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sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Memórias de um mineiro

 


Numa zona esquecida de um país pobre, as Minas dos Carris eram o ganha-pão de muitos homens que ali procuravam um parco sustento para as famílias.

O dia-a-dia dos trabalhadores era passado entre a profundidade dos poços mineiros e o descanso na camarata. Apesar de ser um complexo mineiro socialmente avançado, as condições de residência limitavam-se ao básico. Augusto Silva refere que a água quente era um luxo só para o pessoal superior da mina e as necessidades eram muitas vezes feitas “atrás de um penedo” havendo, no entanto, instalações sanitárias para quem lá trabalhava. “Quando era frio, com a própria roupa, se não viesse molhada dos trabalhos na mina, deitava-se assim e cobríamo-nos com as mantas, e ali ficávamos o melhor possível e por vezes encostados uns aos outros para enganar o frio. Se a roupa estivesse molhada, então vestíamos uma roupa enxuta e depois dormíamos nos beliches compostos por três camas ao alto… o que estava em cima, quando era no Inverno, é que estava pior, pois o telhado era composto só por uma telha de luzalite e o frio era muito! Passamos lá maus bocados, mas eu gostava daquilo!

Sem haver outra companhia que não a masculina no complexo mineiro, onde permaneciam por um mês antes de poderem ir às suas casas, muitas vezes os homens iam até às Minas Mercedes Las Sombras onde lá trabalhava um grande número de mulheres, pois a mina galega não estava equipada com muitas máquinas e o trabalho de lavagem do minério era quase todo manual.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCXCVI) - Pé de Cabril, Bemposta, Bargiela e Corneda

 


Os altos do «lado Poente» da Serra do Gerês têm o seu pináculo no Pé de Cabril, após de se passar pela Bargiela e Bemposta. Já na margem direita do Rio de Maceira, a Corneda domina as alturas antes de se chegar ao Pé de Medela (fora da imagem). Uma paisagem de parte da Mata de Albergaria em pleno Outono.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

"Uma longa caminhada com as águias-reais da Peneda-Gerês"

 


"Uma longa caminhada com as águias-reais da Peneda-Gerês" é uma obra fundamental para perceber o passado, presente e o futuro das águias-reais no Parque Nacional da Peneda-Gerês.

Da autoria de Miguel Dantas da Gama e editado em 2013 pela Canhões de Pedra e pelo FAPAS Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens, o livro resulta da paixão do autor pelo Parque Nacional e infindáveis horas de estudo desta espécie no seu território.

O livro pode ser adquirido contactando a editora.

Previsão meteorológica para Nevosa/Carris (21 a 28 de Novembro)

 


Ficamos à margem da nevada que percorre a Europa, nos próximos dias teremos céus nublados e chuva.

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCXCV) - Casarotas

 


Situadas fora dos limites do Parque Nacional da Peneda-Gerês, as Casarotas não deixam de ser um marco significativo na História do território. De origem enigmática e de função desconhecida (há quem aponte como sendo uma antiga branda pastoril, um posto de guarda da fronteira ou abrigo temporário na batida aos lobos), as Casarotas representam um peculiar conjunto de abrigos localizados na Chã de Mimpereira que há muito já merecem um estudo mais cuidado.

(Nota: o termo "casarotas" aplica-se às construções situadas na Chã de Mimpereira, não definindo o termo geral aplicado aos abrigos pastoris existentes na Serra Amarela).

O mistério e o debate sobre a função destes abrigos de montanha mantém-se nos nossos dias. Citado na obra "O Gerês - De Bouro a Barroso", de Rosa Fernanda Moreira da Silva, Jorge Dias refere "(...) haver uma relação com as cabanas dos pastores e talvez fosse conduzir a uma curiosa solução, que traria também um elemento de grande interesse para a Etnografia. Poderia ser uma antiga branda dos pastores de Vilarinho. Uma branda há séculos abandonada, porque os habitantes da região descobriram uma maneira mais cómoda de aproveitar as pastagens altas, mediante uma organização colectiva, em que dois pastores substituídos diariamente por outros dois, à vez por todos os vizinhos, só precisam de passar uma noite na serra, para que lhes basta uma cabana em cada local de pernoita. Parece-me esta a hipótese mais plausível, mas, como disse, só depois de se fazerem escavações teremos talvez a solução" (in, "As Casarotas na Serra Amarela - construções megalíticas com uma inscrição" - 1946).

Assim, segundo Jorge Dias, as casarotas teriam uma função relacionada com a pastorícia na Serra Amarela. Porém, Rosa Fernanda Moreira da Silva tem outra interpretação para a função destas peculiares construções. Na página n.º 90 da sua citada obra lê-se "somos de opinião que as Casarotas foram um dos elementos da célula defensiva das Portelas que, além dessas pequenas construções incluía, pelo lado Norte, uma pequena Trincheira, com o comprimentos de algumas dezenas de metros. Estes elementos estão estrategicamente localizados numa rechã inacessível do lado nascente. Mas perfeitamente enquadrados em relação às restantes edificações defensivas do vale do Homem, ou seja, as Casas do Facho, das Peças e da Guarda. De acordo com os argumentos apresentados as Casarotas foram um dos elementos da célula defensiva da Portela da Serra Amarela. Entretanto, seria muito enriquecedora a concretização de estudos sobre esta temática que, ao alargarem a análise temporal, poderiam contribuir para o equacionar de novas teorias sobre o passado."

Em "Rio Homem", André Gago relata a jornada de Rogélio Pardo e Alda até aquele local num dia de calor. Refugiando-se no interior de uma daquelas construções, os dois irão consumar um amor há muito desejado nas páginas do livro. Assim, por entre o silêncio e o vento cinematográfico que percorre aquelas alturas, podemos imaginar esta passagem do romancista.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Delimitação de baldios no PNPG

 


A Associação de Baldios do Parque Nacional da Peneda-Gerês (ABPNPG) está a proceder à delimitação das áreas de baldio que integram o planalto da Mourela.

Estes trabalhos de delimitação exterior são feitos recorrendo a sistemas de geoposicionamento e registo fotográfico.

Constituída no ano de 2005 a Associação dos Baldios do Parque Nacional da Peneda Gerês (ABPNPG) tem como área social os territórios baldios inseridos nos concelhos de incidência do Parque Nacional da Peneda Gerês (PNPG) ou seja, as unidades baldias existentes nos concelhos de Montalegre, de Terras de Bouro, de Arcos de Valdevez e de Melgaço.

A sua missão é representar e defender os interesses das comunidades baldias, potenciando o seu desenvolvimento socioeconómico, conservando, quantificando e valorizando os seus recursos biológicos, onde as suas florestas de conservação e de produção assumem uma particular importância. Harmonizar o uso dos recursos biológicos com a sua conservação é, por isso, de grande importância.



Fotografias © ABPNPG (Todos os direitos reservados) via Facebook

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCXCIV) - Roca d'Arte

 


A magnífica Roca d'Arte, Serra do Gerês, vista na chegada ao Vidoal. Ao fundo, o Pé de Medela (esquerda) e Carris de Maceira.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Os trabalhos dos Serviços Florestais na Serra do Gerês em 1910-1911 (parte III)

 


Esta é a terceira parte do artigo sobre os trabalhos realizados pelos Serviços Florestais na Serra do Gerês em 1910-1911. A primeira tarte poder ser lida aqui e a segunda parte pode ser lida aqui.

(A fotografia em cima mostra a Casa do Guarda do Vidoeiro antes da reflorestação)

Neste ano fez-se apenas uma sementeira num total de 36,5 hectares realizada na encosta da Pedra Bela e em seguimento e ligação com a sementeira do ano anterior que o fora em continuação de outras que em anos sucessivos se foram realizando desde 1907-1908 na encosta Nascente seguindo de Norte para Sul, desde o Rio da Figueira para a extrema de Porcas.

Por seu lado, fizeram-se importantes plantações de árvores dispersas em diversos maciços.

Na bacia do Rio Gerês, da Preguiça para baixo, escolheram-se as árvores essenciais que assim o exigiam, procurando-se as situações mais convenientes conforme as suas exigências e indicações culturais. Porém, fez-se uma plantação maior e continua na encosta de Secelo, do Rio da Figueira para cima, que neste ano se começou a conquistar para a arborização, e em maciço fez-se, como de mais importância, a plantação de 49.494 Pinus sylvestris e a de 19.120 Pinus Laricio Corsica.

A plantação de Pinus sylvestris fez-se do Rio do Forno, em Albergaria para Cagademos, de Norte para Sul, entre o caminho de Leonte à Portela e o Rio de Maceira, que entra no Homem abaixo da Ponte Feia.

