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quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Os trabalhos dos Serviços Florestais na Serra do Gerês em 1909-1910 (parte II)

 


Esta é a segunda parte do artigo sobre os trabalhos realizados pelos Serviços Florestais na Serra do Gerês no ano económico 1909/1910. A primeira parte pode ser lida aqui.

Tendo ocorrido em Dezembro de 1909 grandes temporais por todo o país, foi solicitado aos serviços presentes no Gerês a elaboração de uma informação sobre todos os efeitos desse mesmo temporal na Serra do Gerês. Esta informação foi enviada a 31 de Janeiro de 1910...

O período de intensas chuvas que teve o seu término nos últimos dias de Dezembro, com consequências desastrosas em todo o território - sobretudo as zonas banhadas pelos rios Tejo e Douro - passou pelo Gerês sem deixar más consequências, nem nada de perdurável, pois nada originou de anormal.

Não foram registados desmoronamentos, enxurradas ou mesmo árvores arrancadas, como seria de esperar pela violência do temporal; apenas aqui e ali se registou uma quebrada de monte e uma ou outra rara árvore caída, o que, aliás, não causou qualquer estranheza, até porque casos destes já tinham ocorrido de maior vulto.

Porém, foi referido que, "é possível que nas regiões altas e mais afastadas da serra, onde agora não é possível ir, houvesse alguma grande desagregação de monte, devida à completa desnudação em que ainda se encontra e onde a acção corrosiva das águas poderia operar intensamente, mas na bacia do rio, que vem de Leonte ao Cávado e na vertente de Leonte ao Homem, e no curso deste rio, desde a sua nascença, até ao ponto em que sai do Perímetro Florestal do Estado, nada se produziu de extraordinário: as ravinas cresceram abundantemente, despejando-se nos vales, onde as águas encontravam os seus cursos de derivação para os grandes rios, mas a queda das águas fazia-se e faz-se sempre sem desmandos, porque todas as ravinas destas vertentes são fartamente arborizadas."

Por esta mesma razão, as encostas - quase todas revestidas nas vertentes dos rios Gerês e Homem - estabelecem já bem a regular distribuição das águas pela superfície do terreno, não produzindo arrastamento notável de terra ou de pedras, como acontecia ainda não há muitos anos, o que levava à inundação dos campos de cultivo situados a altitudes mais baixas.

Nas Caldas do Gerês estas situações eram, então, bem recentes, bem como era o efeito produzido na povoação pelo estrondo originado pelo choque de grandes rochas que eram arrastadas rio abaixo.

Este arrastamento de pedras ainda se produzia nesta altura, porém, não de pedras que provinham da montanha, mas das que o rio tinha no seu leito e que a pouco e pouco vão rolando à mercê das fortes cheias que aconteciam. No entanto, este facto era explicado pelo grande desnível e curta distância que o rio percorre entre Leonte, onde se encontra a sua nascente, até à sua entrada no Cávado. 

Curiosamente, e para evitar a possível ocorrência de "perigosas corrosões e escavações futuras" chegou-se na altura a sugerir a construção de "uma série de sólidas barragens que se estabelecessem desde a extrema sul do Perímetro até à Mijaceira e Água de Mourô, que é onde começam a afluir as ravinas que mais água trazem ao rio."

"Não permite a ignorância e a teimosia dos povos vizinhos afirmar que eles creiam na utilidade dos trabalhos florestais, sob este ponto de vista especial, mas é certo também que bastantes indivíduos há já, que veem, sentem e reconhecem esses benefícios e os confessam."

Por esta altura, as encostas de Nascente e de Poente, desde a extrema Sul até às vizinhanças do maciço de Leonte, estavam quase todas completamente revestidas de sementeiras de penisco de diferentes idades, caminhando do vale para os altos, e de arborização espontânea, esta sobretudo nas ravinas; a bacia de Leonte ao Homem e Portela tem bastante arborização natural e alguma sementeira, e as vertentes do Homem - aparte do percurso de S. Miguel até à sua origem e daí para diante, tinham por igual muito arvoredo, devendo assinalar-se o grande maciço de Bargiela e a encosta de Palheiros, onde todas as grandes clareiras estavam ocupadas por pinhal.

Curiosamente, já nesta altura Tude Martins de Sousa apontava uma diferença que ainda nos nossos dias é evidente: "Da Portela do Homem e em grande parte da linha divisória do reino desce sobre a Galiza a vertente espanhola da serra do Gerês, que está nua e onde os incêndios são continuados no verão, o que para nós constitui uma péssima vizinhança."

As fortes chuvas de Dezembro afectaram de forma significativa o Xurês, pois "ali houve desastres importantes e a pequena povoação de Vila Meã, que fica em baixo no vale, teve prejuízos calculados em mais de 2 contos de reis. Duas pontes perto de Vila Meã (...) que ficavam sobre pequenos rios que correm da Portela do Homem e do Altar de Cabrões, foram arrastadas na corrente e o vale e muitos campos ficaram inundados."

Não se pode dizer que os dias que noutros pontos do país ocorreram desastres devido às fortes chuvas, fossem no Gerês os de maior pluviosidade. O Posto Meteorológico da mata acusou 44 mm de água no dia 23 de Dezembro, quando já nos dias 17, 19 e 20 havia registado - respectivamente - 50, 59 e 64 mm.

A temporada de chuvas foi de facto longa, começando a 27 de Novembro, foi interrompida até 12 de Dezembro, faltando os dias 13 a 15 para continuar até 25 de Dezembro, parando depois até ao fim do mês.

No seu relatório, Tude de Sousa remata com a referência a uma enxurrada na ravina da Galeana que, saindo do seu curso no ponto onde ela entra no terreno particular de Emílio Biel, que atravessa, veio abrir caminho na encosta e cortar em baixo a estrada real entre Braga e o Gerês. Porém, este incidente ocorreu devido ao facto de a abertura da parede da propriedade do alemão, além de insuficiente, se ter tapado com paus e ramadas, e a água, não encontrando ali a sua corrente natural, parou e depois, encostando-se à parede, veio-lhe cavando os alicerces, lançando-a por terra, causando assim alguns prejuízos ao proprietário do terreno e menos à mata do Estado.

As alturas máximas que atingiu a água nos rios Gerês e Homem, acima do seu curso normal, foram, respectivamente, 1,85 metros e 4 metros, medidas tomadas sobre rocha e o cunhal onde assenta a ponte junto do Estabelecimento Termal (Rio Gerês)  e sobre rocha na Ponte Feia (Rio Homem).

Texto adaptado de "Mata do Gerês - Subsídios para uma Monografia Florestal" (Tude Martins de Sousa, 1926)

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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