A quarta de cinco partes de um estudo do Paulo Costa que pretende esclarecer-nos um pouco acerca de um interessante tema que envolve a Serra de Soajo e a Serra da Peneda.
Tal como referi anteriormente, nos últimos anos, tem surgido um «debate» interessante sobre estes limites, mas que rapidamente se torna numa troca de argumentos muito pouco esclarecedora quando entramos no palco do insulto e da exaltação. Para lá das caixas de eco sem sentido crítico, tenta-se compreender o porquê destas aspirações do povo soajeiro.
O trabalho que tem vindo a ser aqui apresentado, faz parte de um estudo do Paulo Costa que esclarecer um pouco acerca desta temática, ajudando a compreender um pouco mais a dinâmica do território a Norte do Rio Lima.
De novo, quem nestas palavras escritas vir algo mais do que isso, não vai compreender o objectivo destas linhas e não será merecedor de consideração num debate que posteriormente possa surgir noutros espaços no éter.
Serra do Soajo ou Serra da Peneda? (Parte 1)
Serra do Soajo ou Serra da Peneda? (Parte2)
Serra do Soajo ou Serra da Peneda? (Parte 3)
Fica a quata parte do texto do Paulo Costa...
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61 - 1862 - Johnson's Spain and Portugal: Nele surgem as representações da “Serra da Estrica” e do “M. Gaviarra” (aparentemente figurado com 1881 mts.). A Norte, na zona de Castro Laboreiro, é representada a já mencionada “Serra de Penagache”, ocupando, sensivelmente, metade do seu espaço na área de Castro Laboreiro e a restante em território galego.
62 - 1868 – Jean Baptiste Louis Charles e Girard: Nele apenas surge a representação da “Sierra de Penagache”, ocupando cerca de metade do Alto Minho e adentrando-se em território Galego. Está lá também a Estrica, mas não se percebe bem se na qualidade de serra ou do já mencionado forte.
63 - 1873 – Augusto Luís Nunes de Carvalho e outro, «Carta de Portugal e suas colónias»: Representa a “Serra da Peneda”, a “Serra do Gerez” e a “Serra de Laroco” (Larouco). Surge a localidade de Soajo no local correcto.
64 - 1884 (ou 1865?) – Carta Geográphica de Portugal (Relativa ao levantamento efetuado entre 1860 a 1865 e que frutificou no já mencionado mapa de 1860), é de vários autores, entre os quais aqui destaco Filipe de Sousa Folque e Gerardo Augusto Pery. Este mapa teve a novidade de apresentar o relevo sob a forma de curvas de nível. Além disso é muito minucioso a nível de referenciação de localidades. Não aparecem os nomes de serras ou de montanhas. Surgem as referências às localidades de “Nossa Senhora da Peneda”, bem como de “Soajo”. Na área em questão via-se assinalado o cume “Peneda” (e não a serra) no local correspondente ao referido “Alto do Pedrinho”, mas também já anteriormente figurado com esse nome.
A propósito deste mapa lê-se: «Este mapa foi realizado na escala 1:500.000, e constitui um documento incontornável da história da cartografia temática portuguesa, fornecendo a primeira imagem contemporânea da totalidade de Portugal Continental, “que podemos considerar relativamente exacta”, e foi a base cartográfica, necessária e essencial, ao desenvolvimento da cartografia temática portuguesa debruçada sobre Portugal Continental» – citação do Professor Mário Gonçalves Fernandes, Presidente do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
O referido Gerardo Pery terá assumido um trabalho de campo de relevo no âmbito desta obra e, nomeadamente, realizado a recolha dos nomes dos vários cumes da área em questão e, nessa conformidade, terá também apelidado (ou de algum modo confirmado) como “Peneda” o “Alto do Pedrinho”.
Por sua vez, aprende-se na Wikipédia, que «Gerardo Augusto Pery introduziu o conceito de «sistema montanhoso» na geografia portuguesa, quando em 1875 procedeu ao agrupamento das serras em «sistemas». A sua influente obra “Geographia e Estatística Geral de Portugal e Colónias” foi muito seguida como fonte por múltiplos autores de manuais escolares de geografia, contribuindo para a popularização do conceito de «sistema montanhoso».
Daí a inequívoca importância deste autor no contexto da Geografia portuguesa no que diz respeito à nomenclatura dos acidentes montanhosos.
Assim, ele trabalhou no primeiro levantamento geodésico do território português, dirigindo a instalação da primeira rede de marcos geodésicos. Foi co-autor da muito referenciada «Carta Geográfica de Portugal», editada em 1865, que acabou por determinar a uniformização da toponímia de muitos acidentes geográficos, com destaque para as serras e montes.
65 - 1885 – Mapa produzido pela Direção Geral dos Correios, Telégrafos e Faróis: Representa alguns cumes (mas não serras ou montanhas), como seja a “Peneda”, bem como outros mais, p.ex. “Larouco”, “Cabreira”, “Oural”, “Santa Luzia”. Curiosamente omite o Gerês. A localidade de Soajo está lá (a da Peneda não).
66 - 1888 – Triangulação fundamental e nivelamento de precisão de Portugal, de Lacerda de Carvalho. Como não poderia deixar de ser, na sequência dos trabalhos realizados anteriormente (ver mapa de 1854), um dos marcos de referência à triangulação geodésica vem a ser o cume da “Peneda”, tal como, por exemplo, o do “Larouco”, “Cabreira” e “Sameiro” (Braga).
67 - 1888 - Vuillemin, Alexandre Aimé – Nele assinala-se o cume da Peneda. Figura-se também a localidade de “Soajo” e a “Serra do Gerês” também lá está representada, bem como o “Pico do Larouco” (1548 mts).
68 - 1888-1890 - Botella y de Hornos, Federico de Botella – Este mapa dito hipsométrico, representa o cume “Peneda” (1374 mts), correspondente, como será pacífico, ao “Alto do Pedrinho”. Surgem outros cumes a norte do Lima, mas sem que surja um nome a referenciá-los. Figurados estão também o cume do “Larouco”, com 1531 mts (pelo que se percebe) e o do “Gerês” (com 1396 mts).
69 - 1890 - Paul Choffat – «Carta Geológica de Portugal»: Este é um mapa importante na medida em que, na tese mais corrente entre os Soajeiros, representa um importante voltar de página no sentido de roubar protagonismo a Soajo, retirando qualquer referenciação à “Serra do Soajo” e procurando, erroneamente (pelo menos nessa perspetiva Soajeira), dar relevo à Serra da Peneda, que aqui surge representada ocupando toda a zona que se encontra no nordeste do Alto Minho.