Esta plantação fez ligação com outras da mesma natureza que vem já desde o Rio de Monção, adoptando-se a seguinte distribuição das plantações: do Rio de Monção para Norte, até ao Rio Homem, Pinus Laricio Corsica; do Rio de Monção para Sul, Pinus sylvestris, devendo-se em ambos os casos ir conquistando as encostas de baixo para cima nos locais onde a desnudação do terreno o permita.

Na bacia do Homem, em regra, só se tem empregado coníferas, porque aquela zona é muito frequentada de gado bovino em todo o tempo, mesmo de Inverno, e não chegam lá nunca, ou só muito raramente, as cabras, não tendo os bovinos nenhuma predilecção pelas coníferas. Não podendo exercer-se por lá uma fiscalização muito activa, está indicado, por este motivo, o critério adoptado.

Na bacia do Gerês, onde as condições de meio são mais temperadas e onde os cuidados de vigilância são mais activos, as folhosas são, se não as preferidas, pelo menos mais largamente empregadas.

Este ano, foi de 92.701 o número de árvores plantadas.

Continuaram-se os trabalhos de implementação e preservação dos viveiros florestais com os cuidados que têm merecido em anos anteriores, obtendo-se deles muitos milhares de plantas que anualmente se utilizam na arborização da Serra do Gerês e em cedência a outras matas, corporações administrativas e venda a particulares.

Além das 92.701 árvores plantadas, forneceram-se 1.000 à Câmara Municipal de Guimarães e 50 à Câmara de Terras de Bouro; venderam-se 500 e ficaram 146.909 árvores de diferentes idades, sendo grande o número de sementeiras de diversas espécies.

Foram realizados diversos trabalhos de limpeza de maciços, tais como em Gramelas, onde, além de antigas plantações de Pinus sylvestris, existe arvoredo espontâneo, e onde já no ano anterior se fizera limpeza; em Palheiros, em pinhal e arvoredo espontâneo; no Vale do Rio Caldo (Rio Homem) em pinhal; em Cagademos, Água da Adega, Leonte e Lage em arvoredo espontâneo; nas encostas do Escuredo e Pereira e na da Galeana em pinhais e no arvoredo espontâneo das ravinas respectivas, todas muito arborizadas.

Nestas limpezas procurou-se sempre arrancar as raízes dos matos de fácil rebentação, principalmente as urzes. Também se fez por meio da queima dos rebentos laterais e baixos e pela aplicação de petróleo co, azeite nos ramos altos e terminais o combate contra a Bombyx Processianaria na encosta da Pereira.

Tendo-se estabelecido na superintendência dos Serviços Florestais do Gerês, o posto de reprodução da raça bovina suíça de Schwitz, conforme as ideias da Direcção Geral em 1909, com o intuito de estudar as condições de adaptação e de valor daquela raça no Gerês, para a criação e fomento das indústrias dos laticínios, e não dispondo a mata de terrenos próprios para as instalações e para a cultura de forragens para aqueles animais, adquiriu a mesma Direcção Geral, pela verba de Expropriações da Repartição dos Serviços Florestais, as propriedades particulares pertencentes a Serafim dos Anjos e Silva, encravados na mata, desde Vidoeiro ao Rio da Figueira e Torgo. Tendo uma superfície de cerca de 15 hectares, apenas talvez uma terça parte estava em cultura, mas mal cuidada, por arrotear.

Toda a propriedade estava as más condições de granjeio, com as terras exploradas empobrecidas por uma cultura continuada quase sem estrumes e sem amanhos, de forma que se tornaram indispensáveis despesas inadiáveis com a abertura de novas levadas e reparação das existentes, levantamento de socalcos para segurança de terras, arroteamento de novos terrenos conquistados para a lavoura e outros, além dos serviços culturais que já se realizaram para as sementeiras e colheitas.

Igualmente, no Campo da Laje, comprado no ano anterior, se continuaram trabalhos para a sua adaptação à produção de ervagens e, quer neste, que nos de Vidoeiro e Palas, mais depezas há a fazer para os pôr em condições de tirar deles o melhor rendimento.

Tendo os Serviços Florestais adquirido um Junho de 1890, juntamente com os terrenos onde depois foi construída a casa da Repartição, a nascente de água do Forno Novo, chamada da Poça de Ana Tereza, nunca aquelas águas tinham sido aproveitadas perdendo-se pelo monte. Canalizaram-se e conduziram-se este ano para os terrenos anexos à Repartição para a sua rega, e como a nascente está a 147 metros acima da mesma casa, aproveitar-se-á esta circunstância para vir a estabelecer-se a sua defesa contra qualquer caso de incêndio, colocando-lhe as necessárias bocas para a alimentação de agulhetas.

Além dos trabalhos de conservação de vários caminhos, continuou-se a abertura do caminho do Vidoeiro à Pedra Bela, cuja construção foi autorizada pela Ordem de Serviço n.º 73, de 6 de Agosto de 1907, da Direcção Geral da Agricultura.

Pouco trabalho se produziu este ano, porque a maior parte da verba respectiva foi aplicada na construção da vacaria e anexos, custeados pela mesma secção do orçamento.

Iniciou-se o estudo do lanço da estrada da base do monte da Preguiça a Leonte feito pela Direcção das Obras Públicas de Braga, mas com pessoal auxiliar fornecido e pago pela Mata.

Tendo os terrenos de Vidoeiro e Palas, de Serafim dos Anjos e Silva, sido comprados especialmente por causa dos animais do Posto Bovino de Reprodução da Raça Schwitz e encontrando-se aqueles animais desde que vieram para o Gerês, em Julho de 1909, alojados num estábulo cedido por favor pela Sociedade de Melhoramentos do Gerês, deu-se logo começo aos trabalhos preparatórios para a construçlão da vacaria, cujo edifício, começando-se em Fevereiro de 1911, não ficou de todo concluído, mas já próximo a poder receber as vacas no fim do ano económico.

É uma construção ampla, espaçosa, ventilada, com todos os requisitos para bem servir ao fim a que se destina, tendo lugar para 20 cabeças e por cima um grande palheiro, com capacidade para algumas dezenas de carros de feno e palha.

Para melhor aproveitamento e fabricação dos estrumes, construiu-se junto da vacaria uma montureira coberta, para onde foram canalizados todos os líquidos da vacaria e onde se reúnem e manipulam os estrumes das camas dos animais.

Não ficou concluída, faltando-lhe calçar e cimentar o pavimento para o tornar impermeável e das uma aguada de cimento nas paredes interiores, para o mesmo fim.

Além do Posto Bovino Schwitz e dos porcos Iorkshire do ano anterior, estabeleceu-se em Abril de 1911 um Posto Hípico para cobrição de éguas, vindo para esse fim da Coudelaria Nacional o cavalo luso-árabe 'Quanah' de 7 anos de idade, que, depois de terminado o seu serviço especial, continuou no Gerês, para os serviços da Repartição. Foi muito apreciada pelos lavradores vizinhos a vinda deste animal, tendo sido muito procurado.

O touro suíço cobriu 14 vacas de lavradores da região, o porco Iorkshire cobriu 51 porcas e o Cavalo Quanah cobriu 32 éguas.

Tendo os faisões sido introduzidos com a intenção de se multiplicarem para povoamento da serra, instalaram-se de maneira a tentar-se a criação e multiplicação naturais, conservando-os num grande recinto todo fechado, de rede alta, para dentro se poderem conservar pequenas árvores, matos, pedras, água corrente, etc.

Deram entrada no Gerês em Agosto de 1909, vindos de Inglaterra, 6 machos e 13 fêmeas, tendo morrido uma fêmea na viagem.

Nos dois primeiros meses morreram 3 fêmeas, que chegaram já bastante magoadas, e outras mais e alguns machos foram morrendo, de forma que em 30 de Junho de 1910 havia apenas 4 machos e 7 fêmeas.

Como se ignorava a maneira de criar estas aves e como o intuito era deixá-las multiplicar-se livremente, ao fazerem-se as posturas, deixou-se ficar os ovos nos ninhos, esperando que as fêmeas os chocassem, mas, infelizmente, tal não sucedeu, passando os períodos de incubação, sem que as criações fossem surgindo. E assim se inutilizaram quase todos os ovos (cerca de 50), apesar do nascimento de algumas pequenas aves... que desaparecerem logo no dia seguinte, comidos por algum animal daninho, ou mortos por lhes faltarem os cuidados de que tanto precisam nos primeiros tempos.

