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domingo, 30 de junho de 2013

199... Um novo dia (I)


Carris, 29 de Junho de 2013

O dia de calor intenso na Serra do Gerês fez-me decidir completar a caminhada às Minas dos Carris ao final da tarde, aproveitando o arrefecimento e tirando partido dos tens com que a paisagem se ia pintando a cada momento. O Verão acabou de chegar, mas aos primeiros passos parecia que já por cá anda há muito tempo.


A Serra do Gerês vai tendo os seus regatos e nascentes que são habituais durante todo o ano, o que acaba por compensar o suor e a secura de cada brisa de ar quente que nos bafeja a pele. Se em tempo de invernia o trabalho nas minas seria infernal, em tempos de canícula deveria ser como viver dentro de um forno ou de costas para uma lareira em toda a sua pujança.

Os lugares foram-se passando um a um. A Portela do Homem e a ponte sobre o Rio Homem ficam já lá atrás quando nos refrescamos com a água da Fonte da Abelheirinha. Muitas vezes faço aquele percurso dividindo-o mentalmente em etapas que vão encurtando a distância à medida que são vencidas. É a frente da Bela Ruiva antes de chegar à Água da Pala, a própria Água da Pala que nos permite o vislumbre do vale aberto para a Serra Amarela e os seus retransmissores, o Cagarouço, as Febras, o Modorno, o Teixo, as Águas Chocas, as Abrótegas e a Carvoeirinha.

Esta caminhada ia sendo particularmente interessante e a cada novo interesse cada vez mais rica e distinta de muitas outras. Certamente terá sido pela altura do dia em que o calor já não apertava tanta que tantos animais se deram a ver. Começamos pela víbora fugidia que se refastelava ao Sol de final da tarde, passando pela lontra nas alturas do Cagarouço. Enquanto caminhava, procurava a silhueta das cabras selvagens a percorrer a cumeada, porém estas não apareceram nesta altura.


O pôr-do-Sol surgiria por alturas do Teixo já depois de ficarmos encadeados pelos raios de Sol na passagem pelo Modorno onde a sua ribeira surgira como que um oásis no caminho. Por esta altura, cada passo torna-se pesado e o caminho inclina-se perante os nossos pés. A rocha solta, leve memória de outrora de um caminho que então existiu, dificulta por vezes a passada com um traiçoeiro deslizar.

Sentado na rocha quente, vi os raios de Sol a lamberem as beiras da serra e a projectarem sombras pelo vale. Lentamente, o dia ia dando lugar à noite que se ia deitando pela montanha. O Teixo ficava para trás e o caminho trepava para as Águas Chocas, tornando-se mais dócil até chegar às Abrótegas, local onde abastecemos de água na eventualidade de as fontes nas minas estarem secas. Um pouco à frente, no curral cimeiro do Barroco de Trás da Pala, uma manada de vacas dominava o local. Curiosamente, uma destas vacas começou a correr na direcção oposta a nós, o que me levou a pensar que eventualmente se teria assustado com a nossa aproximação. Fazendo-se ouvir por toda a serra, o animal desaparecia por entre a vegetação numa altura em que a nossa visão se encontra confusa com a mudança de luminosidade na montanha. Enquanto as cores vão-se esbatendo, os tons de cinza vão dominando a paisagem.


De repente, num levantar fortuito do olhar, surgem naquela cena dois vultos bastante característicos que não me fizeram ter dúvidas sobre o que via e que me levaram num ápice a entender o porquê da vaca correr e fazer todo aquele ruído. Na manada, duas pequenas vitelas eram protegidas pelos restantes membros do grupo enquanto que os dois lobos percorriam o pequeno alto e desapareciam por entre as sombras que rapidamente iam descendo sobre o local. Este foi um momento que valeu todos os dias na serra, todas as caminhadas e longas horas de silêncio em busca daqueles companheiros de montanha, guardiões de lendas e mitos tão mal tratados pelo Homem. Um momento único, o primeiro, algo a nunca esquecer!

A entrada na Corga da Carvoeirinha é feita já com as luzes das eólicas a marcarem a paisagem e a chegada às velhas ruínas surge envolta na noite, com a linha do Alto dos Carris a marcar a diferença entre a última luz do dia e o negro da noite. A Lua surgiria mais tarde e era tempo de retemperar forças, e arranjar um bom local para o espectáculo do início de um novo dia que teria lugar dali a oito horas...

Fotografias: © Rui C. Barbosa

2 comentários:

  1. Atraente para ir sem calor...espero que as pedras não rolem debaaixo dos pés tanto como se diz...

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  2. 'Infelizmente', assim é. Aquele caminho está cada vez pior a cada dia que passa!

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