A “Serra do Gerês” surge ali representada com 1561 mts, ou seja, já bem mais próxima do que será a sua altitude real (1548 mts). Existe também uma edição de 1899, realizada em colaboração com Joaquim Filipe Nery Delgado.
70 - 1893 – «Choreographia de Portugal Illustrada», de Manuel António Ferreira Deusdado: É uma obra interessante, contendo vários aspectos respeitantes à geografia portuguesa. A fls. 18-19 deste trabalho surge um mapa orográfico, com curvas de nível, onde, no que ao caso interessa, surge a “Serra de Gavieira” e no seu interior figurou-se o “Monte Peneda”.
A norte do Rio Lima surgem, ainda, a “Serra da Bolhosa”, “Santa Luzia” e a “Serra de Arga”. A sul e mais ou menos próximo do mesmo rio, são figuradas as Serras da “Falperra”, “Cabreira”, “Gerês”, “Amarela” e de “Crasto”(?!), bem como o “Monte Larouco”, este com 1580 mts(!), bem como o “Monte Oural” (este situado no limite Norte do concelho de Vila Verde).
Por sua vez, na página 18 desta obra refere-se a existência, na zona do Minho, de três únicas serras, sendo elas a da “Peneda”, a do “Gerês” e a da “Cabreira”.
Na sua página 20, a propósito dos sistemas hidrográficos, quando aborda a Bacia do Lima e seus afluentes, menciona: ”O Vez é o mais notável. Desce da Serra da Peneda, passa em Arcos de Val de Vez e termina defronte da Ponte da Barca”. Ou seja, aqui menciona-se a “Serra da Peneda”, mas, contraditoriamente, no mapa ficara referida a “Serra da Gavieira” (com o seu Monte da Peneda). Incongruências!
71 - 1897 – «Atlas Escolar Portuguez», de Ricardo Luddeck: No mapa que representa a zona norte/centro, surge um cume com o nome “Peneda”. Aparece a respectiva altitude (que não consigo ler) e assinala-se a sul uma outra proeminência, com uma outra altitude (que tb não descortino), mas que equivale, sem dúvida, ao “Alto da Pedrada”.
Surgem nele outros cumes e, figuram algumas localidades de menor dimensão, nomeadamente, na zona em causa, “Tibo” e “Gavieira”, omitindo-se, estranhamente, a localidade de “Soajo”. Também lá estão, p. ex., a “Serra do Gerês”, a do “Larouco” e a da “Cabreira”.
72 - 1900 – «Portugal Político» (de autor não identificado): Este mapa apenas referencia a existência da “Serra da Peneda”. Gerês também lá surge, tal como a “Serra do Barroso” (também conhecida por “Serra das Alturas”), sendo esta a primeira vez que me deparei com a sua menção. Fio também representada a “Serra do Larouco”.
73 - 1900 – «Spain and Portugal» - obra da The London Geographical Institute e que será da autoria, se bem percebi, de George Philip & Son: Representa, de forma surpreendente para a época, o “Monte Gavieira”. Não estão lá representadas nem a “Serra do Soajo”, nem a “Serra da Peneda”. A Norte apenas se sinaliza a norte a “Serra do Gerês” e a “Serra da Cabreira”.
74 - 1900 – Ernesto de Vasconcelos: No mapa deste autor surge a “Serra da Peneda”. Muito embora exorbite da análise aqui em causa, gosto sempre de referir a existência de outras particularidades e, neste caso, o assinalar-se nele a “Serra do Gerês”, bem como da “Serra do Larouco” e a da “Falperra”.
75 - 19-- - «Novo mapa de Portugal …», que teve por editor e depositário Jose Cierco e foi gravado por J. Forest (Engº. Geógrafo): Este mapa vem, de algum modo, ao encontro da – digamos - modernidade, pois representa, conjuntamente, as serras da “Peneda” e a do “Suajo”, e nos seus devidos lugares. Também lá estão a “Serra do Gerez”, a do “Larouco” e a do “Barrozo”.
76 - 1901 – «Carta Chorographica de Portugal», de José A. F. de Madureira Beça; grav. Martins, Alves e Egreja: Muito semelhante ao mapa anterior, assinala as serras da “Peneda” e a do “Suajo”, bem como aquelas outras vindas de assinalar.
77 - 1902 – Elaborada pelo “Intituto Weimar”: Neste mapa a norte do rio Lima apenas surge a “S. d Suazo”. Por sua vez, na zona norte do país apenas surgem referenciadas, para além da do Soajo, as “Serra da Cabreira” e a do “Larouco”.
78 - 1903 – F. Noriega: No mapa deste autor apenas surge representada e em contracorrente, a norte do Rio Lima, a “Serra de Laboreiro”, a qual coincide com a zona de fronteira com a Galiza. Também está ali figurada uma altitude de 1341 mts, imediatamente a sul da localidade de Gavieira, pelo que, pela lógica, dirá respeito ao “Alto da Pedrada”. No entanto, aquela altitude está mais próxima daquela que surge normalmente (também nos mapas precedentes) relacionada com o “Alto do Pedrinho/Peneda”.
A sul do Rio Lima surge representada a “Serra de Jures”, bem como uma enigmática “Serra de Pena”, situada na zona correspondente, mais coisa menos coisa, a “Pitões das Júnias”.
A “Serra de Larouco” surge ali imediatamente a nascente desta última serra.
Ainda mais estranho é que a sul/sudoeste da “Serra de Jures”, é representada uma “Serra do Gerez”. Por último, a “Serra da Cabreira” é representada a Sul desta “Serra do Gerez”.
79 - 1906 - Carta hypsometrica de Portugal (sem autor identificado): Este mapa apresenta-se com um aspecto “moderno” e nele foi dada especial atenção ao relevo, tal como, aliás, o próprio nome do mapa indica. No que ao caso mais interessa, nele surge indicada a “Serra da Peneda” e na zona correspondente àquela em discussão. Assinala-se o cume do “Alto do Pedrinho/Peneda” com 1373 mts. No entanto, também referencia um outro cume no local onde sabemos estar o “Alto da Pedrada”, com 1415 mts, sem que, no entanto, surja qualquer nomenclatura relativa a esse sítio.