Surgiu, porém, a ideia de se experimentar a criação com galinhas com a supervisão de Tude de Sousa e, dando a uma 17 ovos a 4 de Maio de 1909, obtiveram-se 9 faisões a 29 do mesmo mês. Destes, morreram 4, criando-se 3 fêmeas e 2 machos, que mais tarde se juntaram aos mais velhos.

Devido a circunstâncias que se atribui principalmente à falta de cuidados do pessoal encarregado de tratar dos faisões, e a distância a que eles estavam, em Albergaria, que impedia uma continuada fiscalização superior, a mortalidade foi continuando por forma que, no fim do ano económico findo, dos 19 vindos de Inglaterra e dos 5 criados no Gerês, já não havia senão 1 macho e 5 fêmeas, das quais apenas uma fêmea era das primitivas e de cuja postura não vingou nenhum ovo.

As outras fêmeas, como só tinham 1 ano, não puzeram qualquer ovo, de forma que nennhum faisão se criou no ano económico de 1910-1911.

Parece poder-se concluir que o melhor processo é a criação por meio de galinhas, sob as vistas cuidadosas de quem pelo caso se interesse e tanto assim, que da única galinha deitada em 1910 se obtiveram 7 faisões em 1910 e em 1911 obtiveram-se também por meio de galinhas na criação poarticular de Tude de Sousa e sob os seus cuidados directos, criações de faisão dourado, lady e daly x dourado.

De rseto, as grandes criações em Inglaterra, França e na Alemanha, fazem-se à mão em grandes faisendeiras, sendo dali depois levados às florestas onde são caçados e onde, por ventura, depis alguma fêmea criará também.

A 19 de Fevereiro de 1911 um grande incêndio percorreu grande parte da encosta de Palheiros e vizinhanças. O fogo foi lançado ao mesmo tempo no Rio de Palheiros, uma das ravinas e encostas mais arborizadas de carvalhos e mais pitorescas, seguindo pelas Gramelas a Calvos; no Penedo Redondo, perto da Portela, e nos Vales, e no Rio Homem, junto da ponte de S. Miguel para o alto, estes três últimos pontos com pinhal de várias idades.

Os estragos foram maiores onde havia pinhal; no resto, por haver arvoredo de grande desenvolvimento e o fogo correr com lentidão, devido à época, passou sem causar tão grande dano.

A região de Palheiros tinha já sido toda queimada por um dos maiores incêndios nos terremos do Estado, em Agosto de 1901.  

Plantações

Encosta de Monção

- Pinus Laricio Corsica..............19120

Encosta do Rio do Forno

- Ulmus americana nigre............300

Cagademos (Chã do Pereiro)

- Cedrus atlantica.......................19

- Cupressus glauca.....................50

- Pinus sylvestris........................16595

- Pseudo-tsuga Douglassi (Colorado).20

- Pseudo-tsuga Douglassi (Sprusse)...50

- Sequoia gigantea......................70 (TOTAL 16804

Chã de Ranhado

- Pinus sylvestris.........................32599

Preguiça - Secelo

- Cupressus glauca......................100

- Pinus sylvestris.........................2600

- Betula alba................................18

- Castanea vulgaris......................24

- Fagus sylvatica.........................1830

- Fraxinus americana alba...........190

- Platanbus orientalis...................6

- Quercus pedunculata................610

- Quercus americana rubra.........450

- Ulmus americana nigra............80 (TOTAL 5908)

Rampa da estrada para Leonte (Campo das Palas e Vidoeiro)

- Aylanthus glandulosa................97

- Eucalyptus blobus.....................68

- Robinia pseudo-acacia..............103 (TOTAL 268)

Encosta do Zanganho

- Fagus sylvatica..........................2760

- Fraximus amaricana alva..........425

- Quercus penduculata................2520

- Quercus americana rubra..........497 (TOTAL 6202)

Encosta do Escuredo

- Quercus penduculata................100

- Pinus sylvestria........................11400 (TOTAL 11500)

Texto adaptado de "Mata do Gerês - Subsídios para uma Monografia Florestal" (Tude Martins de Sousa, 1926)

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Previsão meteorológica para Nevosa/carris (19 a 26 de Novembro)

 


A partir do dia 20 de Novembro, vai-se iniciar um «longo» período de tempo invernoso nas Minas dos Carris com vento, chuva e uma ínfima possibilidade de queda de neve.

sábado, 16 de novembro de 2024

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCXCIII) - Pé de Salgueiro

 


O Pé de Salgueiro, Serra do Gerês, visto na descida para o Colado da Preza.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

"Portugal: O Vermelho e o Negro"

 


Não é um livro relacionado com o Parque Nacional da Peneda-Gerês, mas é uma obra que nos ajuda a compreender a miséria que todos os anos assola o país no Verão.

"Portugal: O Vermelho e o Negro" é um livro da autoria do jornalista Pedro Almeida Vieira, editado pela Dom Quixote em Julho de 2006, mas apesar disso não deixa de ser actual.

Este é "um livro que revela a verdade amarga por detrás dos incêndios florestais em Portugal - ou seja, uma dolorosa realidade que governantes, autarcas e bombeiros não admitem... e, por isso, não querem alterar."

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCXCII) - "A grandeza da montanha é do tamanho do nosso assombro"

 


Não tenho muitas palavras para descrever esta fotografia que será, sem dúvida, a minha fotografia de 2024. Na imensidão granítica dos grandes espaços, o Pé de Cabril surge a coroar o conjunto de emoções que aqui se criaram neste momento contemplativo da Serra do Gerês. O alto de Corneda define parte da encosta da margem esquerda da Corga de Cagademos ao se despenhar nas Fragas de Corneda, escondendo partes da Mata de Albergaria que se embrulha em pequenas corgas e vales inacessíveis.

Para mim, uma fotografia que revela a grandeza da Serra do Gerês. Uma grandeza que não se mede em termos físicos, mas sim pelas emoções que nos provoca a cada momento que a percorremos e onde a sua grandeza é definida pelo tamanho do nosso assombro.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Previsão meteorológica para Nevosa/Carris (15 a 22 de Novembro)

 


Entramos na segunda quinzena de Novembro e os próximos dias não deverão trazer precipitação para as Minas dos Carris.

quinta-feira, 14 de novembro de 2024

As superstições em Vilarinho da Furna

 


Alcantilada por entre as encostas agrestes da Serra Amarela, Vilarinho da Furna constituía um «mundo à parte». Quase fechados sobre si próprios, os habitantes da aldeia desaparecida desenvolveram uma série de crenças e superstições que toldavam os momentos de relativa solidão nos dias mais escuros do seu longo Inverno.

No seu livro "Vilarinho da Furna - Uma Aldeia Comunitária" (reedição INCM, 1981), Jorge Dias leva-nos a conhecer o mundo supersticioso de Vilarinho da Furna. Transcrevo aqui esse texto...

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Vamos agora entrar no campo da superstição pura, naquela zona obscura da crença, que tem resistido séculos à acção da Igreja, e se mantém, ainda hoje, quase tão viva como outrora. Para bem compreendermos a mentalidade desta gente, devemos lembrar-nos que eles se encontram um pouco à margem da História; são como charcos parados em depressões das margens dum rio torrencial. O rio corre, uma vezes revolto e temeroso, outras vezes mais calmo e risonho, mas caminha sempre para o seu fim, que é o mar, enquanto os charcos lá ficam a reflectir as estrelas nas noites calmas de verão, ou perturbados pelas chuvas e ventos do inverno, mas praticamente fechados em si, quase que com destino próprio. Por isso, os habitantes destas regiões solitárias e agrestes, que vivem entre encostas rochosas e sombrias, onde o inverno pesa mais que o verão, cercados ainda por velhos bosques espontâneos, onde uma vida misteriosa pulula, não são facilmente influenciados pelas correntes do pensamento, ou da civilização. A civilização chega lá na forma de alguns instrumentos mais aperfeiçoados, ou de algumas fazendas da industria mais baratas, mas o seu espírito escapa-se-lhes. Do pensamento só chega o aspecto mais degradado e mercantilizado: o jornal. Mas, mesmo este, só o recebem um ou dois que emigraram, noutros tempos, e querem ainda ter a impressão de guardarem contacto com o mundo em que viveram. É, contudo, só a impressão, porque o meio é mais forte do que o indivíduo, e ao fim duns anos de luta o homem é novamente assimilado.

Colocado no meio duma paisagem grandiosa e esmagadora, o homem vive continuamente ameaçado por forças malignas e espíritos maus que é preciso aplacar. Não é naturalmente tão viva a crença nesses espíritos, como o foi há muitos séculos, mas é contudo ainda extraordinariamente viva.

