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sábado, 12 de outubro de 2024

Os trabalhos dos Serviços Florestais na Serra do Gerês em 1910-1911 (parte I)

 


O silvicultor Lopes Vieira fez apenas duas visitas ao Gerês, interessando-se, porém, muito pelos seus trabalhos. Os Serviços Florestais no Gerês tiraram muito partido dos conhecimentos de Lopes Vieira, que era tido como um técnico inteligente e sabedor. Infelizmente, a sua morte em 1907, nas condições inesperadas em que ocorreu, fez com que se quebrasse a cooperação recíproca que se esboçava para o futuro do Gerês.


José Lopes Vieira


No entanto, Lopes Vieira havia esboçado algumas ideias para o futuro dos Serviços Florestais no Gerês, nomeadamente à forma como seriam aproveitados os espaços existentes no Vidoeiro e nas Palas.

O local escolhido para centro de reunião e saída de todos os produtos da mata era o campo denominado das "Palas", que se encontrava encravado entre terrenos da Mata Nacional e em continuação do campo do Vidoeiro, até à cascata do Torgo. Este terreno era pertença de Serafim dos Anjos e Silva.

Ali viriam, no futuro, dar todos os caminhos os caminhos principais, ali passava a estrada real para a Portela do Homem e ali se estabeleceriam oficinas e outras dependências - algo que ainda acontece nos nossos dias com as actuais instalações do Parque Nacional da Peneda-Gerês - havendo ainda terreno próprio para prados, de onde se obteriam ervas para os animais de serviço.

As quedas de água do Torgo e do Rio da Figueira permitiriam a criação e aproveitamento da força ou energia eléctrica para iluminação e outros serviço.

Na altura, ficou feito o estudo destas quedas de água, desenhando-se plantas e esquemas de futuras instalações, levantando-se também a planta dos campos das Palas.

Era então intenção propor a expropriação destes campos, que seriam todos os terrenos que, do Vidoeiro para cima, possuía também Serafim dos Anjos e Silva, devendo o pagamento efectuar-se em uma ou duas anuidades.

Este era um assunto de especial atenção e estudo, porém, não pode o silvicultor Lopes Vieira diligenciar, sequer, a compra daqueles campos, cuja utilidade tanto a tempo soube ver e advogar. Porém, lançada a ideia, não caiu no definitivo esquecimento, embora só mais tarde se viesse a efectivar: as condições especiais da sua situação, os direitos a usos de águas que possuíam e ainda outros requisitos impunham, por isso, a sua aquisição.

Assim, de facto, em 1910 e por necessidade de terras para construção de alojamentos para o gado suíço e de terrenos de criação de pastos, esteve no Gerês o Director Geral da Agricultura, conselheiro Alfredo Carlos Le-Cocq, grande amigo da serra e dos seus progressos florestais e pecuários, acompanhado de outros altos funcionários, para examinarem os campos do Vidoeiro e Palas.



Alfredo Carlos Le-Cocq


Pedro Roberto da Cunha e Silva

Após a visita à Serra do Geres, e concordando todos na conveniência da aquisição dos referidos terrenos, encarregou-se de tratar das respectivas negociações com o proprietário, que anuiu em fazer com o Estado o acordo que consta do termo de expropriação a seguir transcrito:

Termo de expropriação amigável entre o Estado, representado pelo Inspector dos Serviços Florestais, Ex.mo Sr. Pedro Roberto da Cunha e Silva, e Serafim dos Anjos e Silva e mulher, Joaquina Pereira Gonçalves, proprietários, residentes no Gerês, freguesia de Vilar da Veiga, do concelho de Terras de Bouro.

Aos 12 dias do mês de Setembro de 1910, na secretaria dos Serviços Florestais do Gerês achando-se presente o Ex.mo Sr. Administrador do concelho de Terras de Bouro, Adriano Augusto Leite Ribeiro, comigo Manuel Joaquim Martins, amanuense da administração do mesmo concelho, servindo de secretário, e as testemunhas adiante nomeadas, compareceram como outorgantes por um lado o Ex.mo Sr. Inspector dos Serviços Florestais, Pedro Roberto da Cunha e Silva, representando o Estado, nos termos do despacho do Ex.mo Ministro das Obras Públicas de 2 do corrente e por outro lado Serafim dos Anjos e Silva e mulher Joaquina Pereira Gonçalves, proprietários, residentes no Gerês, freguesia de Vilar da Veiga, do concelho de Terras de Bouro. E perante as testemunhas abaixo mencionadas, foi pelos referidos outorgantes declarado e pactuado o seguinte:

