mui poucos galegos excedendo em grande numero aos portugueses e destes mui poucos perderam a vida, cujo sittio concerva hoje a gloria e memoria de se chamar Matança que hé na ditta e onde chamam o Castinheiro e onde chamam as Lamas de Corrichão" Memórias Paroquiais de 1758 - Outeiro.

É natural que o topónimo anteriormente identificasse um local diferente, mas o combate deverá ter ocorrido algures por ali. O alto do Castanheiro é também identificado e junto aos Cornos de Candela existe um local chamado Currachã.



Curiosamente, em tempos escutei uma outra história que referia que o topónimo teria tido origem num confronto tido entre o Rei Pelayo e o exército mouro em fuga para Sul, e que o combate teria resultado numa matança de sarracenos naquelas paragens... A serra é também feita destas histórias!

Os Currais da Matança foi o local escolhido para um já, mais do que merecido, descanso. Por esta altura, com o Sol a pino, o calor tornara-se num inimigo e cada sombra servia para alívio do corpo. A minha roupa estava já toda empapada em suor e a Ribeira das Negras proporcionava o alívio possível para a pela. Com água bem corrente, a sede ia sendo aliviada com a sua frescura, bem como o corpo, feliz a cada refrescar.



Iniciava então o regresso subindo à Lamalonga, com uma temperatura verdadeiramente infernal. Uma localização mais precisa, mostrava uma temperatura de 38.º com uma sensação térmica de 41.º. De forma geral, o período mais quente do dia ocorre entre as 12:00 e as 16:00. Em dias muito quentes, convém evitar este período completamente, iniciando as caminhadas mais cedo e concluindo no início da tarde. De facto, havia iniciado a caminhada cedo (8h30), mas a ausência de sombras de abrigo, impeliu-me a terminar a jornada. Nesta situação, planeei o percurso sabendo que iria encontrar pelo menos duas fontes e que iria travessar de novo o Ribeiro do Penedo, até chegar ao traçado do Trilho dos Poços Verdes do Sobroso, onde sabia haver água em abundância. Estes seriam marcos de passagem suficientes para encetar o regresso passando pela Sesta de Lamalonga e pela Laje dos Bois.

O regresso, apesar do calor intenso, teria de ser feito de forma tranquila. Em dias de calor, a pressão arterial tem tendência a baixar, o que nos pode conduzir a desfalecimentos que, nestes dias podem ser fatais.



A Lamalonga é daqueles locais na Serra do Gerês que não pode deixar de ser visitado. Perante nós surge uma paisagem imensa que a Norte é coroada com as ruínas acasteladas da Lavaria Nova das Minas dos Carris e os contornos da Nevosa, e a Sul se precipita em corgas profundas que depois «abrem» para a Terra Brava. Se na Primavera nos parece um tapete colorido por entre a escombreira e anos de mineração e no Inverno uma longa planície gelada, no verão é um autêntico forno que em permanências longas nos desafia os sentidos.

Saindo da Lamalonga, iniciei a subida para a crista que me levaria à varanda rochosa à vista da Laje dos Bois. Abastecido de água, a caminhada fez-se de forma tranquila, permitindo também ver o percurso realizado na manhã. Sendo a hidratação fundamental, acabaria por ficar agradado ao ver a primeira fonte ainda com água, no entanto, a Fonte do Lobreiro - mais adiante no caminho e pouco depois do Curral da Laje dos Bois - estava quase seca. Foi na Laje dos Bois onde daria a minha última localização de segurança, sendo uma coincidência tendo em conta os acontecimentos do dia seguinte.

Com o carreiro bem assinalado, a caminhada tornou-se mais fácil e em breve chegava às reconfortantes margens do Ribeiro do Penedo. Daqui, seguia para o PR9 MTR, terminando a caminhada de volta a Xertelo.

Ficam algumas fotografias do dia...






















Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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