Também ali estão a “serra do Gerez” (com 1561 mts.) e a “Serra do Larouco” (com 1545 mts.) A zona correspondente à “Serra da Cabreira” e ao “Barroso” surge toda ela com o nome de “Serra das Alturas”, que corresponde, como já referi, a um outro nome pelo qual esta última é também hoje conhecida. Importante também é assinalar a representação da “Serra Amarela” (com 1361 mts).
80 - 1907 - “Carta de Portugal com a rede ferroviária: principais termas e partes interessantes a visitar”, de Tavares Pereira: Apenas representa, no que ao caso interessa, a “Serra da Peneda”.
81 - 1909 – “Mappa de Portugal” – do jornal “O Século”: Representa, também ele, apenas a “Serra da Peneda”. Embora se percebam mal as ilustrações, também figuram lá as serras que tenho vindo a assinalar por último (Gerês, Larouco e Barroso).
82 - 1911 - «Carta de Portugal, aprovada para uso das escolas - Direcção dos Trabalhos Geodésicos e topográficos»: Tal como o nome indica, este mapa revela interesse na medida em que terá sido utilizado para o ensino oficial. Assim, aparentemente e em termos oficiais, neste mapa consagra-se a “Serra da Peneda” como sendo a única existente a norte do rio Lima. São também representadas a “Serra do Gerez”, a “Serra do Barroso” e a “Serra do Larouco”.
83 - 1913 e 1919 - «Carta de Portugal, com a divisão administrativa, áreas e população por concelhos e rede de estradas até 1912» (3ª edição): Também da autoria da Direcção Geral dos Trabalhos Geodésicos e Topográficos (Lisboa). Mais uma vez este mapa, de cariz oficial, representa na área em questão – apenas – a “Serra da Peneda”. Também ali sinaliza o que será o “Pico da Peneda/Alto do Pedrinho”, com 1373 mts. No entanto, como é usual, está também figurado um local com 1415 mts no sítio que corresponderá ao “Alto da Pedrada”. “Serra do Gerez” também lá está (1561 mts).
O nome “Cabreira”, com um marco geodésico de 1264 mts, surge integrado na “Serra das Alturas”.
84 - 1923 - «Atlas Universal de Geografia», de Louis Vivien de Saint Martin: Representa, a norte do rio Lima, a “Serra do Soajo” e a (“regressada”) “Serra de Penagache”. Concluo, desde já, que as diversas “escolas”, como sejam a portuguesa, a espanhola, inglesa, francesa e italiana que, para o caso, serão as principais, faziam cada uma delas uma espécie de copy past do trabalho dos seus antecessores da respectiva “escola”.
Na zona da “Serra do Soajo” foi figurada, inclusivamente, a menção a um sítio com o nome “Pedrada”. Curiosamente, também ali se assinala um local com o nome “Louriça” (que vem a ser o ponto mais alto da “Serra Amarela”). Também lá surgem a serras do “Gerês”, do “Larouco”, bem como as “Alturas” e a “Cabreira” (estas duas últimas quase se sobrepõem).
85 - 1926 – «Carta Itinerária de Portugal», da autoria de Egreja, Manuel Maria: Apenas está nela figurado um sítio com o nome “Peneda”, correspondendo, sem margem para dúvidas, àquele que - me permito dizer aqui - será, ou deveria ser, o “Alto do Pedrinho”.
Apesar de se tratar de uma “carta itinerária”, nela detectam-se, facilmente, diversos erros, ficando aqui o exemplo de que é representada uma estrada que vai praticamente “a direito” entre as localidades da “Peneda” e a de “Entrimo” (o que é impossível), com a orientação leste-oeste.
A subsequente carta Itinerária de 1937 faz descrições semelhantes a esta.
86 - 1929 – Mapa de Joseph Forest: Representa, por uma nova ocasião, algum tipo de demonstração da que poderá ser, na actualidade, a visão mais consensual em termos semi-oficiais, representando, simultaneamente, a “Serra do Soajo” e a “Serra da Peneda”. Essa situação, como acima se mencionou, começou a verificar-se, sensivelmente, a partir do ano de 1900.
A “Serra do Gerez” é ali representada de forma a abranger a que será a “Serra Amarela”. À metade oriental da Serra do Gerês chama o autor a “Raya Seca”, a qual surge delimitada a Leste pela “Serra do Larouco” e a Sul pela ”Serra de Barrozo”. Também é representada a “Serra da Cabreira”.
87 – 1930 (edição) – Ernesto de Vasconcelos (já mencionado no mapa 75): Tal como na edição de 1900, Indica-se nele apenas a “Serra da Peneda” no que respeita à zona em questão, com a altitude de 1373 mts (pretendendo referir-se, atenta a altitude mencionada, ao Alto do Pedrinho/Pico da Peneda).
Infelizmente, a partir, sensivelmente, dos anos 20 do século XX, os mapas que consultei no site da Biblioteca Nacional Digital não estão, na sua grande maioria, disponíveis, presumindo-se que ainda estarão por digitalizar.
De qualquer forma, o mais importante seria realizar uma incursão pelos mapas mais antigos, que ficou feita, e não tanto uma análise dos mapas mais actuais.
No entanto, tal como acabei de referir, nos tempos atuais, o normal e quase consensual, é o de nomear e representar as duas serras, a do “Soajo” e a da “Peneda”.
No entanto, continuam a existir excepções, como acontece, por exemplo, com alguma cartografia militar, privilegiando-se, nesse caso, a menção à “Serra da Peneda” em detrimento da “Serra do Soajo”.
I - ASPECTOS HISTÓRICOS
A) Breve resumo da história da localidade de Soajo.
I - Para aprofundar um pouco mais o tema, convirá fazer aqui uma breve resenha histórica relativa à vila de Soajo. Em primeiro lugar, cabe destacar que a vila do Soajo foi sede de concelho entre os anos de 1514 e 1852, englobando as freguesias de Ermelo, Gavieira e Soajo.
II - Por sua vez, tendo por referência o conjunto geográfico aqui em sob estudo, seria esta, muito provavelmente, durante um significativo período dessa época, sobretudo a sua primeira metade, a sede de concelho com um maior peso, nomeadamente a nível político.
