sexta-feira, 24 de abril de 2009

Uma descida às profundezas

Carris, Setembro de 1989

Parados na boca da mina, sentíamos aquele arrepio e um medo natural por algo que desconhecíamos. Ao fundo, talvez lá ao longe, só víamos a negra escuridão da longa ausência da luz... Momentos mais tarde, já nas suas entranhas, a escuridão parecia colada às suas paredes de rocha nua pois para lá dos limites da fraca luz projectada pelas lanternas estava um mundo que os nossos olhos não conseguiam perscrutar...

Permanecíamos na sua entrada. Na altura ainda se falava de um guarda da mina e a sua aparição causava-nos um certo receio... Porém, voltando os olhos para o seu interior vencemos o medo e decidimos entrar... O mês de Setembro, marcando o final de um fantástico Verão, antecipava a chegada do Outono com um dia cinzento e estranhamente chuvoso. Não estava muito frio, mas as nossas ideias mudaram quando pusemos os pés descalços naquela água eternamente gélida. Por momentos a dor provocada pela água fria era quase insuportável, mas a vontade de desbravar o desconhecido foi maior e aos poucos avançávamos no seu interior à luz de lanternas roufenhas e de pilhas quase gastas. A meio caminho o descanso em cima de uma pedra. Tirar os pés descalços da água gélida era como estar junto de um aquecedor. Continuamos a entrada na mina. Lembro-me de sermos quatro pessoas, quatro pessoas com a sublime vontade de explorar, conhecer, abrir as portas daquilo que nos parecia um mundo desconhecido...

Exploramos o que podíamos com uma vontade de lá ficar o tempo que quiséssemos... o muro de pedra que selava a passagem para outras galerias, o muro de cimento que tapava uma grande torrente de água, o bordo do poço da mina, a luz reflectida na água lá no fundo, os cabos do elevador, o quadro do elevador tombado no chão... fazíamos comentários sobre como que teria sido trabalhar ali dentro...

Num momento descobrimos um alçapão de madeira... foi como abrir a porta para outra dimensão, uma que só tinha naquele momento um sentido... para baixo. E foi assim, que dois de nós, descalços, decidiram descer... descer para a escuridão, para o desconhecido da velha mina. Outros dois ficamos em cima... lentamente as vozes dos que desciam iam ficando mais ténues, a fraca luz da lanterna que levavam foi vencida pela trevas das profundezas onde caminhavam. Passaram longos minutos até uma altura em que a preocupação começou a tomar conta de quem havia ficado lá em cima. Porém, surgiu o alívio de vermos ao fundo da mina quando esperávamos já na sua saída, a fraca luz de uma lanterna moribunda.

Contaram-nos histórias de longas galerias, largas câmaras, derrocadas, materiais abandonados... haviam descido vários níveis até verem o cabo do elevador mergulhar para sempre nas águas escuras que inundam os últimos níveis da mina. Sobre os seus pés sentiam a madeira podre a entrar por entre os seus dedos sempre com o receio de que um prego lhes trespassasse a carne fria. Desceram até terem a sensação de que respirar já era algo que lhes custava... Dificilmente encontravam palavras para descrever a escuridão naquele lugar...

Penso que até estes dias terão sido as duas últimas pessoas a descer às galerias do Salto do Lobo... a mina continua lá, mais perigosa do que nunca e talvez à espera de que algo aconteça...

Fotografia: © Rui C. Barbosa

1 comentário:

Tiago disse...

História fantástica!