Qualquer acto da vida tem o seu ritual, que muitas vezes se nos escapa, ou porque no-lo escondem, ou porque já se tornou imperceptível à força de repetido. Muitas práticas mesmo, já representam automatismo tradicional, e os homens esqueceram-se do seu significado primitivo. Pode-se dizer que a superstição forma uma longa cadeia, cujos primeiros elos já foram esquecidos, e só surgem ocasionalmente, embora se lhes tenha perdido o sentido, e em que os últimos se misturam inconscientemente com os valores da vida actual.

Como já dissemos, a superstição é a crença em certas forças que é preciso aplacar, ou chamar em auxílio do homem, ou que muitas vezes só se desejam interpretar.

A pseudo-ciência, que permite ao homem dominar essas forças, é a magia. Esta tem determinado mitos e dogmas, se bem que rudimentares, porque a magia tem sempre fins utilitários em vista, enquanto a religião se propões objectivos elevados e fins superiores. A magia visa, como dissemos, fins utilitários e práticos que, como é natural, variam segundo as profissões dos indivíduos e as circunstâncias em que eles se encontram, possuindo determinadas fórmulas para os diferentes casos.

Nós podemos dividir essas fórmulas em quatro tipos principais: agrícolas, medicinais, marítimas e eróticas. Em Vilarinho temos de excluir as marítima, que como é natural, não têm lá razão de existir. As fórmulas eróticas também quase não existem a não ser em pequena coisas, como as práticas da noite de S. João de que falamos abaixo. As mais importantes são as duas primeiras, pois, como camponeses, em primeiro lugar está a necessidade de proteger as colheitas, e como homens as de se defenderem pessoalmente contra as investidas dos espíritos malignos. A magia ten duas atitudes: uma passiva, de mera defesa contra o ataque, outra activa, em que procura aproveitar-se das forças existentes na natureza, para obter determinados fins. Segundo Frazer ("Les Origines magiques de la Royauté", Paris, 1920 - "L'Homme Dieu et l'Immortalité", Paris, 1928), a magia assenta em dois princípios do pensamento primitivo, a saber: primeiro, todo o semelhante atrai o semelhante, ou um efeito é semelhante à sua causa; segundo, as coisas que uma vez estiveram em contacto, continuam a exercer acção uma sobre a outra, mesmo que o contacto tenha acabado. Ao primeiro chama-lhe lei de semelhança e ao segundo lei de contágio ou contacto. Da primeira lei conclui-se que se pode obter efeito por simples imitação, da segunda, que aqui que se fizer a um objecto material, se faz à pessoa com quem ele esteve em contacto. Vê-se que os grandes princípios lógicos da magia, se reduzem a duas aplicações diferentes e falsas na associação da ideias.

As principais práticas supersticiosas neste povo de agricultores e pastores têm por fim proteger as colheitas, e relacionam-se com festas e ritos pagãos, hoje em grande parte confundidos ou misturados com práticas cristãs. As duas principais épocas são as dos solstícios, que coincidem com o Natal e o S. João. Como em muitas outras regiões da Europa, repetem-se aqui certos costumes, que não vale a pena enumerar por serem extensivos a todo o país. Além disso, a consciência pagã perdeu-se, e o que se festeja hoje é o nascimento do Menino Jesus e não dum novo ano que começa, assim como no S. João é também o S. João Baptista, e não a época da plenitude da vida e das colheitas.

Contudo, a superstição pode-se facilmente distinguir da religião propriamente dita, numa série de costumes ligados a festas cíclicas como: o Natal, os Reis, o Carnaval, a Páscoa, o S. João, etc.

Na noite de Natal, pela meia-noite, vêm à rua com um cavaco aceso tirado da lareira, para ver de que lado está o vento. Depois, conforme o resultado, sabem o tempo que vai haver durante metade do ano. Chamam-lhe as têmporas. Se vem do Norte, o ano é frio; não mata nem cria. Se é do Sul, o ano é quente. Se é do Nascente, vão ter chuva quente. Se é do Poente, vão ter chuva fria. Outros costumam ir às cortes do gado, a essa hora, ver para que lado estão deitados os bois e as vacas, tirando também daí conclusões do tempo. No S. João também se pode adivinhas o tempo por processos idênticos.

Nos Reis, costuma ir um grupo de rapaziada pelas portas cantar, e no dia seguinte vão pedir à porta de quem cantaram. Costume esse relacionado com antigas práticas pagãs.

Sobrevivências dum deus da vegetação, que em muitos lugares se sacrifica na forma do Judas (Jorge Dias, "A queima do Judas", in "O Nosso Lar", 1949, n.º 3), e que se supõe remontar aos tempos neolíticos (Richard Weiss, "Volkskunde der Schweiz, Erlenbach-Zurique, 1946, pág. 159), encontrámo-lo no forma do Pai Velho. O Pai Velho, é um boneco de palha vestido com roupas de homem, que no Domingo Gordo e na terça-feira de Entrudo costumam passear pelas ruas da povoação e pelo campo, dentro dum carro de bois. Atrás vai outro carro, enfeitado com flores e cheio de moças a cantar, acompanhado por uma ronda de rapazes, a tocar viola, concertina e cavaco.

No dia 1.º de Maio, também costumam pôr maias nas portas e janelas. Na véspera, seja muito ou pouco o serviço, vai sempre um de cada casa apanhar maias. Dizem eles, que é para comemorar o milagre que sucedeu quando Nosso Senhor andava perseguido e se refugiou numa casa de gente amiga. Um inimigo viu-o entrar na casa, e marcou-a com uma flor de giesta, mas no dia seguinte, quando veio com muito soldados para o matar, toas as portas e janelas estavam enfeitadas com maias, e ele não pôde reconhecer a casa em que Jesus se acolhera.

É bem sabido de todos que este costume tem raízes em ritos pagãos, cujo significado se perdeu entre o povo, mas que subsiste em muitos sítios e com outras formas, como o Maio Moço, as Rainhas de Maio, e a Árvore de Maio.

No dia de Páscoa, quando o Senhor visita as casas, costumam enfeitar as janelas com ramos de loureiro.

No S. João as moças sabem ler nas águas prognósticos de casamento, para isso deitam-lhe à noite um ovo, e conforme os desenhos que este fizer na água, assim será o seu destino. O orvalho da noite de S. João dá beleza aos homens e vigor aos velhos, e muitos esfregam-se com ele pela manhã cedo, antes do sol nascer.

Onde porém estas crenças são mais vivas é no respeitante à defesa do indivíduo perante os ataques dessas forças misteriosas, que umas vezes surgem na forma de doença estranha, ou de repente, quando de noite se vai por um caminho.

São as bruxas, os lobisomens e ainda espíritos indefinidos, que sob a forma duma sombra tolhem a pessoa de medo e a aniquilam. Até os próprios animais estão sujeitos a esses ataques. Para isso, os homens defendem-se com talismãs e amuletos de grandes virtudes. Ao pescoço das crianças com interites, vêem-se umas saquinhas, que contêm vários ingredientes, considerados como eficazes para afastar os meus espíritos. Um talismã muito usado contra os espíritos e contra os lobisomens é o sino saimão (signo Salomonis), que se vê gravado nas camas, nas cangas de bois e noutros lugares. As ferraduras de burro, ou de cavalo pregadas nas portas, também impedem a entrada dos espíritos, sobretudo às bruxas. Todos os actos dos homens devem ser calculados de maneira a evitar que o espírito se possa aproveitar da ocasião.

Um dia, vimos uma rapariga chegar-se a um rego de água, para se lavar. Primeiro lavou as mães, depois fez o sinal da cruz, e só depois disto é que começou a lavar a cara.

Quando uma pessoa fica tolhida por um susto, e não consegue depois encontrar sossegue nem saúde, tem de ser defumada, e para isso procura uma benzedeira, que põe umas brasas num caco, sobre as quais deita: alecrim, loureiro, sal, alho, bosta, fermentos, ruda, oliveira (falta um de que não se lembraram, pois são nove ingredientes).

Enquanto as brasas fumegam, a benzedeira dá três voltas à roda do padecente e diz: "assim como Nossa Senhora defumou o seu menino para cheirar, assim te defumo eu para sarar". E nomeia uma série de santos, apóso que está terminada a defumação.

Também se pode aproveitar a força mágica das benzedeiras para curar certas doenças, como, por exemplo: espinhela caída, ou pulsos abertos. Chama-se a isto, coser o pulso aberto. Quando alguém abre um pulso, procura uma mulher velha, que conheça as maneiras de talhar, e se chama benzedeira.

