segunda-feira, 11 de abril de 2016

Para um estudo da ocupação humana do Vale do Alto Homem


Este foi um dos estudos que mais prazer me deu levar a cabo, pois revelou alguns dos segredos escondidos nas margens do Rio Homem (este texto foi já publicado anteriormente a 19 de Março de 2015). A presença destas marcas do Homem que foi moldando o vale ao longo dos séculos, mostram que muito ainda haverá ali por descobrir. Este é um dos muitos trabalhos que o Parque Nacional da Peneda-Gerês poderá vir a concretizar no futuro, isto é, uma verdadeira caracterização da presença do Homem por aquelas paragens que é muito anterior aos vestígios que encontramos do século XIX ou do século XX.

Este pequeno trabalho foi concretizado após uma verdadeira exploração do Vale do Alto Homem no que diz respeito à existência de velhos abrigos toscos na margem direita do Rio Homem.

Recuperando parte do texto utilizado na publicação "Uma caminhada às Minas dos Carris em dia agreste", digo que "De todas as vezes que percorri aquele vale, a margem direita do Rio Homem sempre constituiu um mistério para mim. Nos nossos dias, o percurso que fazemos até às minas no topo da montanha percorre sempre a margem esquerda do rio até às alturas das Abrótegas. Em tempos assim não foi. Iniciando na Portela de Leonte, o caminho florestal descia até à Albergaria e depois de passar o chalet dos Serviços Florestais e o Rio do Forno, seguia pelo fundo do Peito de Escada, bordando a encosta até entrar no Vale do Alto Homem, aproximando-se do rio junto da cascata que nos nossos dias faz as delícias veraneantes de milhares de visitantes. Neste ponto o caminho dividia-se em dois percursos distintos, com um deles a atravessar o rio sobre uma frágil ponte de madeira para mais adiante se juntar ao caminho das legiões de César a passar a Portela do Homem. O outro caminho subia pelo vale e acedia aos currais e pastagens de altitude. Porém, a ocupação daquele território não se limitava somente à pastorícia. Nas alturas serranas fazia-se o carvão (Teixo, etc.) e plantava-se também centeio (Abrótegas, Couce, etc.), sendo também local de passagem (quando as neves desapareciam) entre as terras do Barroso e o Minho (para não falar nos «escondidos» carreiros do contrabando).

Assim, em vez de termos uma montanha deserta e parca de uso, aquelas paragens acabavam por fervilhar de vida e em princípios do século XX uma nova actividade veio marcar o dia-à-dia de muitos homens, mulheres e crianças. De parca economia e com uma luta diária pela sobrevivência, a busca daquelas pedras negras e pesadas tornou-se num afazer diário para muitas famílias. Aqui e ali, o volfrâmio aflorava à superfície e esses locais tornavam-se pequenas explorações clandestinas de onde saía o sustento de alguns dias. Não faltam na Serra do Gerês os sinais dessas actividade que por vezes abrangia uma área de maiores dimensões (Lomba de Pau) ou uma área mais pequena (Cabeço da Cova da Porca, hoje conhecido como Torrinheira), para lá das grandes explorações (Salto do Lobo, Lamalonga, Garganta das Negras, Cidadelhe, Borrageiro, Arrocela, etc.)

O Vale do Alto Homem tornava-se assim a porta de acesso aos grandes jazigos volframíticos do Gerês que em meados de Junho de 1941 são descobertos no Salto do Lobo por Domingos da Silva, que regista o seu manifesto mineiro na Câmara Municipal de Montalegre a 24 de Junho desse ano. A luta pelo volfrâmio daquelas paragens vai-se arrastar por cerca de dois anos, prejudicando a sua exploração de forma mais ou menos ordenada.

Em 1943, a Sociedade Mineira dos Castelos adquire as concessões e manifestos mineiros das partes que até então se haviam envolto em intermináveis e inconciliáveis litígios, e inicia a exploração industrial do volfrâmio na Mina do Salto do Lobo (Carris). Ora, com a necessidade de se aumentar a exploração e de construir um couto mineiro em tais remotas paragens, o velho carreiro de montanha deixava de ser útil para a passagem de pessoas e bens para o alto da serra. O caminho teria de ser alargado e melhorado para permitir a passagem de viaturas que deveriam transportar os equipamentos, máquinas e homens para os píncaros serranos.

