No final dos anos 50, a actividade mineira nos Carris acompanha de forma geral a evolução desta actividade no país. A produção de concentrados de volframite a nível nacional atinge em 1951, em plena Guerra da Coreia, as 4700 toneladas, com um máximo de 4900 toneladas em 1952. As produções nacionais mantiveram-se acima das 4000 toneladas até 1958, ano em que ficou nas 1663 toneladas dada a profunda crise e quebra acentuada das cotações no mercado mundial. O valor mais baixo (1330 toneladas) é atingido em 1963. O seguinte quadro mostra a produção nacional de concentrados de volframite entre 1955 e 1962 (“O Mercado Mundial de Volfrâmio e a Situação dos Produtores Portugueses”; Almeida, José Maria da Costa – 28 de Março de 1963; Boletim de Minas n.º 19 (1963)).
Da mesma forma se nota uma grande diminuição do número de minas de volfrâmio em actividade no território nacional. Segundo Maria Otília Pereira Lage, “Portugal, o maior produtor europeu de volfrâmio e um dos dez primeiros a nível mundial, chegou a ter, na altura da II Guerra, 100.000 mineiros enquanto na Galiza, encontravam-se registadas para trabalhar no volfrâmio 10.000 pessoas” (“Nas memórias do Volfrâmio um sociolecto luso-galaico”; Lage, Maria Otília Pereira). O quadro seguinte mostra a evolução do número de minas de volfrâmio em actividade em Portugal entre 1955 e 1962 (“O Mercado Mundial de Volfrâmio e a Situação dos Produtores Portugueses”; Almeida, José Maria da Costa – 28 de Março de 1963; Boletim de Minas n.º 19 (1963)).
Em 1960 o Boletim de Minas ainda refere a Sociedade das Minas do Gerez como um dos principais produtores nacionais de concentrados de volframite e de molibdenite, sendo neste caso a única exportadora a nível nacional (Boletim de Minas n.º 7 (1960), página 8). No entanto, em 1962 já não há qualquer referência, reflectindo assim o fim dos trabalhos mineiros anos antes.
Apesar de no geral as relações entre a Sociedade das Minas do Gerez e a Circunscrição Mineira do Norte terem sido cordiais, existiram episódios mais tensos a quando do envio dos relatórios de estatísticas mensais e anuais. Alguns destes episódios ocorreram em Janeiro de 1958 - Carta n.º 93 datada de 23 de Janeiro de 1958 da Circunscrição Mineira do Norte - (não envio do relatório mensal referente ao mês de Dezembro de 1957) e em Março de 1960 quando a Circunscrição Mineira do Norte envia uma carta à Sociedade das Minas do Gerez onde refere que “só a benevolência destes Serviços pode admitir que V. Ex.as não cumpram com as suas obrigações, pois são useiros e vezeiros no envio dos boletins estatísticos fora do prazo. Esta circunscrição lamenta sempre que é impelida a usar de sanções para obrigar a cumprir a lei, o que fará se até ao dia 26 do corrente não derem satisfação ao solicitado” (Carta n.º 399 datada de 17 de Março de 1960 da Circunscrição Mineira do Norte; a situação voltaria a repetir-se em Janeiro de 1961 com o não envio das estatísticas referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 1960. Carta n.º 16 datada de 5 de Janeiro de 1961 da Circunscrição Mineira do Norte).
Durante a década de 60 o complexo mineiro de Carris encontra-se em inactividade, estando lá presente apenas um simples serviço de guarda. As instalações vão-se degradando bem como as condições físicas no interior dos poços e galerias. Documentos oficiais em forma de relatórios anuais atestam a não realização de trabalhos em 1961 (“Relatório anual – 1961’ datado de 22 de Janeiro de 1962) e 1962 (“Relatório anual – 1962’ datado de 15 de Janeiro de 1963), não havendo registos para os restantes anos da década. Curiosamente só a 11 de Fevereiro de 1969, e devido à ausência do relatório anual referente a 1963, é que a Circunscrição Mineira do Norte solicita informações ao Engenheiro Chefe da Repartição de Minas sobre a identificação dos sócios da Sociedade das Minas do Gerez, Lda. e o respectivo Director Técnico de cada concessão.