Na verdade, quer Arcos de Valdevez (a poente), quer Melgaço (a norte), encontram-se distantes – também em termos de altitude – da parte central do conjunto serrano aqui sob apreciação. Relativamente à Ponte da Barca, o respectivo concelho “mandaria” a sul do Rio Lima e não a norte deste. Por sua vez, o Nascente não merece discussão uma vez que confronta com território galego. Relativamente a Castro Laboreiro, que terá sido fundado em 955, inda que fosse um concelho bem mais antigo do que o de Soajo (1271 a 1885), este era constituído por uma única freguesia e, apesar da sua importância estratégica em termos militares, encontrava-se muito distante dos centros de poder e decisão.
III - Já em relação à localidade do Soajo, esta foi por muito tempo uma terra muito acarinhada pela monarquia, assinalando-se a atenção de que foi alvo por parte do Rei D. Diniz.
Aproveitando os ensinamentos oriundos de várias fontes, como seja a página oficial da Freguesia de Soajo, aprende-se, nomeadamente, que o povoamento da região de Soajo perde-se no tempo.
Também se lê nessa página que o Santuário Rupestre do Gião, na fronteira sudoeste da Serra do Soajo, com as suas inúmeras Antas e Mamoas, constituem alguns dos seus inúmeros marcos documentais.
Já o primeiro documento escrito que ao Soajo se refere é do ano de 950 e menciona a partilha de bens do legado de Hermenegildo, efectuada entre a Condessa Mumadona Dias e os seus descendentes, na qual ficou referenciada a localidade de Soajo como fazendo parte dos bens a partilhar (ali mencionado como “Suagio”).
Posteriormente, nos anos de 959 e 1059, surge uma vez mais, a referência a Soajo, quer no testamento feito por esta Condessa ao mosteiro que fundou em Guimarães, quer depois no inventário dos imóveis desse mesmo mosteiro.
IV – Utilizando, uma vez mais, os bons ensinamentos da Professora Elza Ramalho, na sua obra «Lima Internacional: Paisagens e espaços de Fronteira», lemos a págs. 99: “O Soajo na Idade Média e na sequência de usos e costumes vindos de gerações anteriores superintendia maioritariamente toda a serra, entendida como as atuais do Soajo e da Peneda, o que conferia aos habitantes privilégios reais, como os direitos de montaria, que implicavam aos monteiros, isto é, aos guardas-fiscais da serra, a gestão dos espaços de culturas, pastagens e caça. Em virtude destes privilégios reais, que os soajeiros, sempre, tanto prezaram, poder-se-á entender que o atual lugar da freguesia da Gavieira, a Peneda, possa corresponder a um antigo sítio, muito provavelmente uma antiga área de pastagens, pertença dos moradores do Soajo, idêntica àquelas que, atualmente, ainda, podemos observar, e que foram frequentadas, até meados do séc. XX, na época estival, pelos pastores e respetivos gados e rebanhos da rês.”
V – Por sua vez, no livro, «Inventário Colectivo dos Arquivos Paroquiais vol. II Norte Arquivos Nacionais/Torre do Tombo» pode ler-se na íntegra: «Datam de 950, “Suagio et Monimenta”, de 959 e 1059, “villa Soagio”, surgiam as primeiras referências à localidade de São Martinho do Soajo.
A existência da municipalidade de Soajo é também mencionada nas Inquirições Gerais de 1258, ordenadas pelo rei D. Afonso III.
Por sua vez, o chamado “Rol dos Besteiros do Couto”, datado do reinado deste rei D. Afonso III, ou até de D. Dinis, faz referência ao Julgado de Soajo. Ainda em 1283, na Chancelaria de D. Dinis (1279-1325) encontra-se o documento respeitante à solução de um pleito ocorrido no Município de Soajo, que está arquivado na Torre do Tombo.
Há também referência a uma intervenção do rei D. Dinis, que em 1282 tomou partido numa querela entre o denominado Pretor de Castro Laboreiro e os Monteiros de Soajo, tomando partido em favor destes últimos.
Também ali aprendemos que os soajeiros tinham como obrigação militar defender, em caso de Guerra, a Portela do Galo (situada entre a localidade de Soajo e a Várzea), por causa da passagem da fronteira no local de Porto-à-Várzea
Em 1320, na lista das igrejas situadas no território de Entre Lima e Minho, do bispado do Tui, que o rei D. Dinis mandou organizar para determinação da taxa a pagar, verifica-se que a localidade de São Martinho de Soajo foi taxada em 200 libras.
Posteriormente, em 1388, no início do reinado de D. João I (1383-1433), o abade da Freguesia de Ermelo, então pertencente ao Município de Soajo, dirige-se ao rei afirmando: «O Mosteiro de Ermelo foi mandado construir por D. Teresa, no Julgado de Soajo».
Já em 1401, o mesmo rei D. João I interditou os nobres, em obediência do que vinha do passado, de viverem na terra e no Julgado de Soajo, decisão tomada a pedido dos vereadores da Câmara Municipal de Soajo. Na verdade, já no princípio do século XIV, tal como se voltará a ler infra quando aludirmos à obra do Professor Baeta Neves, o rei D. Dinis estivera em Soajo, tendo aumentado os privilégios desta localidade, determinando, designadamente, que nenhum fidalgo se demorasse aqui «mais tempo do que o necessário para se esfriar um pão quente, posto ao ar, na ponta de uma lança».
Há também registo de no ano de 1456, o Soajo ter tomado posição sobre matéria referente a tributações de bens comercializados na feira de Valdevez, o que de alguma forma revela algum tipo de predominância daquele concelho em relação a este último.
Aliás, melhor se compreenderá esse facto se atendermos a que Arcos de Valdevez apenas teve foral no ano de 1515, ou seja, já após a criação do concelho de Soajo.
VI - Relevante é também destacar que André de Resende, intelectual, arqueólogo, teólogo e um grande humanista português, no sec. XVI, na sua obra «As antiguidades da Lusitânia» (volume 3 – página 162), mencionou nele, então em latim, o seguinte título: “de montibvs Marano, Ivresso, Svaio, et Muro”, ou seja, refere o tradutor da obra que o autor pretendia reportar-se à existência das serras (ou montes) do Marão, Gerês, Soajo e Montemuro.
A propósito destas serranias refere este autor: “Achei que o Marão, o Gerês, e o Muro, mais o Soajo se se quiser, deviam ser referidos apenas devido ao facto de cortarem a meio a província dos Brácaros tão rigorosamente que a parte que deles se estende até ao mar é chamada Entre Douro e Minho (existe um opúsculo, cuja leitura não é de desprezar, sobre as qualidades desta região, sua fertilidade, amenidade, salubridade), quanto à outra parte fica para lá destes montes, deixando à esquerda o Minho, sobe na direção do oriente e é chamada vulgarmente a região de Trás-os-Montes.
