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quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Reflexão Técnica e Humana – Sobre as Proibições

 


Cumpre-se hoje um ano desde que o Programa Especial do Parque Nacional da Peneda-Gerês e o seu Regulamento de Gestão se encontram em análise após o período de Discussão Pública que decorreu desde 4 de Setembro de 2024.

A Discussão Pública mereceu 157 participações por parte de cidadãos ou grupos de cidadãos. Até ao momento, aguarda-se que o Governo se decida sobre o futuro cada vez mais incerto do nosso único parque nacional.

De entre os muitos temas que mereceu a participação por parte dos cidadãos foi, de forma geral, as actividades de montanha nesta área protegida, entre as quais se inclui a Escalada. É sobre este tema, ou mais precisamente, as proibições que por muitas vezes a afectam não só no Parque Nacional da Peneda-Gerês como noutras áreas protegidas, que o António Afonso reflecte no texto a seguir. 

Reflexão Técnica e Humana – Sobre as Proibições

“Ver as coisas por fora é falso e vão”, dizia o poeta Carlos Queirós.

Há décadas que a escalada tem sido sistematicamente interditada ou restringida em várias áreas protegidas. Tento compreender os porquês: ecossistemas frágeis, escarpas sensíveis, aves nidificantes, e, claro, a dificuldade real de fiscalização – seja pela localização remota das zonas, seja pela escassez de pessoal.

Mesmo reconhecendo estes problemas, pergunto-me: será que a proibição total é a resposta mais justa? Mais equilibrada? Mais eficaz?

A escalada tem sido, frequentemente, o alvo mais fácil. Outras atividades, com impactos muito maiores e mais visíveis, continuam a operar em zonas críticas, muitas vezes com apoio institucional ou sem qualquer tipo de regulamentação. Por que razão, então, se exclui a escalada? Talvez porque seja mais fácil interditar do que integrar. Talvez porque falte conhecimento técnico e cultural sobre esta prática. Ou talvez por uma mistura dos dois.

Já estive presente em situações onde técnicos do ICNF afirmaram que os escaladores são organizados, conscientes e respeitadores, e por isso, paradoxalmente, é das mais fáceis de travar a sua atividade. Mas onde está a lógica nisto?

A escalada, como qualquer outra atividade humana, pode ter impacto. Mas é justo pagar o justo pelo pecador? É razoável excluir uma comunidade que, na sua maioria:

• Conhece e respeita os ciclos naturais;

• Evita conscientemente zonas sensíveis e épocas de nidificação;

• Está aberta ao diálogo, à colaboração e à construção de soluções;

• Está motivada para ajudar na monitorização, fiscalização e até identificação de novos locais críticos.

Acredito que a natureza não se protege melhor excluindo todos os usos, mas sim integrando com responsabilidade aqueles que são compatíveis. 

A escalada pode, e deve, fazer parte da solução.

Precisamos de planos de ordenamento atualizados, baseados em ciência, diálogo e educação ambiental. Precisamos de estudos reais, monitorizações contínuas e decisões equilibradas. Precisamos de escutar quem ama verdadeiramente a natureza, sem interesses económicos por detrás, nem dogmas políticos desatualizados.

Esta é uma reflexão, mas também um apelo: repensar conscientemente, rever mapas e estudos e, acima de tudo, rever atitudes. Abrir espaço ao diálogo, ao conhecimento partilhado e ao respeito mútuo.

Com amizade e respeito por todos os que zelam, sinceramente, por aquilo que é um direito de todos: viver com a natureza em harmonia.

Está na hora de mudar os pensamentos. De repensar o futuro.

De passar da reflexão para a ação.

Está na hora...

Texto e fotografia: António Afonso (Todos os direitos reservados)

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