No dia 25 de Maio tive o gosto de participar na 3.ª edição dos Seminários Caminhados, um evento promovido pelo Agrupamento de Baldios da Serra do Gerês, Associação de Compartes de Campo do Gerês e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto douro, com o apoio de entidades locais.
Esta série de seminários caminhados no Parque Nacional da Peneda-Gerês tem como objectivo principal a produção de conhecimento pela experiência das coisas. Ao adoptarmos este título evocamos as múltiplas interdependências e os benefícios simbióticos da coexistência entre humanos e não-humanos em áreas protegidas. No entanto, fazemos igualmente reconhecer que os Parques Nacionais são territórios de múltiplas vidas em concrescências nem sempre simbióticas ou facilitadas.
A edição n.º 3 teve como tema geral "De Quem é a Natureza? Bem Comum, Cidadania e Futuro," decorrendo a 24 e 25 de Maio, tendo a participação de várias dezenas de pessoas.
Segundo a apresentação desta edição, "recentemente esteve em discussão pública o Programa Especial do Parque Nacional da Peneda-Gerês (PEPNPG) – Regulamento de Gestão da Área Protegida (RGAP). Num território cuja apropriação e regime de propriedade é definido maioritariamente pelo baldio e o privado-particular, com o estado a deter parte residual, temas como os da propriedade e dos usos e usufrutos emergem, porque surgem normas, regulamentos e directrizes que os proprietários (a título individual ou colectivo), entendem que os desconsideram como agentes da natureza, e do Parque, em particular. De quem é, afinal, a natureza? Em que estado se encontra a natureza? Quem dela e nela pode por e dispor? Quem sobre ela(s) (pensando nos seus múltiplos constituintes humanos e não-humanos, bióticos e abióticos) pode falar? De quem (no sentido da propriedade e do que representam) são as áreas protegidas? E o Parque Nacional da Peneda-Gerês? Deve o adequado uso dos recursos, e da natureza, ser independente do regime de propriedade?" Mais informação sobre esta edição aqui.
No dia 25 de Maio, e ao longo de uma caminhada de cerca de 6 km que nos levou de Xertelo a Lapela, passando pelo Curral da Chã da Mina e pelas paisagens envolventes, assistimos a quatro painéis apresentados por Joana Nogueira, Carlos Nuno, André Barata e José Carlos Pires. Em Lapela procedeu-se à inauguração de um monumento e espaço em homenagem ao pastor serranos com uma escultura de Celestino André.
Abordando as teses de Elinor Ostrom (que sustentam um modelo de governança policêntrica e multinível), Joana Nogueira pretendeu demonstrar que, para se alcançar de forma justa e eficiente a conservação da biodiversidade e dos ecossistemas e para promover um uso sustentável dos recursos naturais, o Estado deve reconhecer às comunidades locais um papel importante. Adicionalmente, deve assegurar a participação efetiva dos cidadãos e das comunidades nos processos de decisão.
Por seu lado, Carlos Nuno referiu que quando os camponeses de Souto da Casa gritavam em coro “É nosso!”, à pergunta que eles próprios faziam “De quem é o Carvalhal?”, queriam vincar que o carvalhal não era de ninguém, que o que era de todos não podia ser apropriado por alguém, mas continuar disponível para quem precisasse. Modo de “não propriedade” que a modernidade, e a sua forma estatal por excelência, depressa mostrou não estar na disposição de tolerar.

A sinopse da apresentação do filósofo André Barata, referia que a existência humana tem sido pensada à parte e a pôr à parte todas as partes, cada coisa encapsulada na sua objectividade, cada indivíduo encerrado na sua individualidade. E assim rodeamo-nos de impermeabilidades que nos isolam das coisas e isolam as coisas umas das outras, numa espécie de solidão ontológica feita de polímeros. Mas esta é uma construção de ideias que deve ser criticada. As coisas não são simplesmente objectos, as pessoas não são simplesmente sujeitos individuais, a realidade é porosa, as suas partes são permeáveis, logo à partida relação e, por isso, inseparáveis. Tornar a fazer parte, devolver as coisas à sua vibração com as outras coisas, é o caminho de uma mudança de paradigma que urge. O que nos propomos é praticar a escuta que nos convida a fazer esse caminho, caminhando.

Finalmente, o painel apresentado por José Carlos Pires encerrou esta edição dos Seminários Caminhados, tendo a sua apresentação o título "Por um Bem Comum – Comunitário e Universal" e abordando a proposta e consequências do novo Regulamento Geral do Parque Nacional da Peneda-Gerês. O procedimento de discussão pública do regulamento de gestão do Parque Nacional, ocorrido no início do Outono passado, com vista à recondução do plano de ordenamento a programa especial, veio, mais uma vez, suscitar questões de fundo relativamente a esta área protegida, cujo território assenta essencialmente em terrenos comunitários, possuídos e geridos ancestralmente pelas comunidades locais.

As comunidades locais mantiveram esta configuração de propriedade, consagrada constitucionalmente como um meio de produção cooperativo e social, na forma e modelo de governação ajustadas às suas actividades tradicionais, particularmente ao pastoreio e à floresta. Simultaneamente, habituou-se a sociedade a desfrutar destes elementos e espaços naturais, de paisagens magníficas, ar puro e águas cristalinas, num aparente novo tipo de Comparte, dentro de uma ideia de bem universal.
Em várias circunstâncias se nota a tendência do olhar romantizado sobre os baldios e consequentemente sobre as comunidades locais, os seus usos e costumes, situando-os numa espécie de legado que aparenta merecer apoio e valorização. Porém, paradoxalmente e na prática, as políticas e as medidas adoptadas pela Administração ameaçam acelerar o processo de desmembramento do comunitarismo, bem como dos baldios, ora pelo desvio intencional no apoio às actividades tradicionais, como da intenção utópica de regulamentar o uso da propriedade quase exclusivamente para autoconsumo.
Procuraremos suscitar a discussão em torno dos modelos de governança dos bens comuns. Se para os recursos comunitários existem teorias e práticas que ajudam as comunidades locais na sua gestão e desenvolvimento, já para aquelas situações em que esses mesmos recursos são considerados bens universais os modelos tendem a soluções top-down e a criar conflitualidade.
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)