Assim, hoje enveredei por uma zona que não conhecia ao tentar procurar o velho trilho que nos leva ao fundo daquele vale imenso. Foi como explorar território desconhecido. Foi como caminhar sentido a emoção da descoberta; a sensação de passar em locais já não utilizados pelos pastores e pelos senhores da serra, agora quase escorraçados de uma secular vivência por um Parque Nacional feito em couto privado.
A saída foi relativamente temperana a partir da Portela de Leonte. Carro estacionado e em segurança, fui encher o meu cantil com a água fresca da fonte por detrás da Casa Abrido da Portela de Leonte. Mais valia não o ter feito, pois aos meus olhos saltou a porcaria e a imundice que se «esconde» por detrás da casa. No fundo aquele cenário é o reflexo do que temos neste país: pessoas porcas e decisores ignorantes. A decomposição das fezes e o voar insistente das moscas assemelha-se muito à forma como as coisas são decididas. Enfim... caminhemos que o dia aquece cedo...
E assim foi... Comecei a caminhar pela por vezes custosa ascensão até ao Vidoal (ou Mourô) com algumas paragens para apreciar a paisagem que se ia baixando com cada passo. O quadro de um pintor desconhecido, clamava ao cores matinais batidas ao Sol que já estava quente. A suar em bica, parei um pouco despindo a camisola e expondo a nudez e pelugem peitoral à brisa fresca que animava as urzes e carquejas numa dança psicadélica quase sem sentido. À minha frente lá estava o farol da serra segundo Ricardo Jorge, o Pé de Cabril domina a paisagem que é percorrida pelo olhar para lá da Amarela e dos píncaros do Soajo até à Peneda, entrando pela Galiza adentro.
Voltar a caminhar. Refrescado por alguns goles de água, voltei a enveredar pelo calcorreado trilho até ao Vidoal. Lá estava a Vezeira de Rio Caldo guardada pelo simpático pastor que voltaria a encontrar mais tarde já na descida. Alguns minutos de conversa depois lá estava no encalço da Freza e após contemplar lá ao fundo o Camalhão e a Teixeira, segui em direcção à Chã da Fonte. Aqui existe uma das nascentes de água mais frescas de toda a Serra do Gerês. Na verdade aquela nascente, na antecâmara do Arco do Borrageiro, é como que ouro em dias quentes de Verão como foi o de hoje. O corpo revitaliza-se e a caminhada torna-se mais animada no meio da minha solidão serrana. Apreciando o Gerês Poente que se estendia aos meus pés, a imensidão daquela pequena montanha é o reflexo dos homens que a moldaram aos longos de séculos e séculos. Ao contrário do que poucos possam querer, o Homem terá sempre o seu lugar naqueles espaço.
Passando a poucos metros da antena do repetidor do Borrageiro, rapidamente colhi o trilho que me levaria à corga em frente à Roca Negra já com a Rocalva em vista. Uma nova passagem pela Rocalva ficará para outros dias, pois o meu objectivo aproximava-se. O pitoresco e abandonado forno no sopé da Roca Negra marca o início da verdadeira aventura. Mirando o desafio da Cova do Azevinheiro, fui seguindo as velhas mariolas. A certo ponto, estas flectem para a esquerda, coisa que me veio criar um pequeno problema. Porém, como estas coisas não me assistem, abandonei o trilho na esperança de encontrar ao fundo do Vale do Rio do Arieiro um vislumbre do caminho que me levaria a Teixeira. Do local onde me encontrava parecia ver por entre os tons cinza dos granitos e os contrastes de cores da montanha, pequenas mariolas junto ao rio. Porém, não via junto de mim uma descida decididamente marcada para lá. E foi assim que aos olhos da lei dos homens, me tornei um criminoso ao violar o pressuposto no plano de ordenamento de que não deveria caminhar fora de trilhos na zona de Tipo I. Assim, meus amigos, se não querem ser conotados com um vilão e um escroque ambiental da pior espécie, ostracisem-me...
A descida foi penosa e árdua sobre o Sol que me esquentava a água do cantil. Lá consegui encontrar grande mariolas dissimuladas entre a vegetação. A meio do vale enveredei então pelo trilho, agora bastante visível. Olhando para trás, elevava-se diante mim como que um Adamastor que dificulta a passagem aos mais destemidos.
O Rio do Arieiro ia-se fazendo ouvir por entre leitos secos e pequenas quedas de água até engrossar num pequeno caudal que iria desaguar no Rio do Camalhão. Ali estava Teixeira! Por debaixo dos frondosos carvalhos deixei a mochila e o chapéu. Quase que despindo a roupa pelo caminho, em pouco segundos estava dentro de água procurando uma trégua com o calor que me massacrava o corpo e a alma.
A paz daquele local foi um elixir para mim. O som do vento por entre a folhagem e ao longe o rio que corria, ganhando a batalha contra o Sol por entre as pedras ressequidas. O abrigo dos pastores recuperado e aumentado, casa de muitas noites em noites de chuva e vento, em noites quentes de Verão, em noites gélidas de Inverno.
A certa altura, lá longe junto da mariola que inicia a descida para o Arado, vislumbrei a silhueta de outros caminhantes. Passando alguns minutos também eles procuravam abrigo do inclemente Sol na fresca sombra batida pela brisa.
Era então chegada a hora de regressar ao ponto de partida. Após estudar as cartas topográficas ficou-me na ideia de não passar no Camalhão e de seguida subir à Freza. Assim, entre a Teixeira e o Camalhão, flecti o meu passo para a esquerda ante a imponência do Junco. Subindo a encosta, encontrei os meus guias silenciosos e em pouco tempo estava no topo de um imenso e íngreme vale. Procurando o caminho por entre a vegetação e guiado por pequenas mariolas, o objectivo era atingir o Curral da Raiz e daqui chegar ao Vidoal (Mourô). Este percurso é bastante interessante e dá-nos perspectivas diferentes das que estamos habituados. De facto, estava a caminhar no topo do lado Nascente do Vale do Gerês. Por esta altura o calor que até ali era intenso, tornou-se terrível e isso reflectiu-se na cadência da caminhada. A sombra dos carvalhos da Raiz e um pequeno riacho foram a «salvação».
Antes de iniciar a descida fiz uma pequena paragem no Vidoal (Mourô) contemplando a pachorrice do gado a pastar calmamente ao som do vento atrevido por entre a folhagem intensa. Na descida acabei por encontrar o pastor que havia conhecido de manhã que ia acompanhado por um casal. Por entre a conversa, fomos chegado a Leonte...
Pontos chave: Portela de Leonte - Vidoal (Mourô) - Freza - Chã da Fonte - Arco do Borrageiro - Borrageiro (antena) - Roca Negra - Vale do Rio Arieiro - Teixeira - Junco - Curral da Raiz.
Extensão: 13,31 km - todo o percurso é feito em Zona de Protecção Parcial do Tipo I, logo não necessita de autorização ao abrigo do Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês (para grupos inferiores a 10 pessoas).
A Caveira
Fotografias © Rui C. Barbosa
2 comentários:
Eu também já segui umas mariolas por eses lados para descer para o vale teixeira. Não tenho a certeza se foram as mesmas, mas foi uma descida complicada. Praticamente descemos pela linha de água e nem sempre muito bem. Tenho issi registado em http://asnotasparaomeudiario.blogspot.com/2006/10/as-mariolas-tambm-enganam.html
A tua opção paar voltar ao Vidoal é muito interessante.
Foi esse mesmo trilho.
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