sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Trilhos seculares - O Peito de Escada, o Cabeço do Cantarelo e a Costa de Sabrosa

 


Neste dia decidi-me por uma caminhada de alturas e de conquistar alturas. Assim, iniciando na Albergaria junto dos velhos viveiros das trutas dos Serviços Florestais, segui em direcção a Ponte Feia e daqui até às imediações da Ponte de S. Miguel. Antes de atravessar a ponte, tomei um carreiro que me levaria até ao início do Peito de Escada, na margem direita da Ribeira de Monção.

Com o fim de Vilarinho da Furna e da ocupação do território por parte da vezeira desta aldeia, muitos carreiros existentes na Serra do Gerês e na Serra Amarela vão desaparecendo, tomados pela vegetação que ocupa o seu lugar. Por outro lado, a memória dos Homens vai-se perdendo e dissolvendo com a passagem dos anos, e os velhos carreiros vão caindo no esquecimento mesmo daqueles da terra.


Um destes exemplos é a subida do Peito de Escada. «Brevemente» posta a descoberto por um incêndio florestal que há uns anos varreu a encosta sobranceira à Mata de Albergaria vindo dos Prados da Messe, o carreiro permita uma subida mais confortável e menos exigente para os Prados Caveiros por parte dos pastores de Vilarinho da Furna. A presença de toscos muros de sustentação e de troços timidamente lajeados, indicam a importância daquele caminho para a comunidade. Com o desaparecimento de Vilarinho da Furna e o fim da utilização dos Prados Caveiros como local de pernoita dos pastores, a Natureza acabou por tomar conta do caminho.

O velho carreiro pastoril sobe a encosta pela margem direita do Ribeiro de Monção, levando-nos a ganhar altitude num serpentear suave. Do outro lado do vale facilmente se reconhece alguns dos locais por onde passa o carreiro que trepa a Costa de Sabrosa em direcção aos Prados da Messe.


A certo ponto, a paisagem começa a abranger a parte inicial do Vale do Alto Homem, Vale de S. Miguel, Portela do Homem, além da Costa de Varziela, Pena Longa, Mata de Albergaria e o começo da albufeira de Vilarinho das Furnas... a barragem! Por várias vezes conseguimos ver o que resta do trabalho de consolidação do caminho para os pastos de altitude com a presença de muros e lajes no chão.

Terminada a subida mais acentuada, chegamos a Lamas da Escada e a partir daqui o percurso torna-se mais plano até chegar aos Prados Caveiros. Aqui impera o silêncio e a tranquilidade, além dos ecos do passado e da sensação de se estar quase num local sagrado. Nos Prados Caveiros mergulha-se na tranquilidade da montanha! Os Prados Caveiros são daqueles locais na Serra do Gerês onde parece que sentimos uma presença para além de nós, quase como se a Natureza viva nos quisesse falar ou fazer sentir o quão especial aquele local é.


A caminhada não ficaria por ali e perante mim, e com a banda sonora do silêncio da serra por estes dias, eleva-se uma colossal escadaria granítica que há que vencer, ou merecer vencer. Em silêncio, como que para não despertar um titã adormecido cuja cabeça parece ser representada pela proa de uma embarcação petrificada, pela arca bíblica, que ali repousa depois de um cataclismo que foi moldando estas serras. À medida que se vai subindo, a escadaria parece que se vai mostrando, como se de alguma forma fosse ganhando o prémio ou merecendo a condescendência do gigante colossal adormecido. 

E finda a escadaria que vence o titã, chego ao topo e de repente o horizonte expande-se para lá até onde consigo vislumbrar. O Vale do Homem abre-se, imenso, na paisagem rasgado no fundo pelo rio que pelos milénios se afunda no granito, moldando-o. A antiga estrada mineira curva-se e ziguezagueia como uma serpente nas Curvas do Febra e o Modorno marca a entrada para outro mundo. Tudo é grande! Tudo é imenso! Tudo é a Serra do Gerês, que ali vislumbro como o mais belo local da criação do Universo!



O desgastado marco triangulado marca o topo do Cabeço do Cantarelo e faz-me lembrar da rudeza destas montanhas. A Serra do Gerês pode ser pequena em tamanho, mas enorme no seu ser! Quem a pensa como um conjunto de montanhas fáceis, não a conhece, não a respeita!...

Por momentos, que agora me parecem tão curtos, fito o imenso que se abre perante mim. Todo o homem e toda a mulher deveriam, em algum momento das suas vidas, ter a oportunidade de serem agraciados com um momento de contemplação perante tal magnitude. É o Gerês em toda a sua pujança. Se nas paisagens de Fafião, o Gerês flecte os seus músculos, aqui grita o seu esplendor!

As profundas corgas marcam o Vale do Homem, alimentam-no de vida e vigor. Estreitam-se e aprofundam-se na paisagem, quase que impenetráveis. A Encosta do Sol alonga-se até se encontrar com os domínios do Vale do Teixo e para lá, para as terras do Barroso onde o marco geodésico dos Carris assinala a entrada num Mundo Maravilhoso.



Outros horizontes mostram a bela Soajo, difusa ao longe e encimada pelo Alto da Pedrada. O Outeiro Alvo e o Cabeço de Anamão definem os limites da nobre Peneda, e a silenciosa Amarela guarda bem guardados os segredos e a dor de Vilarinho.

Foi então hora de encetar o regresso passando pela Lomba de Cantarelo e descendo para os Prados da Messe, passando junto da ruína da velha casa dos Serviços Florestais. Nos Prados da Messe, os momentos de descanso e repasto por entre um profundo silêncio de Outono num dia frio, mas com um céu esplendoroso de azul.

O regresso ao ponto de partida foi feito descendo a magnífica Costa de Sabrosa passando pela Lameira das Ruivas.

Ficam algumas fotografias do dia...
















Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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