Também curiosa é a nota 53 que surge no contexto da página vinde de transcrever, em que o mesmo autor explica: “Parece, por outro lado, que estes montes são como que ramificações do monte Vínduo, de que Floro e Orósio fazem menção. Ptolomeu chama Víndio àquele que se estende largamente a partir dos Pirenéus a norte de Pamplona, cidade dos Cântabros, por Vitória, cidade do mesmo povo, e pelos Gémeos Ástures, até que se divide em duas pontas recurvadas: uma corre para o mar Cantábrico e cabo Finisterra; a outra, fletindo a sul, divide os Brácaros, como se disse, entrando na jurisdição da Lusitânia, junto de Chaves, e logo depois recebe ao acaso nos diferentes lugares nomes também diferentes.”
No registo da avaliação dos benefícios eclesiásticos pertencentes à comarca de Valença, efetuada em 1546, sendo arcebispo D. Manuel de Sousa, São Martinho de Soajo figura como, naturalmente, enquadrado no concelho de Soajo, e tendo anexa a si a igreja de São Salvador da Gavieira. Em conjunto estas duas igrejas rendiam por essa época 60 mil réis.
Chama-se, no entanto, a atenção para o facto de que já previamente a 1514 o Soajo já teria algum tipo de autonomia municipal e, inclusivamente, um julgado.
VII – Mais tarde, em 1657, durante as guerras da Restauração, os povos do Concelho de Soajo tomaram nela parte activa e junto ao Castelo de Lindoso, bateram-se, heroicamente, pela Restauração da segunda independência de Portugal, tudo conforme documento publicado em «Subsídios para a História da Terra da Nóbrega e Concelho de Ponte da Barca», da autoria do Professor Avelino de Jesus Costa.
B) A Figura da Montaria Real
I - O conjunto orográfico na região nordeste, na zona situada entre o rio Minho e o rio Lima, foi particularmente acarinhada pelos primeiros reis de Portugal, tanto é que nela surgiu uma das primeiras montarias na nação. Apelidada de “Montaria Real”, ela foi criada sobre esta serrania e nela se exerceu a respetiva jurisdição até ao ano de 1831, sendo concretizada através da autoridade do Monteiro-Mor, coadjuvado pelos Monteiros-Menores.
Por diversas vezes ao longo da sua história a localidade foi mesmo sendo referenciada como «Vila e Montaria de Soajo». A este propósito diga-se que a localidade foi re-elevada a Vila no ano de 2009.
II - Recorro aqui, uma vez mais, a passagens de um livro muito interessante, de seu nome, «Lima internacional: Paisagens e Espaços de Fronteira», da autoria da já citada Professora Elza Carvalho, no qual se lê: “O Soajo na Idade Média e na sequência de usos e costumes vindos de gerações anteriores superintendia maioritariamente toda a serra, entendida como as actuais do Soajo e da Peneda, o que conferia aos habitantes privilégios reais, como os direitos de montaria, que implicavam aos monteiros, isto é, aos guardas-fiscais da serra, a gestão dos espaços de culturas, pastagens e caça.
Em virtude destes privilégios reais, que os soajeiros, sempre, tanto prezaram, poder-se-á entender que o actual lugar da freguesia da Gavieira, de nome “Peneda”, possa corresponder a um antigo sítio, muito provavelmente uma antiga área de pastagens, pertença dos moradores do Soajo, idêntica àquelas que, atualmente, ainda, podemos observar, e que foram frequentadas, até meados do séc. XX, na época estival, pelos pastores e respetivos gados e rebanhos da rês. À evolução do sítio da Peneda não se pode dissociar o fenómeno religioso, que terá tido um grande incremento na segunda metade do século XVI em virtude das fortes epidemias que grassaram no país, levando as populações em peregrinação e penitência a recorrerem à proteção da Nossa Senhora das Neves, o nome, de facto, da Senhora da Peneda.”
A mesma Professora Elza Ramalho, a propósito deste tema, a fls. 130 da sua mencionada obra, ensina-nos o seguinte: “Referências ao Soajo, aos deveres e direitos do soajeiro, foram confirmados pelos monarcas Dinis, Afonso III, Pedro I, João I e Manuel I, culminando com a atribuição do Foral, em 1514. Estar-se-á perante um longo período em que o Soajo era um dos lugares eleitos pela nobreza e coroa, que se deslocavam expressamente para usufruírem, através das caçadas, os espaços ásperos, mas majestosos, do Soajo e da Peneda, que se estendiam pela Amarela, com o suporte no castelo do Lindoso, e se continuavam pelo Gerês.
Na carta de Foral concedida por Manuel, em 1514, os habitantes do Soajo continuaram isentos, praticamente do pagamento de tributos reais, pois, apenas eram obrigados a contribuir com (...) cinquo sabujos feitos de monte sem outra njnhuma cousa (...) pois (...) nam há hy montados nem manyinhos, por que he tudo dos moradores da terra Isentamente (...) DIAS, 1969 – «Foral da Terra do Soajo».
Os monteiros tinham como atribuições a defesa tanto da flora como da própria fauna que matizavam a mata do País «(...) considerando esta não só como uma fonte de produtos úteis indispensáveis às populações, mas também como ambiente necessário para a vida normal da fauna cinegética (...)». A referência a Monteiros-menores e a Guardadores de matas justifica que se acrescente agora que o Monteiro-mor os tinha por auxiliares, tais como os Monteiros a cavalo e Moços de monte, em correspondência assim mais ou menos perfeita com os Regentes, Mestres e Guardas florestais do nosso tempo (NEVES: 19-53).”
III - Revela-se igualmente interessante o estudo do já mencionado Professor Baeta Neves (1916 – 1992), concretizado no seu livro «A montaria do Soajo, primórdio histórico do Parque Nacional da Peneda-Gerês».