Lembro que, entrando no Vale do Alto Homem, o carreiro percorria a encosta de declives relativamente suaves até à Água da Pala. Aqui, e contando com um caudal menos volumoso a partir dos idos de Maio, o carreiro atravessava o Rio Homem para a sua margem direita e seguia vale acima até encontrar as profundezas dos declives fechados no sopé do Modorno. Um pouco mais adiante, e após passar a magnífica Água da Laje do Sino, o carreiro saltava de volta para a margem esquerda do Homem, passando o Teixo e enveredando na direcção das Águas Chocas e Abrótegas, chegando a esta chã onde se encontram já grandes currais à vista do geodésico dos Carris.

As explorações iniciais de volfrâmio terão sido à custa da força de braços e de algumas velas de dinamite. Aflorando na Corga do Salto do Lobo logo após as Lamas da Carvoeirinha, o aluvião terá exposto o ouro negro à vista dos homens. Abrigando-se inicialmente em construções toscas de pedra solta, com a chegada da Sociedade Mineira dos Castelos e com a necessidade de se construir um acampamento mineiro de razoáveis dimensões, os primeiros materiais eram transportados a ombro desde a Portela de Leonte. Muitas vezes estes serviços eram pagos a 2$50 por transporte, o que para muitos era razão suficiente para fazerem dois serviços num só dia. De notar que a estrada que hoje conhecemos a partir da Portela de Leonte até à Portela do Homem só começa a ser construída em 1943 e como tal as cargas eram transportadas através de um estreito caminho florestal e depois através de um carreiro de pé-posto, montanha acima. A extenuante viagem fazia com que muitos tivessem de pernoitar e de se abrigar em pleno vale em abrigos que existiam na margem do Rio Homem. Estes abrigos ainda estão lá na margem direita do Rio, sendo testemunhos silenciosas de uma época não muito longínqua da História, mas distante na memória dos homens.

Sendo zona de passagem durante décadas, senão séculos, por aquele vale, a margem direita do Rio Homem entre a Água da Pala e o Modorno, deverá guardar segredos, pequenas peças de um puzzle que constitui a história da ocupação humana daquele território a que hoje chamamos Serra do Gerês e que se estende 'de Bouro a Barroso.'

Como referi anteriormente, o caminho pelo Vale do Alto Homem atravessava o Rio Homem na Água da Pala. A razão para tal é muito simples, pois a orografia do terreno torna-se muito difícil na margem esquerda daquele rio logo após a Água da Pala, enquanto que os declives na margem direita são mais suaves, permitindo então a progressão de homens e animais de forma muito mais fácil.

As construções que existem na Água da Pala são testemunho da utilização daquele local como viveiro florestal dos Serviços Florestais. Se a pequena construção é fácil de contextualizar no tempo, sendo contemporânea da exploração mineira, já a outra construção será de mais difícil contextualização. Infelizmente, desconheço as datas da sua construção. Aspecto curioso na Água da Pala é a existência, mesmo junto do actual caminho, de um abrigo tosco. Uma fotografia possivelmente datada de 1942/1943 atesta a sua existência já naquela altura. Este abrigo foi construído por debaixo de um rochedo (pala) e composto com algumas pedras a fazer um pequeno muro. Localizado junto do ribeiro que por ali passa a caminho do Rio Homem, leva-me a especular que a origem do topónimo (orónimo) 'Água da Pala' possa estar relacionada com este singelo abrigo! Bom, esta é uma mera especulação sem outro apoio a não ser os elementos ali existentes e o topónimo poderá (deverá) ter uma origem distinta.

(...)

É nesta parte do caminho onde observamos os abrigos na outra margem do Rio Homem e não muito longe da Corga do Concelho. O maior destes abrigos permita que dez homens descansassem das jornadas árduas a percorrer aquele imenso vale."

Ora, de facto já conhecia alguns dos abrigos toscos existentes na margem direita do Rio Homem e o meu objectivo era, de certa forma, colocá-los no mapa, georrefenciando-os e registando o seu aspecto. Não há muito tempo, havia «visitado» dois destes abrigos situados na margem do rio junto à Corga do Concelho e «perto» das Curvas do Febra.

