quinta-feira, 23 de março de 2023

O urso na Serra do Gerês

 

O dia 23 de Março assinala o Dia Mundial do Urso. Extinto em Portugal, o urso-pardo já foi presença no nosso território.

Nas serranias do Parque Nacional da Peneda-Gerês, são vários os topónimos que atestam a sua presença, tal como refere Fernando Cosme no seu livro "A região do Gerês e a estrada da Jeira", pág. 444, "é animal há muito extinto no Jurês (em 1744 o Padre Martins Pereira, de Pincães, manifestava sobre ele memória muito viva, no entanto já como animal de tempos passados). Deixou abundantes testemunhos na toponímia, não só em derivados do latim URSO ou URSA, mas também no germânico BAIRO e BAIRA, distinguindo macho da fêmea.

Do latim: Carvalha da Ursa, Pitões; Fraga do Ósso, Pitões (Jurês); Pala Dosse, Pincães; Corga do Urso, Ermida do Vilar da Veiga; Costa de Cumadusse, Soajo; Colados Ossos, Vilarinho (Amarela); Coto d'Osso, Gavieira; Mosteiro do Osso, Tibo.

De origem germânica: Penedo da Baira, Pitões; Fontes do Bairo, Outeiro do Bairo, Seixo do Bairo, Covelães."

O livro Urso-pardo em Portugal – Crónica de uma Extinção, de Miguel Brandão Pimenta e Paulo Caetano, conta como foi morto o último urso-pardo português, no Gerês. E como se traçou o destino desse predador icónico, que já existiu por todo o país.

Foi no segundo dia do mês de Dezembro de 1843, com o espírito de Natal já instalado na comunidade serrana e o frio entorpecedor a prometer a chegada de neve e fome, que uma multidão subiu à serra da Mourela, no Gerês, e até ao sítio do Sapateiro. Aí dispersaram e percorreram todo o vale do ribeiro do rio Mau até encontrarem num bosque denso o corpulento urso-pardo que procuravam. Mataram-no e transportaram o seu cadáver para a vila de Montalegre. A notícia da sua morte não ficou por Trás-os-Montes e percorreu todo o país graças à pena de um escriba, que redigiu uma breve nota publicada na Revista Universal Lisbonense a 21 de Dezembro desse mesmo ano.

Embora o seu estado de conservação seja considerado “pouco preocupante” pela União Internacional para a Conservação da Natureza, ter-se-á extinguido em Portugal, enquanto espécie com população reprodutora, por volta do século XVII. E o último urso-pardo em território português não terá sido morto em 1650, como se chegou a pensar, mas sim em 1843, na tal matança no Gerês, depois de ter existido por todo o país. “Julga-se que desceria das Astúrias, porque é fera alheia a estes países [a Portugal]”, lê-se na notícia da Revista Universal Lisbonense. Esse último urso seria, então, muito provavelmente, apenas um de outros animais errantes que há dois séculos ainda nos visitavam. “São animais errantes que vêm da Galiza. Não podemos dizer que havia ursos em Portugal. Mas de vez em quando atravessavam a fronteira”, explicou ao PÚBLICO Paulo Caetano, ex-jornalista e autor de quase duas dezenas de livros de etnografia e natureza.

Fotografia: Paulo Caetano

1 comentário:

Francisco Ascensão disse...

Livro muito bom, é incrível pensar que tinhamos ursos em Beja, na serra de Monchique, Sintra, literalmente por todo o país! Este livro mostra-nos também que as silhas não são exclusivas do norte do país existindo em quase toda a sua extensão