A 2 de Setembro de 1962 a ‘Mason & Barry’ informa que não pode continuar a pagar os salários e outros encargos com a exploração mineira. Na carta que é enviada ao governo a 29 de Setembro (mas que por engano é endereçada ao Banco de Fomento Nacional), o major P. Cross Brown, representante da empresa e Presidente do Conselho de Administração da ‘Mason & Barry’ que se desloca a Portugal, refere que o Director Geral da Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos, Eng. Fernando Soares Carneiro, lhe havia solicitado para não proceder ao encerramento da mina. Cross Brown na altura não havia tomado qualquer decisão relacionada com o futuro da mina, mas afirmava que a ‘Mason & Barry’ não poderia continuar a pagar os salários e outros encargos inerentes à actividade mineira. De facto, a esta data a mina já se encontrava fechada e estava inundada até ao nível do esgoto natural, mantendo somente um simples serviço de guarda no exterior. A situação económica da empresa britânica vai-se degradando e desde Junho de 1963 deixa de cumprir o pagamento dos honorários do Director Técnico das diversas concessões mineiras dos Carris. Apesar de várias insistências junto de Gregório Pereira Rodrigues, gerente e representante da ‘Mason & Barry, Ltd.‘ em Portugal, e de José Inácio, sócio gerente da Sociedade das Minas do Gerez, Luíz Aníbal Teixeira Sá Fernandes apresenta a 21 de Dezembro de 1965 a desistência das direcções técnicas das concessões do Salto do Lobo, Lamalonga n.º 1, Corga das Negras n.º 1 e Castanheiro.
Com a desistência do cargo de Director Técnico por parte de Luís Sá Fernandes, as concessões mineiras dos Carris encontram-se em situação ilegal e a 6 de Janeiro de 1966 é solicitado à Sociedade das Minas do Gerez a entrega de uma nova proposta e do termo de responsabilidade para as direcções técnicas das suas concessões mineiras. Trabalhando nas Minas de S. Domingos (as Minas de S. Domingos eram também exploradas pela britânica ‘Mason & Barry Ltd.’ que lá iniciou os seus trabalhos em 1858. Situam-se na freguesia de Corte do Pinto, Mértola – Beja.) para a ‘Mason & Barry’, o Agente Técnico de Engenharia Civil Virgílio de Brito Murta, é contactado em finais de 1965 pela Sociedade das Minas do Gerez para assumir a Direcção Técnica das suas concessões. O novo Director Técnico é apresentado a 12 de Janeiro de 1966 e a sua nomeação tem parecer favorável do Conselho Superior de Minas e Serviços Geológicos a 2 de Fevereiro, sendo emitido um despacho ministerial de aprovação a 8 de Fevereiro que o nomeia como Director Técnico das quatro concessões em questão. O texto do despacho ministerial da nomeação, que é datado de 24 de Fevereiro, é publicado em Diário do Governo a 7 de Março (Diário da República n.º 55, IIIª Série, de 7 de Março de 1966, página 713; Virgílio de Brito Murta ocuparia o cargo até Novembro de 1970).
As condições do acampamento mineiro vão-se degradando mas em 1966 ainda “se transitava de carro pelo Vale do Alto Homem. Nesta altura a mina estava já parada há vários anos e o único residente era um guarda já de idade avançada que dava pela alcunha de ‘Artilheiro’ que aparentemente nunca tinha ido ao Porto, tendo ido uma vez a Braga e meia dúzia de vezes às Caldas do Gerês, passando o resto de toda a sua vida na montanha” (por correspondência electrónica com Carlos Sousa a 11 de Dezembro de 2007).