Pelo seu significativo interesse reproduzo aqui parte do respetivo conteúdo:
“Quanto aos outros privilégios que lhe foram concedidos, a atestar o seu prestígio e vincada personalidade, deverei começar por referir o que se deve ao mesmo rei, o qual estabeleceu que nenhum fidalgo poderia demorar-se no Soajo mais do que o tempo necessário para um pão quente esfriar na ponta de uma lança ao ar, privilégio que se julga estar relacionado com o feitio da pedra, um pão triangular, que encima o pelourinho dessa povoação, sendo o fuste deste a lança, interpretação aliás controversa. Mas foi D. João I aquele que terá dado maior relevo à distinção como eram tratados os Monteiros soajeiros, quando lhes concedeu os privilégios de serem isentos de terem armas, salvo azeumas, e o direito de terem os seus sabujos. Também o mesmo rei estabeleceu a proibição dos fidalgos morarem no Soajo e seu julgado, não podendo possuir ali casas, vinhas e herdades ou outros bens e «herdamentos»; não lhes sendo igualmente permitido apossarem-se dos sabujos dos seus habitantes. Tais privilégios vieram a ser posteriormente confirmados por D. João II e D. Manuel, tal como os concedidos por D. Afonso V, aos quais correspondeu o direito de todos os Monteiros do Soajo poderem vender e passar os seus gados para a Galiza, e ainda o Monteiro-mor e todos os Monteiros do Soajo e seu termo serem escusados de pagarem e terem qualquer encargo no Concelho, e de servirem no mar ou na terra em quaisquer armadas ou guerras, nem mesmo na dependência de seus filhos, mas só dele.”
IV - Esse investigador chega na sua obra a uma interessante conclusão, que, por sua vez, justifica o nome da mesma, e que se resume na seguinte ideia: “É assim legítimo considerar a Montaria do Soajo como o primórdio histórico do Parque Nacional da Peneda — Gerês, por ter sida a área dentro deste que primeiro foi sujeita a normas visando a protecção da fauna própria, nomeadamente a designada por caça grossa, sem embargo de ser permitida a sua exploração de certo modo ordenada. Se tal não tivesse acontecido talvez hoje ainda fosse mais pobre em variedade e quantidade a sua representação nessa área, e embora nela se tivessem extinguido o urso e a cabra selvagem, foi em datas muito mais recentes que tal aconteceu.”
Assim, durante muitos séculos, esta área foi protegida no respeitante à respectiva fauna e flora (culturas, pastagens e caça), cabendo a respetiva gestão, e a fiscalização superior, ao representante régio que, no caso, estava entregue ao Monteiro-Mor.
Em virtude da principal actividade dos habitantes da região ser a caça, estes eram designados por “monteiros”. As principais espécies então capturadas eram os ursos, javalis, cabras-bravas, lobos e raposas.
Quer Sistelo, quer Cabreiro, bem como outras povoações, algumas delas espanholas, reuniam e cooperavam também para organizar as batidas, nomeadamente aos lobos e javalis, sendo que tudo quanto a essa actividade dizia respeito ficava sob a gestão e superintendência de Soajo.
V – Ainda segundo Pinho Leal, um militar português mais conhecido como historiador (1816 – 1884), autor dos 12 volumes do «Portugal Antigo e Moderno», esta Freguesia “teve grandes privilégios, entre eles o de não darem alojamento às tropas, nem soldados, em tempo de guerra, e só iam a ela no seu couto, ou quando fosse o rei em pessoa”.
De facto, pelos documentos existentes na Torre do Tombo, constata-se que os Monteiros do Soajo gozavam de privilégios ímpares e também relativamente às demais Coutadas e Montarias Reais, em virtude da sua situação estratégica e das suas belezas naturais.
Documentos datados do início do século XVII referenciavam já Soajo como Vila, admitindo-se que essa categoria resulta de ter sido então erigido o seu Pelourinho, tudo segundo norma existente na chancelaria de D. Afonso V.
VI – De referir ainda que o Rei D. Afonso V, aquando da sua visita à província do Minho, deu satisfação a um pedido de algumas populações locais, nomeadamente as de Castro Laboreiro, ao permitir-lhes manter seculares costumes da fronteira livre, que incluíam o pastoreio comum dos gados, lusos e galegos, em montes comuns e que ignoravam a divisão política. De igual modo, o mesmo rei abriu outras excepções, como as conferidas aos já mencionados Monteiros do Soajo, traduzidas, por exemplo, na manutenção do compáscuo em montes galegos – pag. 242 da citada obra da Professora Elza Ramalho.
VII - Por último, menciono que ainda em pleno século XX, apenas o soajeiro tinha o poder de convocar os habitantes das freguesias limítrofes, para, em conjunto, organizarem e efectuarem as batidas aos lobos, quando se entendia que estes actuavam por forma a dizimar os animais de pastoreio.
C) O juiz de Soajo
A vida em comunidade sempre foi muito importante na povoação de Soajo e esta localidade até há cerca de um século ainda tinha um juiz eleito pelo povo. Assim e por muitos séculos o Soajo sempre dispôs de um juiz local.
Lenda ou realidade, existe uma célebre estória de um juiz de Soajo, no caso concreto o chamado “Ti Sarramalho”, que é por todos quantos são de Soajo conhecida, sendo ela o símbolo da inteligência e justiça de todo o povo da Vila de Soajo. Na verdade, no território de jurisdição do Julgado de Soajo exerceram as suas atividades vários juízes ordinários e não apenas este mais conhecido e lendário “Ti Sarramalho”.
O Juiz Sarramalho era um dos homens bons da terra, de passagem para a sua terra natal, deparou com um crime de morte de um indivíduo, sendo dele uma testemunha ocular.
O caso foi submetido a julgamento e face às provas testemunhais tinha então de sentenciar. Como tal proferiu então o seguinte veredicto: “Morra que não morra, dê-se-lhe um nó que não corra, ou degredado toda a vida e com cem anos para se preparar”.
É claro que esta decisão não foi entendida pela maioria das pessoas. Entretanto a sentença subiu às instâncias superiores através de recurso. Foi então, chamado ao tribunal de apelação o dito Juiz de Soajo, para ali justificar e explicar a sentença dada.
Cansado de tanto esperar de pé pelos juízes do Tribunal da Relação, tirou a sua capa das costas e sentou-se nela, no chão.
Após ter justificado a sentença, retirou-se da sala. Sendo chamado, quando descia as escadas, chamaram-lhe a atenção que se esquecera da capa. De maneira digna, respondeu então com altivez: “O Juiz de Soajo, cadeira onde se sentou, nunca consigo a levou.”
Já no reinado de D. Afonso III (1210-1279) fazia-se referência à existência do julgado de Soajo, conclusão resultante da avaliação de várias disposições legais, compiladas por especialistas e que atestam essa existência.