Neste dia acabaríamos por encontrar 8 abrigos toscos escondidos por entre a vegetação e o mato que cobre as margens do rio. As imagens seguintes dão-nos a localização dos abrigos encontrados entre a Água da Pala e a Corga do Concelho.







Inicialmente numerei os abrigos à medida que os ia referenciando por GPS, tendo posteriormente atribuído a cada um uma designação que tem por base a sua localização relativa seguida de uma numeração sequencial (quando necessária para diferenciar os abrigos).

Dos abrigos referenciados, dois deles apresentam duas «zonas de abrigo» quer seja por escavação quer seja por pala, isto é tirando partido da formação rochosa à qual se acrescentou uma parede de pedra solta para construir uma zona de abrigo.

Assim, o abrigo Água da Pala 1 é composto por um grande rochedo sobre o qual se encontra uma zona escavada e em algumas zonas guarnecida por pedras, aumentando assim o conforto relativo no seu interior. A entrada do abrigo é guarnecida por um conjunto de pedras formando um pequeno e estreito túnel de passagem. Este abrigo fica junto da antiga passagem do velho caminho pelo Rio Homem antes da chegada à Água da Pela. As imagens seguintes mostram o abrigo em questão...







Tal como o abrigo Água da Pala 1, o abrigo Água da Pala 2 é composto por um rochedo sobre o qual se encontra uma zona escavada e em algumas zonas guarnecida por pedras. Este abrigo é facilmente visitável pois encontra-se na berma do velho caminho mineiro, tal como mostra a seguinte imagem...


Curiosamente, uma fotografia datada de 1942 / 1943 surge no livro 'Minas dos Carris - Histórias Mineiras na Serra do Geres' onde parte do abrigo é visível...


Seguindo a montante e quando nos encontramos de frente para a Corga do Cagarouço, encontramos o Abrigo Cagarouço escondido num carvalhal espontâneo. Tal como os restantes abrigos, este também tira partido de um rochedo, se bem que dimensões mais pequenas, e é guarnecido por dois muros laterais de pedra solta, tal como se vê na imagem seguinte...


Aproximando-nos da Corga do Concelho vamos encontrar três abrigos. O primeiro, Corga do Concelho 1, é composto por uma rocha (pala) de pequenas dimensões guarnecida lateralmente por dois muros de pedra solta. As imagens seguintes mostram este abrigo...



O abrigo Corga do Concelho 2 é maior do que o anterior e é composto por duas zonas guarnecidas...




Por seu lado, o abrigo Corga do Concelho 3 (ou Palão do Concelho) é o maior de todos os abrigos no Vale do Alto Homem, permitindo o descanso de 10 homens deitados por de baixo de um grande rochedo cuja entrada é guarnecida por paredes de pedra consolidada por terra, tal como se vê nas imagens seguintes (a entrada está voltada a Sul, havendo também uma zona abrigada voltada a Oeste protegida lateralmente por muros de pedra solta)... 






Ao regressar da jornada, e lembrando-me de uma suspeita sobre um possível abrigo já depois da Água da Pala (no sentido Oeste, isto é, descendo o vale), encontramos dois outros abrigos que também não deixam de ser interessantes pois situam-se numa zona onde o acesso já não deveria ser tão comum na época onde o carreiro de montanha atravessava o Rio Homem na Água da Pala. Sendo de pequenas dimensões, este dois abrigos têm uma estrutura semelhante aos anteriores, isto é, tiram partido de grandes rochas que formam «palas» e que aumentados por pequenos muros de pedra solta, permitiam o abrigo das noites frias na Serra do Gerês. As imagens seguintes mostram esses abrigos (as três primeiras imagens mostram o abrigo Margem do Homem 1)...





Qual o uso destas construções? As respostas podem ser variadas: entre o abrigo que era utilizado pelo homem que transportava materiais para a Mina do Salto do Lobo, passando pelo abrigo do pastor, do carvoeiro ou do contrabandista, ou mesmo servindo como esperas na grande caçada venatória e expedição científica realizada nos dias 15 a 17 de Setembro de 1908 e na qual o Vale do Homem foi utilizado para o abate de corças e javalis.

Seja qual for a utilização destes abrigos, mostram a presença do homem no Vale do Alto Homem e certamente serão merecedores de um estudo mais aprofundado feito por especialistas...

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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