Esta põe um púcaro de água ao lume até esta ferver, em seguida pega no púcaro, que coloca de fundo para o ar dentro de um alguidar. Se o pulso estiver, de facto, aberto, a água sobre do alguidar para o púcaro, e então a benzedeira coloca sobre o fundo umas tesouras metidas num novelo de linha, com uma agulha e um dedal. O padecente estende o braço sobre o púcado enquanto a benzedeira vai dizendo: "Eu te coso", o padecente responde: "fios tortos". Depois de terem repetido isto algumas vezes, a operação está terminada e o pulso fica são.

(...)

Sobre libisomens e bruxas são inúmeras as histórias, aliás todas parecidas. A crença nos lobisomens é extensiva a grande parte do Mundo. Frazer diz que encontrou estra crença na Europa, na Ásia e na África (James George Frazer, "Le Trésor Légendaire de L'Humanité", Paris, 1925, pág. 41). Por todo o nosso País, assim como por muitas otras regiões da Europa, tivemos ocasião de deparar com gente que sabia histórias acerca dos lobisomens, que nas suas linhas gerais coincidem umas com as outras. Consiste o mito do lobisomem na crença de que certas pessoas, graças à magia, se podem transformar em animais: lobos, burros, bodes, etc., e que depois, a certas horas da noite, vão pelos campos e caminhos cometer desacatos e inquietar as pessoas e os animais. Quem ferir o animal em que a pessoa se transformou, fere ao mesmo tempo o feiticeiro e o encanto acaba, mas convém evitar ser salpicadp pelo sangue, pois podia-se também ficar lobisomem. São várias as explicações dos motivos por ques e fica lobisomem, mas é crença quase geral, que o feiticeiro o não é voluntariamente, e anda a cumprir um fado imposto pelo destino. Este destino actua de maneiras diferentes: ou o feitiço resulta da ordem do nascimento, isto é, quando num casal depois duma série de sete filhas nasce um filho, ou quando se é contaminado pela bada ou pelo sangue dum lobisomem. Reproduzimos aqui uma destas histórias que nos contaram em Vilarinho.

História do lobisomem

"À casa do pastor Cancela, vinha, às vezes, um lobisomem em forma de reixelo (bode), que perturbava a tranquilidade da casa, pondo os animais em sobressalto e causando prejuízos.

O Cancela, que era homem decidido e pouco para medos, escondeu-se, uma noite, entre o centeio, com um cuitelo (cutelo), e esoerou até o reixelo chegar. Quando este veio, e passou aos saltos perto dele, atirou-lhe o cutelo com tal força, que o chão no dia seguinte estava tinto de sangue; mas nem vestígios do reixelo nem do cutelo. O Cancela procurou e matutou no caso, durante muito tempo, mas por fim desistiu e esqueceu-se do sucedido.

Passados tempos, o Cancela foi comprar reses por outras terras e, na casa dum negociente de gado, viu um cutelo igual ao seu, o que o espantou bastante, pelo que perguntou ao homem, onde é que ele tinha adquirido aquele cutelo. Mas o homem não lhe respondeu, e convidou-o a comer com ele, indo-se ambos deitar em seguida.

No dia seguinte pela manhã, o home foi buscar a res (cabras) que o Cancela queria comprar, e não quis dinheiro pelos animais, dizendo que lhos dava em paga dele lhe ter quebrado o encanto, pois já não voltava a transformar-se em reixelo depois de o cancela o ter ferido."

A história, como se vê, não difere do tipo geral da lenda do lobisomem, simplesmente a ida de cumprir um fado, é aqui bem clara, pela expressão: quebrar o encanto. V~e-se perfeitamente que o lobisomem é um feiticeiro involuntário, e vítima de forças mágicas superiores e implacáveis.

É cusioso, que em épocas de grande exaltação da imaginação, como sucedeu durante a Idade Média, chegou a haver verdadeiros casdos de alucinação com carácter patológico, que a medicina classificou de licantropia, e que consistia em certas pessoas se convencerem de que eram lobos, e começarem a andar a quatro e a uivar como esses animais (Oliveira Martins, "Sistema dos Mitos Religiosos", Lisboa, 1922, pág. 322). Hoje a imaginação contenta-se em acreditar na existência de tais seres monstruosos.

As primitivas fontes germânicas já fala nos homens lobos, dotados duma força e ferocidade extraordinárias, crenças qua ainda subsistem (Werwolf ou Boexenwolf no ocidente da Alemanha central) entre outras populações rurais (Eugen Mogk, "Mitologia Nórdica", Coleccion Labor, 308, pág. 66).

As bruxas

Ao contrário dos lobisomens, as bruxas já não cumprem um fado, mas servem-se voluntariamente da magia para poderem exercer depois o seu poder sobre os homens.

A crença nas bruxas é também muito antiga e imensamente espalhada pela Terra, havendo épocas do ano, sobretudo nos dias de S. Tomás, S. João, véspera de Natal e segundas-feiras, em que são mais temíveis (James George Frazer, "Le Trésor Légendaire de L'Humanité", Paris, 1925, pág. 39), tendo todos de se acautelar das suas investidas.

Não há distinção clara entre buxa, feiticeira, mulheres de virtude, benzedeiras, etc. Crê-se em geral que as benzedeiras e as mulheres de virtude têm também o poder de se transformar noutros seres, mediante o conhecimento da magia, que possuem, e andam depois a chupar o sangue dos animais e das pessoas, a cometer toda a casta de desacatos, que por vezes podem ir até desgraçar completamente as pessoas. Nem sempre, porém, as benzedeiras têm o poder mágico de serem bruxas, nem feiticeiras, e o seu pode limita-se a aplicar fórmulas que conhecem para curar certos males, ou ajudar as pessoas. Já por aqui se vê, que há duas espécies de feitiços, os bons, e os maus. De facto, as feiticeiras podem ajudar a sarar os enfermos. e a afastar espíritos maus, ou podem aplicar a força mágica contra as pessoas, para as tolher, ou para as tornar presas de outras, como sucede com os filtros de amor, que têm a capacidade de tornar a pessoa que os toma irremediavelmente enamorada de quem lhos dá, mesmo que sejam pessoas velhas e horrendas. Em VIlarinho, e no nosso País, de maneira geral, só as mulheres têm estes poderes mágicos.

Os maus olhados são sempre lançados por mulheres, com feitiços, e só as mulheres conhecem bem a magia activa e sobretudo a magia má. Já Michelet dizia, que para cada feiticeiro há dez mil bruxas (Oliveira Martins, "Sistema dos Mitos Religiosos", 4.ª ed., pág. 214). Por isso, embora as pessoas precisem delas, e as procurem em momentos de aflição, são sempre temidas e odiadas, e em quase todas as épocas foram perseguidas. São seres que têm pacto com o Diabo, e cuja força mágica lhes vem de qualquer origem diabólica e terrível, e que renegaram toda a fé, o que não quer dizer, que em muitas povoações não enfileirem entre as beatas. O povo, serve-se de todos os meios para afugentar os seus feitiços: ramos de alecrim e arruda com uma tesoura aberta sobre o travesseiro dos filhos; rosários de cabeças de alho ao pescoço (também útil para preservar das bichas); figas como amuleto ou como gesto; chinelos velhso queimados; uma luz acesa sempre, desde que a criança nasce até que se baptiza; uma ferradura pregada na porta; meias calçadas do avesso; espada nua à cabeceira, etc. (Oliveira Martins, "Sistema dos Mitos Religiosos", 4.ª ed., pág. 316). Só assim se pode conseguir sossego durante a noite. Desde todos os tempos perseguidas, queimadas pelo Tribunal da Inquisição, às centenas, presas hoje pela polícia, elas continuam sempre as suas práticas mágicas, e continuarão apesar de toda a guerra que se lhes possa fazer, enquanto a população se não elevar a uma compreensão de vida mais perfeita, mais lógica e esclarecida.

A bruxa vive da concepção mítica da Natureza, que dá lugar a todas as crendices e temeores, e morrerá se o homem alcançar uma atitude de reflexão crítica perante o Mundo e a Vida. Porém, estamos ainda longe de chegar a tal idade, e hoje, como outrora, a bruxca predirá o futuro, defumará os tolhidos, coserá os pulsos abertos; levantará espinhelas e partirá louca pelos ares, cavalgando um engaço, para um sabbat longínquo e desvairado, onde se cevarão os espíritos enlouquecidos por uma imaginação histérica e infrene.

Em Vilarinho da Furna, como em muitos outros pontos do País, é esta mais ou menos a crença em tais seres míticos, dos quais se contam inúmeras histórias, que nada trazem de novo. Contarei, contudo, uma, que lá ouvi, como ilustração dessas crenças.

História das bruxas

"Um vaqueiro, chamdo Manuel Guedes, ia certa tarde pelo caminho das Laceiras, quando veio uma mulher montada num burro ao contrário; com a cara virada para o rabo e com muitas galinhas à volta dela.

