Recentemente, e perante a possibilidade de o município de Terras de Bouro vir a pavimentar a Estrada da Geira entre o Campo do Gerês e a Albergaria - no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), lá se levantaram as vozes dos eternos revoltados das redes sociais.
Por entre a propagação de informações falsas ("a estrada ia ser alcatroada", "a estrada ia ou já tinha sido alargada", etc.) e muita gritaria histérica, poucos foram aqueles que de facto abordaram o «problema» de forma séria e que quiseram prestar atenção aos problemas reais das populações locais que todos os dias têm de lidar com uma estrada esburacada onde todos os anos se despejam centenas de milhares de euros em gravilha que às primeiras chuvas, escorre para a albufeira de Vilarinho das Furnas... a barragem.
Recentemente, esta via foi sujeira a duas intervenções que melhoraram a sua circulação, nomeadamente junto à Ponte do Sarilhão e na Albergaria junto aos velhos viveiros das trutas. A intervenção era mais do que necessária, pois devido à inclinação do piso e com as constantes chuvas, e por vezes com o atrevido arranque dos veículos todo-terreno, o estado do piso ia-se deteriorando, tornando a circulação difícil. Foi então decidido empedrar esses troços, eliminando os constrangimentos existentes.
O actual plano da Câmara Municipal de Terras de Bouro passa por duas fases: numa primeira fase, o piso será melhorado com a colocação de paralelo entre a Guarda (Campo do Gerês) e a Bouça da Mó; numa segunda fase far-se-á a pavimentação (paralelo) entre a Bouça da Mó e a Albergaria. Estas obras não vão implicar o alargamento da via, em muitos casos, e devido à necessidade de se proceder ao encanamento das águas das chuvas, a via poderá até ficar mais estreita com a criação ou melhoramento da valas de escoamento.
Como será a utilização da via? Esta via é diariamente utilizada pela população local que se desloca para Espanha, assistindo-se também um fluxo no sentido contrário. Assim, não é somente uma via de entretenimento ou de passeios de fim-de-semana, havendo pessoas que dependem no seu dia-à-dia desta estrada. Estas mesmas pessoas, e muitos dos residentes, dependem também de outras vias de acesso às suas casas (N307 entre Terras de Bouro e Covide / Campo do Gerês, e N308-1 entre Rio Caldo e Caldas do Gerês) que estão em estado miserável, mas pelas quais não vi empertigados nem protestos efusivos nas redes sociais.
Para além da chuva, o estado do piso da Estrada da Geira deteriora-se devido à passagem de veículos todo-terreno a «alta velocidade», não respeitando os limites de velocidade impostos naquela via. Não interessa aqui saber se são veículos de empresas de turismo ou se são veículos particulares, o problema está em quem os conduz - isto é, no fundo, trata-se de um problema de civismo, a razão de alguns dos males do PNPG. Caminhar na Estrada da Geira no Verão - que deveria ser um passeio agradável pelo coração do Parque Nacional - é um exercício ingrato, pois a passagem constante de veículos em velocidade (por vezes propositada) levanta nuvens de pó que tudo cobrem, tornando a paisagem num cenário amarelo ou ocre e enchendo os pulmões de por quem lá caminha de um pó fino, transformando-nos em 'croquetes ambulantes'. Em finais de Agosto, reza-se por chuva para limpar as plantas e assentar o pó. Por outro lado, as chuvas de Outono e Inverno transformam a via numa paisagem lunar onde as pequenas crateras se enchem de água lamacenta que é projectada à passagem das viaturas.
A solução é encerrar a Estrada da Geira ao trânsito automóvel? Talvez fosse uma solução não pavimentar e encerrar a estrada, mas só mesmo os mais inocentes e ingénuos podem acreditar que se faria alguma manutenção na mesma depois disso. A degradação da via seria exponencial ao longo do tempo e só iria satisfazer aqueles que acham que as populações residentes deveriam sair da área do Parque Nacional. A esta classe de empertigados só se pode mostrar «o dedo do meio», pois a sua radicalização extremista não compreende que a actual paisagem é fruto de uma simbiose de milhares de anos entre Homem e a Natureza.
Melhorar a via e condicionar o seu acesso? Sim, poderá ser uma solução equilibrada. A melhoria da via é necessária e somente os ignorantes podem insultar as populações residentes por terem este anseio. No entanto, esta melhoria tem obrigatoriamente de trazer consequências na sua utilização: limitação séria da velocidade de circulação impedindo que os «fangios» a usassem como pista de rali; vigilância mais apertada na sua utilização - velocidade, paragem e estacionamento; acesso condicionado favorecendo a utilização pedonal; etc. O condicionamento do trânsito poderia ser estabelecido em determinadas épocas do ano, nomeadamente no Verão. Assim, a Estrada seria encerrada entre as 9h00 e as 19h00 - dando favorecimento ao trânsito pedonal e de bicicleta - com períodos onde os veículos de visitação de turismo poderiam aceder à via (imagine-se, por exemplo, estabelecer um período de acesso da parte da manhã - das 10h00 às 12h00, e da parte da tarde - das 16h00 às 18h00). As populações residentes teriam uma descriminação positiva ao poderem circular na via com a devida autorização, mas estando sujeitas às regras de paragem e estacionamento, tal como acontece agora.
Aquando de uma publicação minha numa rede social, surgiu o seguinte comentário, "o arranjo daquele piso, terceiro mundista, só não será necessário do ponto de vista de quem não é do Campo do Gerês e de quem não necessita de ali transitar na sua vida diária. A proteção da Natureza não pode ser só uma coisa de gabinete e de idealismos urbanos. A Natureza protege-se envolvendo as populações que garantiram que, ao longo dos séculos, este território desenvolvesse as características que hoje o tornam de excelência. Empedrar o caminho e regulamentar a passagem! Finalmente teremos uma vegetação fantástica sem poeira no Verão e lamas no Inverno."
Na sua génese, "ao criar-se o primeiro parque nacional no continente, procura-se possibilitar no meio ambiente da Peneda-Gerês a realização de um planeamento científico a longo prazo, valorizando o homem e os recursos naturais existentes, tendo em vista finalidades educativas, turísticas e científicas. Numa síntese da ética de protecção, trata-se de possibilitar numa vasta região montanhosa, de cerca de 60000 ha - quase na sua totalidade já submetidos ao regime florestal -, a conservação do solo, da água, da flora, da fauna e da paisagem, abrindo-a às vastas possibilidades do turismo, mas mantendo uma rede de reservas ecológicas de alto interesse científico, tanto nacional como internacional." (Diário do Governo, Decreto n.º 187/71, de 8 de Maio).
Nunca, jamais, quando debatemos estes assunto, devemos esquecer que há gente a morar dentro do Parque Nacional e que para estas pessoas o PNPG não é o recreio do fim-de-semana, não é o escape das frustrações de todos os dias, não é o cenário da vaidade no Instagram e nas redes sociais! O PNPG tem gente a viver «cá dentro» e esta gente deve ser respeitada, acima de tudo!
Se a preservação do PNPG é acompanhada pelo equilíbrio entre os interesses das populações residentes e a conservação da Natureza, então o PNPG irá perdurar por muitos anos. Se, pelo contrário, o PNPG for visto apenas como uma «reserva de índios» para o vosso entretenimento e vaidade, então o futuro do PNPG será apenas um verdadeiro parque das vossas diversões e esses defensores não passarão de uns empertigados frustrados das redes sociais.
Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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