O povo de Cabril, assim como os outros povos da Serra do Gerês, são comunidades que se fixaram nas ásperas zonas montanhosas e de íngremes serras que acabou por lhe dar um carácter completamente austero e serrano, são pequenos povoados que ficaram encravados e escondidos do mundo e vetados a um isolamento.
Mas foi esse isolamento que fez, e que ainda perdura e continua a viver dentro de nós, algo da nossa identidade, pois o isolamento a que se esteve sujeito dificultou e criou entraves à entrada de outras formas de vida e culturas,nestes pequenos povoados.
Esse isolamento chegou até bem perto dos finais do século XX, exemplo disso é um relato que fez o Doutor Montalvão Machado na altura delegado de saúde de Vila Real, aquando de uma visita à Freguesia de Cabril em meados dos anos 50, em que ele refere :"Cabril é uma localidade de estreitos caminhos e carreiros de muito difícil acesso nos meses de Verão, e que torna esse acesso impossível nos meses de Inverno."
Por estes motivos, as culturas e tradições dos autóctones perduraram e chegaram aos nossos dias, se bem que com muitas demasiadas percas por este sinuoso caminho.
O Cristianismo foi das que mais rápido conseguiu e se acabou por enraizar, se bem que sentiu ele próprio enorme relutância e dificuldade entre estes povos rurais e do campo e nestes locais ermos e isolados, e nos extractos mais baixos da sociedade o paganismo continuou a existir, é certo que de uma forma mais mitigada, pois os pagãos não se tornaram cristãos da noite para o dia, os padres e sacerdotes passaram a cristianizar muitas festas pagãs, dando-lhes um novo sentido, e em seu lugar foram erigidas igrejas e cruzes da nova fé.
E quando a igreja não conseguia dissuadir o povo das antigas práticas religiosas, adaptava transformando-as em práticas cristãs.
Por isso não será de estranhar a devoção e quantidade de festas dedicadas a S. João, ele próprio um santo muito conectado com o paganismo, nascido a 24 de Julho, que coincide seu nascimento com o solstício de Verão, que era a época que as populações agrícolas muito anteriores ao cristianismo, como os povos castrejos, celtas e germânicos comemoravam a fertilidade da terra e dos animais e as boas colheitas.
Em todo o Barroso assim como nas zonas da serra do Gerês, acender fogueiras, dançar em volta do fogo e pular, era também nesse dia que se apanhavam determinadas plantas com qualidades mágicas e terapêuticas, que eram partes importantes dos cultos do solstício de Verão, o costume acabou por ultrapassar os tempos e se manteve mesmo depois de oficializado o cristianismo.
Ora como pagãos ou cristãos, estes povos continuaram a ter enormes crenças e devoção perante as entidades superiores, continuaram a ser devotos, fizeram uma miscigenação de religiões e a cima de tudo adaptaram, e continuarão a fazer arriscadas peregrinações para ir visitar determinados locais, lugares, santos, igrejas, ir a festas religiosas. Exemplo disso é a fonte Santa de Penacriva, que fica na freguesia de Cabril que tinha peregrinos de todo o Barroso e Galiza que vinham em busca da sua água, a qual atribuíam propriedades mágicas e curativas. Nos dias de hoje ainda é procurada, isto não deixa de ser uma forma de paganismo, pois ele é fortemente caracterizado pelos cultos que esses povos prestavam a água e ao fogo.
As grandes travessias que eram feitas pela serra também não deixam de ser admiráveis. A Senhora da saúde do lugar de Xertelo, nos dias de festa também recebia e recebe, se bem que em menor quantidade peregrinos vindos pelo meio das montanhas do lugar de Pitões Das Junias e de várias aldeias da Galiza.
Mas o mais impressionante é a devoção criada em torno da Senhora da Peneda, nos Arcos de Valdevez, considerada uma das maiores romarias do norte e com origens pré-cristãs, envolvendo peregrinos vindos de enormes distâncias pelo meio das montanhas e serras, principalmente das zonas da Peneda-Gerês, e Galegos da serra do Xurés. A festividade assenta num espaço natural de uma enorme beleza em frente de um imponente e magnífico afloramento rochoso de grandes dimensões. Os povos aproveitavam para cantar e dançar até vir o dia, muitas dessas caminhadas aconteciam de noite no meio da escuridão e dos uivos dos lobos, muitos faziam dezenas de quilómetros. Apesar de ter origens pré-cristãs, e várias lendas, uma das lendas reporta-se a uma passagem entre 716 ou 717 em que os cristãos fugidos de uma invasão dos sarracenos, teriam deixado uma imagem entre as fragas da Serra da Peneda.
Os povos de Cabril desde tempos imemoriais que fazem esta longa e sinuosa travessia pelo meio das serras do Gerês, Xurés e Peneda.
Cristãos ou Pagãos? É difícil de dizer, mas é sem dúvida uma fusão entre as duas, pois até as peregrinações a Santiago de Compostela tem uma origem muito anterior ao cristianismo, em que os povos vindos de toda a Europa se dirigiam a finisterra para ver pelo menos uma vez na vida o nascer e o por do sol, pois era considerado o fim do mundo pelos povos Pagãos.
Texto e fotografia de Ulisses Pereira (Todos os direitos reservados)
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