Após a eliminação do Concelho de Soajo verificada em 1852, foi depois também extinto o referido julgado, o que se verificou a 31 de Dezembro de 1853.
D) O pelourinho de Soajo e outras notas curiosas.
I - Parece-me também interessante realizar aqui uma breve abordagem ao tema do famoso Pelourinho de Soajo, que está considerado como monumento nacional e cujo aspecto, no que diz respeito ao rosto que o encima, deverá corresponder a uma remissão para a figura do Monteiro-mor da comarca de Soajo.
Tal como se aprende na página (blogue) do «Soajo em noticiário», a que mais à frente me referirei mais demoradamente: “Foi este oficial régio como que um "donatário" a governar a circunscrição administrativa - Montaria de Soajo - onde, com poderes em matérias da protecção e conservação da natureza e, ainda com jurisdição cível, decidia livremente as demandas dos seus subordinados, além de outras importantes competências consagradas na lei e no regimento da Montaria.”.
No mundo da internet encontram-se outras e variadas informações, como sejam aquelas já acima mencionadas (ver pág. 79) relativas à figura/rosto que encima o pelourinho, e ao dito “pão triangular”, colocado sobre a figura, como espécie de chapéu. Pensa-se que ele terá sido erigido no séc. XVII.
O pelourinho, colocado no centro da Vila, mais concretamente no Largo de Eiró, possui uma estrutura em cantaria de granito, composta por soco quadrangular de três degraus escalonados, onde assenta coluna de fuste circular, tendo esculpido no topo face circular, marcada com grandes olhos redondos, nariz e boca risonha. Remata-a uma placa triangular (retirado de publicação da Direcção-Geral do Património Cultural).
II – De igual modo interessante para que se consiga uma melhor compreensão da totalidade do fenómeno “Soajo”, como seja o apreender da sua importância no tempo histórico, e as tensões determinadas pela propensão desta localidade para, de algum modo, impor o seu domínio sobre o território confinante, vem a ser a leitura da excelente publicação da Professora Elza Carvalho, de seu título: «Lima Internacional: Paisagens e Espaços de Fronteira Volume 1». Lê-se ali: “À “vila” do Soajo pertencem os poulos de Chã da Cova e Chã da Cabeça, na serra do Soajo, de Felgueira Ruiva e Chã da Matança, na serra da Peneda, isto é, na cabeceira divisória das bacias dos rios Peneda e Laboreiro. “
E continua-se mais adiante: “O poulo “mais idoso”, ou melhor, aquele que teria sido mais frequentado, em tempos antigos, logo, imemoriais, seria o de Felgueira Ruiva, em que, além dos cortelhos, haveria muitas lapas aproveitadas, como abrigo pelos pastores. Contudo, nos inícios dos anos sessenta do século XX, os residentes da "vila" incidiram a sua atenção na Chã da Matança ao construírem com materiais modernos, que incluiu a telha, uma casa, a casa do Soajo, logicamente para abrigo dos pastores, marcando assim, os seus direitos de utilizadores de pastagens alvo de acesas polémicas multisseculares, nomeadamente, com os habitantes dos Ribeiros. A construção de esta casa causou um certo impacto, para não dizer, “respeito” e “estupefacção” nos habitantes, quer dos Ribeiros, do Baleiral, da Peneda e mesmo de Tibo, a avaliar pelo modo, como ela nos foi referenciada e descrita, no Verão de 2003, por um grande número de moradores de estas localidades. Assim, por exemplo, residentes em Tibo referiram-se a esta construção como uma casa nova, que os moradores do Soajo tinham edificado para alojamento dos pastores, mas que foi destruída, pelas gentes dos Ribeiros.
E continuando: “O facto de os da Vila de Soajo terem direitos sobre locais tão longínquos como a Felgueira Ruiva e Chã da Matança (poulos), confirmará algum tipo de superintendência pelos moradores do Soajo, resquícios dos tempos da Montaria Real.”
AS MEMÓRIAS PAROQUIAIS DE 1758
I - Estas “Memórias” revelam um interesse histórico inultrapassável no sentido de melhor entender o Portugal do século XVIII e, nomeadamente, no respeitante às questões das nomenclaturas de índole geográfica.
Aprende-se no site do Arquivo nacional da Torre do Tombo que estas “Memórias”, serão o resultado de se haver publicado um Aviso, a 18 de Janeiro de 1758, da autoria do Secretário de Estado dos Negócios do Reino, o - famoso - Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, que fazia remeter, através dos principais prelados, e para todos os párocos do reino, os interrogatórios sobre as paróquias e povoações, pedindo as suas descrições geográficas, demográficas, históricas, económicas, e administrativas, para além da questão dos estragos provocados pelo terramoto de 1 de Novembro de 1755. As respostas deveriam ser depois remetidas à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. O respectivo índice terá sido elaborado, ou concluído, no ano de 1832.
II – Lê-se no mesmo site que esta “colecção é constituída pelas respostas elaboradas pelos párocos ao interrogatório, através do qual se pretendia obter informações sobre as paróquias, abrangendo a totalidade do território continental português. Apesar de a exaustividade das respostas não ser constante, apresentam-se, na generalidade, de forma sequencial aos pontos do interrogatório (que está dividido em três partes relativas à localidade em si, à serra, e ao rio) fornecendo dados de carácter geográfico (localização, relevo, distâncias), administrativo (comarca, concelho, dimensão, e confrontações), e demográfico (número de habitantes), sendo possível obter informações sobre a estrutura eclesiástica e vivência religiosa (orago, benefícios, conventos, igrejas, ermidas, imagens milagrosas, romarias), a assistência social (hospitais, misericórdias, irmandades), as principais actividades económicas (agrícola, mineira, pecuária, feira), a organização judicial (comarca, juiz), as comunicações existentes (correio, pontes, portos marítimos e fluviais), a estrutura defensiva (fortificações, castelos ou torres), os recursos hídricos (rios, lagoas, fontes), outras informações consideradas assinaláveis (pessoas ilustres, privilégios, antiguidades), e quais os danos provocados pelo terramoto de 1755.”
III – Em relação ao objecto de estudo que aqui me traz, assume nuclear importância, como é óbvio, o livro relativo às Memórias das freguesias do distrito de Viana do Castelo.
Este livro, tal como todos os demais, surgiram a público em Março de 2005, pela mão do Professor catedrático, José Viriato Capela, autor e coordenador de tais “Memórias”.