Quando o Guedes se aproximou o grupo transformou-se em duas lindas mulheres, muito bem vestidas, que começaram a dançar à volta dele, e o queriam levar.

O Guedes alito benzeu-se, e tudo desapareceu como por encanto."

Aqui temos nós uma das muitas variantes destas histórias. Primeiro, a possibilidade das bruxas se transformarem em animais e noutras pessoas, como mulheres muito lindas. Depois, o aspecto estranho em que se apresentam; esta montada num burro ao contrário e com galinhas à volta. Por fim, o elemento de sedução: duas mulheres muito lindas, a dançar à volta do homem.

Como elemento último, o fim macabro de levar o homem com elas, para o fazerem vítima dos seus propósitos diabólicos. Contra esta força mágica, o homem aplica-lhe uma forma antídoto, que neste caso foi o sinal da cruz, e o feitiço desfaz-se como por encanto.

É uma cadeia de pensamentos míticos, de simplicade elementar, e sempre parecidos em toda a parte, mas que para a gente ingénua do campo, tem a força imensa do sobrenatural, que os apavora e ao mesmo tempo os atrai, pelo que este maravilhoso contém de riqueza de possibilidades ilimitadas. Enquanto que a imaginação trabalha sobre dados míticos, o seu campo é vasto, e promissor de todas as riquezas e venturas. Para um camponês a vida não começa e avaba limitada pelas necessidades da lavoura e da paisagem que o cerca. A cada momento pode surgir uma moura que lhe descubra uma riqueza fabulosa, ou uma feiticeira que lhe revele mundos e prazeres incomparavelmente superiores aos terrenos. No fundo, é isto que o citadino moderno procura, com o jogo e a lotaria, o cinema e muitas outras varinhas mágicas, simplesmente com muiti piores resultados.

Como acabamos de expor (...), o habitante de Vilarinho tem uma típica feição religiosa, com acentuada tendência para acreditar no mindo invisivel, que se oculta para lá das formas aparentes, não podendo en muitos casos estabelecer destinção nítida entre a religião e a superstição. O cristianismo foi muito mais rígido na luta contra a magia, do quer tinha sido o paganismo, mas ainda não foi capaz de a exterminar, pois, como atrás dissemos, a magia só pode ser destruída no dia em que o homem superar a atitude mítica perante a vida, o que é difícil. Portanto, nestas regiões, em que o homem vive numa fase mental mais simples e menos submetida à disciplina da causalidade lógica, não é de estranhar que a força da superstição demore a ser destruída. Porém, devemos acrescentar, que se a atitude supersticiosa é comum a quase todos, não quer dizer, que não haja na maioria uma elevação mental própria da concepção cristá do mundo. Enquanto pela magia o homem procura dominar directamente as forças ocultas nas coisas, para fins úteis, sem se elevar à noção de seruno e supremo, utilizando somente a vontade para conseguir os seus fins, a religião cristã ensinou-o a conseguir esses fins, rogand a Deus, de quem tudo e todos dependem.

Essa lição de humildade perante Deus, aprendeu-a bem o habitante de Vilarinho, que mostra, na sua crença, rasgos de elevada espiritualidade, aliados a um apuramento de certas qualidades humanas, que o distinguem bem do homem grosseiramente supersticioso.

Que admira se ele ainda acredita na magia. Não acreditam nela tantos, que vivem em contacto com o mundo moderno e dele parecem participar pelo seu exterior? Dez Caro Baroja que em Espanha se empregam amuletos no Século XX iguais aos pré-históricos, como, por exemplo, o «zinguiñarri» basco (Caro Baroja, "Algunos Mitos Españoles", 1944, pág. 269). Ora, segundo Frazer, a Idade-Média da Magia correspondia no espiritual à Idade da Pedra no material (Frazer, "L'Amme, Dieu et l'Immortalité", Paris, 1928), portanto, se no material ainda há sobrevivências, não admira que as haja no espiritual.

Lentamente, muito lentamente, todos estes pequenos mundos individualizados, mercê duma autarquia quase perfeita, vão cada vez estabelecendo mais contactos com o século, até que um dia cairão na órbita única, para que hoje se tende, na qual se apagarão todas estas singularidades de que aqui falamos. É talvez triste, para nós, ver desaparecer a riqueza multiforme de usos, costumes e tradições, que realçam e valorizam a vida. Mas, ninguém pode evitar a marcah lenta do tempo, e nossos dias bastante mais veloz, porque essa marcha é a da evolução da humanidade para um destino talvez mais lógico, mais racional e mais perfeito, em que se perde em pitoresco e emoção romântica, mas se espera ganhar em elevação humana e espiritual.

Texto adaptado de "Vilarinho da Furna - Uma Aldeia Comunitária" (Jorge Dias, reedição de 1981)

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Previsão meteorológica para Nevosa/Carris (14 a 21 de Novembro)

 


Os próximos dias trarão céus nublados e alguma chuva para as Minas dos Carris.

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCXCI) - Final de tarde de Outono no Vale do Alto Homem (II)

 


Os curtos dias de Outono e a palete de cores próprias da estação, oferece-nos cenários únicos na Serra do Gerês, tais como os finais de tarde no Vale do Alto Homem.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCXC) - A Corneda e a Mata de Albergaria

 


O alto da Corneda surge envolto em nuvens visto desde a Mata de Albergaria, numa paisagem outonal na Serra do Gerês.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

terça-feira, 12 de novembro de 2024

A sazonalidade no «Gerês»

 


Um dos problemas que aflige o concelho de Terras de Bouro, ou pelo menos parte dele, é a denominada "sazonalidade".

O Conselho das Finanças Públicas define a sazonalidade como "a presença de variações que ocorrem em intervalos regulares específicos inferiores a um ano, tais como a frequência diária, semanal, mensal ou trimestral. A sazonalidade pode ser causada por vários fatores, como o clima, os períodos de férias, fins-de-semana e feriados, e consiste em padrões periódicos, repetitivos, geralmente regulares e previsíveis nos níveis de uma série cronológica."

Aparentemente, o turismo na Serra do Gerês, ou pelo menos em parte dela, sofre desta «grave» síndrome desde sempre. O ambiente começa a «mexer» em Maio, mas em meados ou finais de Setembro, os números do turismo caiem e é ver restaurantes a fechar, hotéis e alojamentos encerrados. A vila termal regressa a uma tranquilidade por muitos indesejada... ou talvez não.

Há já vários anos que a promoção turística é baseada nas cascatas e lagoas, enquanto o resto do ano vai-se aguentando como se pode. Porém, a realidade da segunda quinzena de Setembro ou mesmo o mês de Outubro mostra que poderia ser diferente.

Sim, a sazonalidade afecta outra regiões de montanha não só em Portugal como noutros países. Veja-se o exemplo do Parque nacional dos Picos de Europa onde os meses de Inverno levam muitos restaurantes e estabelecimentos hoteleiros a fechar. Mas, por que é que isso acontece? Bom, acontece porque o acesso à montanha torna-se impraticável para muitos, pois os carreiros e estradas de montanha estão encerradas por metros de neve. Mesmo assim, o afluxo turístico é constante (apesar de baixo), o que leva o sector do turismo a fazer umas férias em Janeiro.

A montanha está lá, sem cascatas, sem lagoas e é sempre um destino turístico todo o ano.

O que se passa por cá? A fotografia em cima mostra o estacionamento da Portela do Homem no dia 10 de Novembro de 2024. Um dia cinzento e com alguma chuva. No entanto, quem encheu o estacionamento não estava ali para usar as cascatas e lagoas do Rio Homem. Estava ali para ver um produto ignorado nas festas de Maio, ignorado pela promoção turística do concelho: a Mata de Albergaria no Outono ou as montanhas do Gerês. E eram «muitas» as pessoas que caminhavam pelos bosques apreciando a beleza natural da Serra do Gerês, e apesar de «muitas» quase que nem se notavam. Estas pessoas vieram visitar o Parque Nacional, não vieram para a praia...

Quando pertenci a uma associação de promoção turística do Gerês cheguei a sugerir a ideia de se fazer um Festival de Outono na Mata de Albergaria para de certa forma atrasar a maldita sazonalidade. Fui ignorado. Cheguei a sugerir a promoção de um turismo de Inverno numas montanhas nas quais se pode caminhar, mesmo com dias de neve. Não quiseram saber. Interessam festas de bruxedo sem qualquer base na cultura do território e outras que tais.

