sexta-feira, 17 de março de 2023

Dois lobos mortos em Montalegre e Arcos de Valdevez

 


De novo surgem notícias sobre o abate de lobos na área do, ou próximos do, Parque Nacional da Peneda-Gerês, mas se os casos tivessem ocorrido longe deste território, a acção seria vergonhosa na mesma.

Mais uma vez, a cobardia dos homens - sim, porque quem pratica este tipo de actos, não passa de um cobarde - revela que os animais, sejam quais forem, são sempre o elo mais fraco desta luta que ocorre todos os dias no território do lobo. Os lobos, animais protegidos por lei, continuam a ser mortos porque o Estado não os protege como o deveria fazer. E essa protecção passa (também) pelo ressarcimento dos «danos» que o lobo provoca (provocará).

A escassez de presas naturais, faz com que o lobo vá procurar alimento junto dos animais domésticos, por consequência, afectando os criadores de gado. Estes, obrigados a cumprir exigências burocráticas por parte do Estado, vêm no entanto o tempo a passar no que diz respeito à compensação que o mesmo Estado lhes deverá em consequência dos danos causados pelos «ataques».

Esta situação - à qual se junta a quase eterna ignorância e educação em relação ao lobo - leva a que de tempos a tempos surjam casos como os que foram noticiados a 16 de Março de 2023 (veja-se, por exemplo, aqui, aqui e aqui).

Citando a página O Gerês, "Sem grandes palavras, hoje é só e apenas mais um vergonhoso dia para um país que se diz civilizado e amigo da natureza. Dois lobos ibéricos assassinados em zonas completamente diferentes do norte do país e ambos pela lei da bala... Um destes lobos foi assassinado em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês, a sangue-frio, era uma loba e foi deixado no meio do estradão como mostra de deboche pelas autoridades."

Sim, é difícil mudar mentalidades e principalmente aquelas que insistem em manter-se com traços medievais, vivendo na ideia do 'lobo mau'. Felizmente, existem criadores de gado que aceitam a convivência com este predador no seu território natural, mas que de forma compreensiva não podem suportar os custos da perda dos seus animais (veja-se o artigo "Lobo volta a atacar no Parque Nacional da Peneda-Gerês").

O problema pode não ser tão simples de resolver, mas se o Estado prefere salvar bancos corruptos e financiar megalómanos estádios de futebol em vez de socorrer aquilo que os 'direitolas' e 'fachos' gostam de chamar de "mundo rural" estabelecendo clivagens que não existem, então a sobrevivência da espécie estará muito ameaçada em Portugal. Relembrando que “o lobo-ibérico (Canis lupus signatus) é, desde 1989, uma espécie estritamente protegida, quer por via de legislação europeia (Convenção de Berna e Diretiva Habitats), quer por via de legislação nacional (Lei n.º 90/88, de 27 de abril e Decreto-Lei n.º 54/2016, de 25 de agosto)”.

Assim, fica de novo o texto de "Morreste e eu peço desculpa por nós..." como uma pequena contribuição para que paremos um pouco para pensar... 

"Morreste e eu peço desculpa por nós..."

Morreste sozinho no meio da floresta silenciosa que tanto amavas. Morreste nos trilhos por onde caminhaste quando eras lobito e acompanhavas a tua mãe nos ensinamentos que te seriam úteis para sobreviver num mundo que quase já não é teu. Morreste junto da árvore onde brincaste com os teus irmãos, correndo por entre os esconderijos. Por vezes, olhavas com os teus olhos de mel, para os pássaros que esvoaçavam, para os insectos, para as flores e para as folhas que caiam. Sentias o sabor da água, o cheiro da terra e ao longe sabias que o perigo espreitava.

Morreste naquele dia em que aquela carne ali colocado no chão te parecia a sorte de teres encontrado o que te faria aguentar mais algum tempo. Porém, em pouco tempo sentiste as tuas entranhas a arder, corroídas pelo ódio dos homens maus, pelo ódio da ignorância que ao longo de séculos e séculos foi alimentando a crença de tu eras mau.

Morreste a olhar para as folhas e para os ramos que foram tua companhia e abrigo em muitas noites frias na serra e que foram a camuflagem perfeita contra o homem que um dia te viu ao longe e te decidiu envenenar.

Morreste de olhos abertos e a tua expressão quase parece um sorriso, demasiado humano. Talvez no teu derradeiro momento tenhas visto o espectro da tua mãe, a sorrir, na companhia da qual, descansas finalmente em paz.

Morreste amigo e por ti choro, pedindo desculpa por nós, aqueles que não te conseguimos proteger...

(A fotografia mostra o cadáver de um lobo envenenado na Serra da Cabreira, Portugal, no dia 13 de Novembro de 2016)

Fotografia © Rui França (Todos os direitos reservados)

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