No princípio de 1968 era desesperada a situação da Mason & Barry e em finais de Janeiro e princípios de Fevereiro estão a ser tomadas medidas para salvaguardar os interesses dos credores portugueses e ingleses. Em princípios de Fevereiro era apresentada nos tribunais ingleses uma petição para a liquidação compulsória da empresa. A decisão do tribunal de Chancery, Londres, seria na altura adiada por oito semanas para que uma comissão de inquérito pudesse avaliar o património da empresa para assim preparar um esquema compensatório para a liquidação das dívidas tanto em Portugal como em Inglaterra. A Mason & Barry seria declarada falida pela Câmara de Falências de Lisboa a 22 de Abril e sete dias depois dá-se comunicação deste facto ao Banco de Fomento Nacional que segundo a cláusula n.º 5 do contrato de empréstimo elaborado com o então Fundo de Fomento Nacional, gozava do privilégio imobiliário sobre a concessão mineira e instalações acessórias, além de outros bens imobiliários da sociedade. É então iniciado um processo de penhora em princípios de Dezembro com a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, através da sua Repartição de Finanças do Concelho de Montalegre, a solicitar a 5 de Dezembro à Direcção de Minas e Serviços Geológicos as informações relativas ao número de minas, denominações, localizações, número das concessões e valores cadastrais das minas pertencentes à Sociedade das Minas do Gerez, Lda. A resposta surge a 13 de Dezembro com o Chefe da Repartição das Finanças do Concelho de Montalegre a enumerar as referidas concessões e outros dados pretendidos. Na altura as concessões tinham um valor cadastral total de 1.124.472$00 dos quais 1.108.332$00 correspondiam à concessão do Salto do Lobo, 7.000$00 correspondiam à concessão da Corça das Negras n.º 1, 5.000$00 correspondiam à concessão do Castanheiro e 4.140$00 correspondiam à concessão da Lamalonga n.º 1.
Nesta altura a ‘Mason & Barry Lt.’ tinha propriedades em desenvolvimento no Algarve para além de interesses em minas portuguesas e mexicanas. Entre as suas subsidiárias em Portugal contavam-se a ‘Mason & Barry (construtores de embarcações) Lt.’ os Estaleiros Navais do Algarve, Lda., a ‘Mason & Barry (urbanizadores) Lt.’, a ‘Mason & Barry (construtores civis) Lt.’, a ‘Mason & Barry (agentes) Lt.’ Existindo também oito subsidiárias inglesas e uma mexicana (in ‘Diário de Lisboa’, Quarta-feira 7 de Fevereiro de 1968, pág. 12).
As Minas dos Carris, como já se constatou, não ficaram imunes aos acidentes de trabalho e muitos mineiros terão ficado com sequelas para toda a vida. Poucos terão sido os que procuraram compensações pelo duro trabalho e pelo facto de não lhes ter sido proporcionada a segurança necessária. Uma das excepções registadas foi o caso de António Fontes Maria da Costa que em consequência de um acidente ficou com incapacidade absoluta a partir de 8 de Janeiro de 1963 até à sua morte a 6 de Abril de 1965. Em 1965 a sua viúva, Maria Augusta Faria da Costa, interpôs um processo contra a Sociedade das Minas do Gerez, Lda. procurando uma indemnização pela incapacidade do marido. A Sociedade das Minas do Gerez e a companhia de seguros ‘A Mundial’ seriam condenadas a 8 de Julho de 1969 ao pagamento de uma indemnização devido pelo período de incapacidade de António Fontes e ao pagamento de uma pensão anual e vitalícia para a viúva e seus descendentes à altura do acidente. Em resultado desta condenação seria feita a penhora de “…um compressor, de grandes dimensões, de marca Air Pumps…” (segundo é descrito na certidão do auto de penhora datada de 28 de Julho de 1969) e de um outro mais pequeno que permaneceriam nas instalações mineiras entregues ao fiel depositário então nomeado na pessoa de José Alves Conde, guarda do complexo mineiro.
Nos anos 60 do século XX o complexo mineiro dos Carris é assim um silencioso conjunto de edifícios quase abandonados e guardados por uma presença que se tornará lendária até aos anos 80 / 90. É nesta altura que se inicia um processo de degradação dos edifícios e o complexo deixa de ser percorrido pelas dezenas ou centenas de pessoas que na década anterior o haviam transformado num complexo mineiro moderno e socialmente avançado. Ficam então as memórias de outros dias gravadas nas pedras.
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Texto adaptado de "Minas dos Carris - Histórias Mineiras na Serra do Gerês", Rui C. Barbosa - Dezembro de 2013.
Este artigo foi publicado pela primeira vez em duas partes (aqui e aqui) a 14 e 15 de Abril de 2016.
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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