Infelizmente, dá-se primazia a um turismo desordenado, medíocre e que não respeita o território. O "Gerês" é sempre visto como um destino que deve ser barato e que deve oferecer as condições do Mónaco ou das praias de Ibiza. O resultado está à vista com visitantes que não se respeitam e não sabem respeitar.

Assim, continuaremos felizes e contentes, mas sempre a queixarmos da sazonalidade que podemos diminuir... todavia não queremos.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Previsão meteorológica para Nevosa/Carris (12 a 19 de Novembro)

 


Os próximos dias irão trazer uma mudança no padrão meteorológico com um acentuado arrefecimento e precipitação. Com a linha de congelamento acima dos 1.800 metros de altitude, será pouco provável a queda de neve.

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCLXXXIX) - Final de tarde de Outono no Vale do Alto Homem (I)

 


Os curtos dias de Outono e a palete de cores próprias da estação, oferece-nos cenários únicos na Serra do Gerês, tais como os finais de tarde no Vale do Alto Homem.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Paisagens da Peneda-Gerês (MDCLXXXVIII) - Poço da Ponte Feia no Outono

 


O Poço da Ponte Feia, Mata de Albergaria - Serra do Gerês, na sua paisagem de Outono.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Livro fotográfico "Parque Nacional da Peneda-Gerês"

 


O livro fotográfico "Parque Nacional da Peneda-Gerês" foi editado em 1976 pela Associação Fotográfica do Porto e reúne fotografias de sete fotógrafos: Alberto Rio, Fernando Oliveira Pinto, António Campos e Matos, Mário Oliveira, João Menéres, António Ricardo Fonseca e Manuel E. A. Sousa, com realização gráfica de João Menéres.

É um trabalho dedicado e em homenagem ao então «quase recém» criado Parque Nacional da Peneda-Gerês e constitui um verdadeira janela para os primeiros anos do PNPG.


Previsão meteorológica para Nevosa/Carris (11 a 18 de Novembro)

 


Temperaturas a descer e possibilidade de precipitação nas Minas dos Carris nos próximos dias.

domingo, 10 de novembro de 2024

Caminhada pelos "Segredos da Albergaria"

 


A caminhada interpretada "Segredos da Albergaria" é promovida por RB Hiking & Trekking como uma forma de divulgar a importância da preservação do património natural e histórico existente na Mata de Albergaria.

Sendo um dos maiores tesouros naturais que existe no Parque Nacional da Peneda-Gerês, a Mata de Albergaria é classificada como reserva biogenética pelo Conselho da Europa em 1988.

Embora existam outras manchas de carvalhal importantes no Parque Nacional – Castro Laboreiro, Mata do Cabril, Beredo e Rio Mau – a Mata de Albergaria distingue-se pela sua extensão e por ser única em Portugal, uma dos mais bem conservadas da Península Ibérica, ocupando uma área de 1.371,3 ha na Serra do Gerês, ao longo do vale do Rio Homem e dos seus tributários.


A Mata é em si um bosque climácico dominado pelo carvalho-alvarinho, mas onde surge também o carvalho-negral bem como outras espécies características dos carvalhais galaico-portugueses que constituíam a vegetação primitiva da grande parte do noroeste português.

A caminhada "Segredos da Albergaria" tem início na Portela do Homem. Aquilo que hoje vemos na Portela do Homem está muito longe do cenário de há pouco mais de 100 anos. O topo do Vale de S. Miguel foi aterrado, sendo aí construído os edifícios fronteiriços. Já nada resta das construções anteriores e alguns dos marcos miliários ali existentes podem ter sido trazidos de outros lugares (pois as numerações de milhas não correspondem àquele lugar) ou sendo ali mesmo uma zona de fabrico desses mesmos marcos.




Seguindo pelo que terá sido parte do traçado da Geira Romana, envereda-se pela frondosa mata, percorrendo inicialmente o Vale de S. Miguel e passando no Curral de S. Miguel (da vezeira de Vilarinho da Furna). Mais adiante, surgem as ruínas das antigas casas da Guarda Fiscal e um pouco mais adiante os restos do lajeado da estrada romana. Adentrámo-nos mais no bosque e chegamos às margens do Rio Homem, já perto da (nova) Ponte de S. Miguel, onde ainda se vislumbram os restos da antiga ponte romana destruída em 1640.

O caminho vai-nos levar depois a passar pela Milha XXXIII na Ponte Feia, passando ao lado das tristes ruínas do Abrigo de Montanha do Académico F. Clube. Aqui, vale a pena a visita à Ponte Feia com vista para o poço do mesmo nome.

Prosseguindo no traçado da Geira Romana, chegámos aos Viveiros da Albergaria e aos restos de duas outras pontes romanas sobre o Rio do Forno e Rio de Maceira.

O regresso é feito pelo Curral de Albergaria e Rio do Forno, baixando depois para a Ponte Feia e seguindo pelo Curral de S. Miguel.







Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)


Paisagens da Peneda-Gerês (MDCLXXXVII) - Detalhes de Outono (II)

 


Detalhes de Outono na Mata de Albergaria, Serra do Gerês.

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

sábado, 9 de novembro de 2024

374... Caminhada às Minas dos Carris pelo Vale do Alto Homem

 


Caminhada interpretada às Minas dos Carris organizada por RB Hiking & Trekking ao longo do Vale do Alto Homem.

O texto que aqui utilizo já foi por muitas vezes utilizado neste blogue. Assim, se se recordam de já ter lido a descrição da subida ao longo do Vale do Alto Homem até ao complexo mineiro dos Carris, podem ser ver as figuras...

A caminhada às Minas dos Carris pelo Vale do Alto Homem

O percurso para as Minas dos Carris inicia-se a uma altitude de 720 metros e rapidamente nos apercebemos que não será um caminho fácil para os mais desprevenidos. A sua dificuldade vai aumentando ao longo do percurso não tanto pela inclinação, mas mais pelo estado do próprio caminho. Em quase 9,8 km de extensão, este é na sua maioria composto por pedra solta que dificulta a progressão. São escassas as extensões em que o terreno é suave.

Na quase totalidade do seu comprimento o trilho é acompanhado pelo Rio Homem e o seu rumor por entre as rochas acompanha-nos quase sempre.

Convém salientar que o caminho para as Minas dos Carris está inserido num vale de extrema importância para o Parque Nacional da Peneda-Gerês e que está integrado numa das duas áreas de protecção total existentes naquela área protegida, logo convém solicitar uma autorização ao Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.




Tenho por hábito dividir o percurso em duas partes que considero de dificuldade distinta. A primeira parte termina no que eu considero ser a metade do caminho na ponte junto do Cabeço do Modorno e após se ter vencido já cerca de 300 metros de altitude por entre pedra solta e alguma vegetação. A fase inicial da segunda parte do percurso é muito semelhante à primeira parte, mas este vai-se tornando mais suave há medida que nos aproximamos da Ponte das Águas Chocas, sendo um caminho mais fácil a partir daí e até ao final do planalto onde se inicia a subida final para o complexo mineiro, passando nas Abrótegas e já na Corga da Carvoeirinha. A passagem pela Ponte das Abrótegas é muito fácil e somos presenteados por uma paisagem única que nos leva desde o alto de Lamas de Homem até às alturas do Altar de Cabrões já na raia.

No início dos anos 90 ainda era possível observar ao longo do Vale do Alto Homem uma linha de postes de madeira sobre os quais assentava o cabo metálico do telefone, que permitia as comunicações com o complexo mineiro. Nos nossos dias são raros os sinais, ao longo do caminho, daquilo que mais tarde iremos encontrar no sopé dos Carris. Tirando os trabalhos mais «recentes» levados a cabo pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês, com o objectivo de melhorar o caminho para a reflorestação de zonas de alta montanha, é possível observar, mesmo no início do percurso, conjuntos alinhados de rochas que marcam o que então foi uma estrada em terra batida que permitia a passagem de camiões para o transporte do minério e não só. Como curiosidade, posso referir que no início da sua construção existia um pequeno caminho que ligaria a Portela de Leonte ao complexo mineiro e pelo qual as largas telhas que iriam cobrir as casas mineiras e outros elementos, eram transportadas em ombros pela quantia de 25$00 nos idos anos 40 do século XX.




Ao longo do caminho vamos observando um ou outro pequeno muro, ou um ou outro alinhamento de pedras que nos podem sugerir a existência de uma rude estrada serrana. O primeiro sinal sólido da existência de algo mais complexo na serra, surge-nos junto da zona que dá pelo nome de ‘Água da Pala’. Aqui, e já coberta pela vegetação, observamos à nossa esquerda uma área delimitada por um pequeno e baixo muro. Em tempos terá servido de curral para abrigo dos rebanhos. Do lado direito podemos observar, também por entre a vegetação, uma pequena construção com tijolos de cimento que nos dá a ideia de ser uma pequena guarita, mas que já foi referenciada como um pequeno abrigo dos cantoneiros que mantinham o estradão em estado de circulação. Esta zona antecede uma ponte de pedra e é extremamente peculiar e bucólico.

