Caminhar da Portela de Leonte ao Cantarelo, perfila-se como um dos percursos de eleição na Serra do Gerês. As variações possíveis entre estes dois pontos são várias, podendo-se aceder via Vidoal, Lomba de Pau, Conho e Prados da Messe; ou seguindo pela Mata de Albergaria e trepando a Encosta de Sabrosa, seguindo pelos Prados Coveiros; ou ainda seguindo pela Encosta de Maceira, Carris de Maceira, Pé de Medela e Albas, passando para a Lomba de Burro e finalmente Cantarelo.
A visita ao Cantarelo era, nos tempos do Gerês termal, uma jornada de excelência tal como está descrita no n.º 4 - Julho de 1935 (Vol. II) da revista Latina, num artigo escrito por Camacho Pereira (Director da Revista Latina). Descrevendo um longo passeio por alguns pontos característicos da Serra do Gerês, o texto é aqui transcrito mantendo as suas características originais (porém, parece que algumas descrições, nomeadamente referentes à localização do Laspedo, podem não ser precisas).
"(...)
Seguimos êste Prado da Messe que faz parte dos Prados Caveiros, é muito extenso e por êle em fóra vamos encontrando vitelinhos que se espolinham à vontade.
Mais uma subida, por entre os blocos que pizamos sussurra a água escondida, arbustos de ramagens fortes tolhem-nos o caminho.
Passamos junto à Fonte das Alvas, à Abelheirinha ao Cantarelo; num prado encontramos uma espécie de algodão, outros prados eram todos cheios de água e por fim atingimos um limite, o Alto do Peito da Escada é qualquer cousa de grandioso. Devassamos a outra vertente da serra do Gerez e devassámo-la sobranceiros de mais de quinhentos metros quási a pique e faz calafrios lembrar que é por ali que temos de descer.
É o quatro ponto de vista maravilhoso da serra do Gerez e quel dêles o melhor, qual deles o mais variado.
Elevam-se altaneiros, ao nosso nível, os três colossos, Laspêdo, ao nosso lado cortado a prumo sôbre o vale do rio Leonte, os picos da Bargiela entre o vale do Leonte e o do Homem, e o de Eiras na direcção da fronteira. Êstes três colossos têm umas lindíssimas peles, são todos cobertos por um arvoredo frondoso e verdejante, desde o fundo dos talwegues com os carvalhos seculares, até aos azevinheiros dos cabeços; nêste imenso anfiteatro ressoam centenas de cascatas que tombam de todos os lados, algumas como fitas de fogo reflectindo o sol no declínio.
É um assombro de vegetação em contraste com o assombro de esterelidade das Fechinhas, estamos em pleno ámago da região florestal, o vale de Leonte subindo até Leonte; o vale do Homem enorme, longínquo, onde se adivinha a geira romana; a nossos pés sempre arvoredo, avistam-se as casas-matas de Albergaria e da Portela do Homem; muito longe na planície que se abre despida e nua e que é já Espanha divisam-se as aldeolas galegas de Lobios e Imterime.
Mas temos de descer!
(...)"
O texto descreve a chegada ao Cantarelo e a paisagem que a partir daquele ponto se vislumbra.
Nesta recente jornada em dia a marcar o fim dos dias amenos de Verão, enveredamos pelo Vale do Rio Maceira até ao Curral de Maceira e daqui seguimos em direcção à Chã das Tábuas. Depois, passamos pelo Curral de Carris de Maceira e seguimos ao lado do Pé de Medela, um colosso granítico que sustenta o céu nos píncaros do Gerês. O vale que esconde por detrás é assombroso, rasgando a rocha numa profundidade que se esconde por entre o denso verde do carvalhal secular. Aquelas paragens inacessíveis são um verdadeiro hino à conservação e jamais deveriam ser importunadas.
Deixando Pé de Medela para trás, passamos à sombra das Albas em direcção à Lomba de Burro com os Prados da Messe lá no fundo, qual quadro sereno aguardando os dias de Inverno que se aproximam.
Os velhos carreiros que escondidos estão pela urze vão-nos dificultar a chegada àquele ponto alto que nos aguarda. Agora desnecessários, são passagem de solitários montanheiros que ali vão conquistar a paisagem e assumir a sua pequenez perante a grandeza da serra que nos torna minúsculos ao pé dos penhascos e insignificantes na distância que o olhar consegue abarcar. Assoberba-nos a visão do Vale do Homem, imenso, que se vai fechando a caminho do Mordorno ou a paisagem em tons de cinza que fica lá para os lados da Lage do Sino ou dos Carris.
A hora da descida trás-nos sempre a nostalgia dos minutos ali passados que se tornam curtos à medida que as sombras se vão tornando longas com o passar das horas. As nuvens de cinza leve no céu filtravam a luz do dia, transformando-o numa dormência que merecia descanso. Depois de uma paragem na solidão dos Prados Coveiros, a descida fez-se pela longa Costa de Sabrosa iniciada por entre o caos granítico que caracteriza ali a paisagem.
Venham-se os dias da neve e do gelo...
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
1 comentário:
Nice.Até consigo imaginar a grandiosidade de um pequeno prazer na pausa dos Prados Caveiros, como por ex, um cafézino bem quentinho e saboroso...Abraço.
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