IV – No que ao caso interessa, a informação que se afigura como a mais relevante será aquela que nos descreve o seguinte:
“Rio Vez (Arcos de Valdevez) – O rio Vez nasce na serra da Peneda, em Val de Poldras, no lugar de Padrão, freguesia de S. João de Sistelo, nas chamadas «Lamas do Vez». Entra no rio Lima, entre as freguesias de S. Pedro do Souto e Paçô, no sítio chamado «Poldras de Vez» (Memória de Sá). – pág. 224.
Ora, esta afirmação coloca em crise, de forma frontal, a minha convicção de que a zona de “Lamas de Vez”, situada entre o “Alto da Pedrada” e o “Alto do Pedrinho/Peneda”, fará parte, tal como este último local, da “Serra do Soajo”.
V – Contudo, não será tal facto que me demoverá da minha profunda convicção, de raízes geomorfológicas e, desde logo, haverá que relativizar esta informação, quer no próprio contexto da obra, quer na conjuntura político/religiosa então vivenciada.
Assim, por um lado haverá que ter em atenção o facto de os trabalhos de campo, ou a fonte de informação destas Memórias, terem sido os párocos das freguesias.
Ora, já então se fazia sentir, ainda que de uma forma mais embrionária, o surgimento de uma espécie de “braço de ferro” entre as teses aqui em discussão, não sendo por isso de estranhar que os “homens da igreja” tomasse partido pela - religiosa - Peneda, em detrimento do – laico - Soajo.
Também aqui se recorda que por aquela época, depois de um hiato de tempo considerável sem que surgisse qualquer referência (pelo menos a nível de mapas), à “Serra da Peneda”, o mapa de Custódio Vilas Boas (1793 – mapa 28), trouxe para a ribalta esta última serra, eclipsando-se no mesmo mapa qualquer referenciação à “Serra do Soajo”.
VI – Por outro lado, no próprio contexto das mesmas “Memórias Paroquiais”, encontramos informação que revela alguma relatividade e contingência no que respeita às informações “geográficas” ali veiculadas.
Nesse sentido, aponta, por exemplo, a seguinte ideia que lá pode ser encontrada: “A abordagem «científica» das questões da Geografia e da Ciência vai limitada contudo a muito curtas incursões, oscilam entre um conhecimento moderno e um conhecimento tradicional das matérias, mais próximo deste do que daquele. É o caso da Geografia mais tratada.
A descrição geográfica deixa-nos às vezes boas descrições das características físicas, climáticas, económica das serras. Em muitos deles em particular nos párocos que transportam consigo maior cabedal de cultura e instrução, há o cuidado de registar as coordenadas geográficas da posição, as distâncias, o sistema orográfico e fluvial, entre outros para melhor situação e referenciação da sua paróquia que se junta à mais comum descrição da delimitação da serra e da terra tendo em vista a fruição reservada à comunidade feita muitas vezes a partir da leitura do Tombo da igreja, importante para a delimitação do «domínio» paroquial, eclesiástico e dizimeiro.” - Pág. 118 (com o título: “Economia e descrição das serras”).
VII – Além da contingência vinda de assinalar, encontramos na página 140 deste trabalho, a seguinte menção: “Gado bravo. Fojos e montarias – Nas zonas montanhosas, especialmente nos territórios dos concelhos de Coura, Melgaço, Ponte da Barca e Arcos por onde se desenvolvem as serras da Peneda, do Soajo, da Amarela.”.
Ou seja, é ali admitida – no mínimo – a existência da “Serra do Soajo”.
Aliás, já na página 23 desta obra, sob o título “Arqueologia – Alto Minho”, se afirmara: “Sem pretendermos ser exaustivos referimos as seguintes: a necrópole da Serra Amarela, que se dispõe nos contrafortes voltados ao vale do Lima; a do Soajo, nas vertentes meridionais do serra, drenadas pelo mesmo rio; a da Serra da Peneda, na zona das nascentes do rio Vez; a do Planalto de Castro Laboreiro, talvez a mais extensa e fascinante de todas e, sem dúvida, uma das mais altas da Península Ibérica, já que o planalto se eleva a uma cota que oscila entre 1.200 e 1.300 metros”.
Depois, a fls. 142, menciona-se (a propósito das Gravuras rupestres de Montedor) o seguinte: “Tal como a Laje das Fogaças de Lanhelas (vale do Minho), a Bouça do Colado (vale do Lima), o santuário do Gião (Serra do Soajo)”.
E mais adiante, na pág. 241, também a propósito deste “Santuário do Gião”, escreve-se: “No limite entre os termos das freguesias do Soajo e de Cabana Maior situa-se um dos elementos patrimoniais mais interessantes do Alto Minho e que, no entanto, não se encontra classificado, embora seja conhecido desde a primeira metade do século XX. Trata-se do santuário pré-histórico do Monte do Gião, um dos últimos contrafortes ocidentais da serra do Soajo. As referências bibliográficas sobre o santuário do Gião são escassas, apesar do interesse do monumento. Próximo deste santuário, em especial para norte estende-se a necrópole megalítica da Serra do Soajo. (A. Matos Reis).“
VIII – Para além das “Memórias Paroquiais”, aceitarem, expressamente, a existência da “Serra do Soajo, contêm algumas incongruências que de algum modo lhe retiram parte da sua valia – digamos – científica, como seja o facto de mencionarem (pag. 424), sob o título “Votos, romagens e romarias, clamores e procissões”, o seguinte: “S. Bento do Cando e Santo António do Vale de Poldos sitas na serra de Outeiro Maior • no dia dos seus oragos • há grande romagem principalmente na de S. Bento.”
Aliás, logo na página seguinte (425), lê-se: “Nossa Senhora da Peneda com o título de Mosteiro sita na serra de Outeiro Maior”.
Por último, trazendo implícita a existência desta “Serra do Soajo” e da sua importância no que respeita à questão das Brandas, encontramos nesta obra, na sua página 42, sob a epígrafe “Brandas e inverneiras”, a seguinte descrição: “No Soajo, além dos lugares habitados durante o ano inteiro e cujas casas constituem as inverneiras, existem numerosas habitações repartidas em pequenos grupos de três ou quatro na Serra e até nas margens dos pequenos ribeiros e cuja ocupação temporária é sobretudo estival. São as casas de Brandas”.
(Continua)
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