Na Água da Pala iniciava-se um carreiro de pé posto que atravessava o Rio Homem e subia ao longo do rio pela sua margem direita no sopé da Encosta do Sol até atingir o topo do Cabeço do Modorno, algumas centenas de metros após atravessar novamente o Homem sensivelmente à cota de 1050 metros de altitude. Não havendo registos cartográficos deste trilho em direcção a Carris, documentos fotográficos atestam a sua continuação para as zonas mais elevadas da serra. Quem observa a Encosta do Sol a partir da Água da Pala, terá a sensação de ainda poder vislumbrar o traçado deste pequeno trilho que, sem dúvida, nos proporcionaria uma visão distinta do vale. Porém, e após várias tentativas de observar no terreno a sua progressão, cheguei à conclusão de que este trilho já desapareceu e será extremamente difícil tentar seguir o seu antigo percurso, senão mesmo impossível.




Após passar a Água da Pala, o percurso entra numa zona mais plana. Até aqui, e olhando para a nossa direita, temos a oportunidade de observar os picos escarpados que delimitam os Prados Caveiros. Esta fase mais plana do trilho segue pela Ponte do Cagarouço sobre a Ribeira do Cagarouço, um pequeno afluente do Rio Homem que parece surgir das escarpas da Ravina do Cabeço da Porca. É nesta fase que o caminho se volta a inclinar ligeiramente e ouvimos o rugido do jovem rio a poucos metros de distância. Por entre a vegetação é por vezes fácil ter um olhar sobre lagoas que no Verão são sempre uma forma de retemperar forças.

O trilho ultrapassa a cota dos 1000 metros de altitude, a poucos metros de entrarmos numa fase do caminho onde vamos superar vários metros de altitude em pouca distância, ultrapassando assim um bom declive. Em Carvalhas Vrinhas, o percurso flecte para a direita no que são conhecidas como as ‘Curvas do Febra’ e em pouca distância subimos 30 metros em altitude antes de flectir para a nossa esquerda. Nesta parte do caminho podemos ter uma imagem do Vale do Homem só superada pela paisagem que nos aguarda poucos metros após a passagem da Ribeira do Modorno. Poucos metros mais à frente entramos numa parte do caminho que é ladeado, à direita, por uma parede sólida de granito e, à esquerda, por uma queda de 50 metros que termina no Rio Homem. O declive aqui é acentuado e notório, mas o esforço para chegar à meia distância merece a pena.




Somos chegados a meio do caminho e o descanso na Ponte do Modorno é merecido. A água da ribeira é sempre fresca e corrente, mesmo no Verão. Ao entrar neste pequeno vale temos a visão de uma pequena queda de água por debaixo da ponte e são poucos os que resistem a uma fotografia. Situados na ponte em direcção ao final do vale, por onde vemos o Rio Homem, temos à nossa direita o imponente Cabeço do Modorno, uma escarpa granítica que atinge os 1317 metros de altitude. Conheci todas as pontes até ao Modorno já em cimento, mas o meu fascínio por estes espaços começou a ser despertado pelas velhas pontes de madeira que antigamente permitiam a passagem célere e um tanto ou quanto aventureira.

Logo após abandonar a Ponte do Modorno e seguindo o velho caminho mineiro, vamos encontrar uma das mais fantásticas paisagens que a Serra do Gerês e o Parque Nacional têm para nos oferecer. É com deslumbre que observamos o Vale do Alto Homem e a forma como este se projecta no céu. O seu delimitar pelos picos das serras leva-nos a imaginar, sonhar um mundo antigo. É aqui que nos começam a faltar as palavras... Ao longe vemos a Serra Amarela e com bom tempo facilmente se vislumbram as antenas do Muro localizadas em Louriça, bem como o Alto das Eiras e a Cruz do Touro, já nos extremos Geresianos, ou a magnificência da Quelha do Palão e da Água dos Vidos. Saindo do pequeno vale da Ribeira do Modorno entramos novamente no vale do Alto Homem e logo ali à nossa frente observamos uma estreita queda de água com uma altura superior a 110 metros, a Água da Laje do Sino. Toda este zona nos dá paisagens deslumbrantes em, ou após, dias de chuva com as paredes rasgadas pelos cursos de água que se precipitam no vale, ou então nos frios dias de Inverno com a imagem das quedas de água geladas que se amarram às paredes graníticas.




Prosseguindo ao longo do vale vamos ganhando altitude, atingindo os 1200 metros de forma suave. Nesta fase o trilho chega a complicar-se devido ao estado do «pavimento». O Rio Homem é, nesta fase, constituído por uma série de pequenos ribeiros que têm origem nos inúmeros vales que golpeiam o topo da serra. Aos 1200 metros de altitude, na zona do Teixo, o trilho flecte ligeiramente para a direita seguindo um dos pequenos riachos que, juntamente com o riacho do Corgo dos Salgueiros da Amoreira, irá mais tarde formar o Rio Homem. O caminho segue a base da Rocha da Água do Cando, passando pela Ponte das Águas Chocas (1285 metros) e entrando nas Abrótegas até atingir a Ponte das Abrótegas (1325 metros). As Abrótegas definem, juntamente com o Outeiro Redondo, um pequeno planalto que é atravessado pelo trilho até atingir e seguir ao longo da base do contraforte de Carris. Foi neste planalto onde esteve montado nos dias 17 a 19 de Setembro de 1908 o acampamento da primeira expedição venatória levada a cabo na Serra do Gerês. Neste planalto têm origem vários trilhos de pé posto, sendo o mais interessante aquele que segue para as Minas das Sombras (Galiza, Espanha) e para os Cocões do Coucelinho (através das Lamas de Homem) e, mais tarde, Mina de Borrageiros e Lago Marinho.

Na Ponte das Abrótegas somos interrogados por umas peculiares construções semelhantes a pequenos pilares de rocha e cimento que tinham essa mesma função. Estas construções serviriam de ponto de apoio, certamente de uma conduta metálica para transportar água desde uma pequena represa ali existente até à lavaria nova situada no topo da Corga de Lamalonga. A paisagem aqui permite-nos observar o marco geodésico de Carris (1508 metros), o Altar de Cabrões ou Altar dos Cabros. Neste planalto podemos também observar vários currais destinados às pastagens de altitude (Curral das Abrótegas e Curral de Cabanas Novas) e à transumância ainda levada a cabo na Serra do Gerês.




A zona das Abrótegas permite o descanso antes da subida final, verdadeiro calvário para quem já está cansado da subida. Ao percorrer o início da subida, um pormenor passa despercebido à quase totalidade das pessoas. Logo no início do declive a antiga estrada dividia-se em duas, com uma a seguir a direcção do Salto do Lobo, local onde decorreram as primeiras extracções de volfrâmio tirando partido do aluvião vindo da Corga da Carvoeirinha. No terreno é difícil vislumbrar sinais desta parte da estrada e só andando alguns metros no caminho principal que segue em direcção à mina, e depois olhando para trás, é que se vê a antiga estrada já coberta de vegetação. Nesta área não existem construções ou edifícios, exceptuando uma ou outra pequena construção de pastores (os formos) ou outros abrigos. Esta zona provavelmente teria o apoio de edifícios de madeira dos quais não existem quaisquer sinais. Por esta zona deveria passar uma conduta de água que teria a sua origem numa pequena represa próximo da Ponte das Abrótegas e que, apoiada em pilares feitos com aglomerados de pedra, atravessava o pequeno planalto para lá das Abrótegas. Mais pilares são visíveis no extremo deste planalto, que serve de pastagem de altitude ao gado que nos meses da vezeira passeia pela serra, já próximo do caminho antes deste flectir para a esquerda para iniciar a subida final. Seguindo o prolongamento deste caminho secundário e depois entrando em trilhos de pé posto, chega-se às Minas dos Carris pela sua zona inferior junto da lavaria nova, no extremo topo do vale da Corga de Lamalonga.

A parte final da estrada vence um declive de 70 metros ao longo da Corga da Carvoeirinha e sem dúvida que é para muitos a parte mais complicada de todo o trajecto. No entanto, o final do árduo caminho é sempre uma motivação forte para vencer estes últimos metros.

No troço final o declive torna-se menos intenso, com a estrada a tornar-se quase plana mesmo a chegar ao muro que delimitava a entrada no complexo mineiro dos Carris.












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