1.º - Declaram os seguintes outorgantes Serafim dos Anjos e Silva e mulher Joaquina Pereira Gonçalves, que são senhores e possuidores dum terreno com superfície de 14 hectares e 510 metros quadrados compreendendo diferentes leiras de lavradio com árvores de vinho, cortes de gado, devesas e tomadas de mato, sito no lugar do Vidoeiro da freguesia de Vilar da Veiga, nas duas margens do Rio Gerês, cujas confrontações são as seguintes: - Pelo Norte a Mata Nacional, pelo Nascente a mesma mata e a estrada real do Gerês à Portela do Homem, pelo Sul terreno de José Maria dos Santos, Mata Nacional e antigo caminho do Gerês para Leonte e pelo Poente a Mata Nacional e a Sociedade de Melhoramentos do Gerês, como se vê da planta junta que ficará fazendo parte integrante do presente termo de expropriação e vai ser rubricada pelo Ex.mo Administrador do concelho, por mim secretário, outorgantes e testemunhas.

2.º - Que nos termos do artigo 42.º do Decreto de 24 de Dezembro de 1901 que organizou os Serviços Florestais e em conformidade com o artigo 4.º, § 2.º do Regulamento de 24 de Dezembro de 1903, o Estado resolveu expropriar os referidos terrenos para serem submetidos ao regimen florestal.

3.º - Que por portaria de 5 do corrente foi encarregado o Ex.mo Inspector dos Serviços Florestais, Pedro Roberto da Cunha e Silva, de outorgar por parte do Estado, o presente contrato de expropriação pela quantia de 6.000$000 reais para em três prestações iguais de dois contos de reis cada uma, a primeira no acto do presente contrato, a segunda no dia 15 de Setembro de 1911 e a terceira em igual mês e dia do ano de 1912.

4.º - Que até ao integral pagamento desta indemnização as prestações em dívida vencerão o juro anual de 5 por cento, devendo ser paga aos segundos outorgantes em 15 de Setembro de 1911, além da segunda prestação, a quantia de duzentos mil reis correspondentes aos juro de quatro contos de reis e em 15 de Setembro de 1012, quando se satisfazer a última prestação, a quantia de 100$000 reis correspondente ao juro de dois contos de reis.

5.º - Que o Estado se reserva, contudo, o direito de antecipar o total pagamento da indemnização liquidando-se, em tal caso, dia a dia, os respectivos juros até à data da completa extinção da presente dívida.

6.º - Declaram os segundos outorgantes que aceitam mencionada expropriação pela soma e com as condições acima estipuladas. E tendo recebido neste acto a quantia de dois contos de reis, declarando que transferiram para o Estado o domínio e posse dos mencionados terrenos, comprometendo-se a fazer boa esta venda por suas pessoas e bens havidos e por haver sujeitando-se a qualquer indemnização originada por direitos de terceiro sobre os mencionados terrenos, de forma que em tempo algum possa ser exigida ao Estado qualquer outra quantia com fundamento ou pretexto da presente expropriação.

7.º - Outro sim declaram os segundos outorgantes que todos os terrenos expropriados são livres e alodiais, que não pesa sobre eles nenhum ónus hipotecário nem doutra natureza nem deles se deve contribuição alguma; e que exceptuando o campo chamado dos Moscosinhos, descrito na Conservatória da comarca de Vieira com o número 9313 a folhas 74 do livro B número 24, nenhum outro prédio incluído na presente expropriação se encontra descrito na respectiva Conservatória.

8.º - Declaram ainda os referidos outorgantes que aos prédios agora expropriados pertencem todas as águas das ravinas das Palas, do Torgo e da Figueira, quatro levadas do Rio Gerês todo o ano quer de Verão quer de Inverno e água do Ribeiro da Quelha Verde todos os Sábados desde o romper do dia até Domingo à mesma hora e desde Segunda-fera até à Terça também ao romper do dia sendo tapada esta água no mesmo ribeiro.

Foram testemunhas presentes Baltazar Domingues da Silva Junior e António Rodrigues, ambos casados e residentes no Gerês sendo o primeiro proprietário e o segundo carpinteiro que vão assinar com os outorgantes depois de lido em voz alta diante de todos. A rogo da segunda outorgante Joaquina Pereira Gonçalves, que não sabe escrever, assina o guarda-florestal António José Alves, casado, residente mo Gerês. Não leva selo por não ser devido em vista da isenção estabelecida na verba n.º 127 da tabela geral do imposto de selo em vigor. E para constar se lavrou o presente termo que eu Manuel Joaquim Martins, amanuense, servindo de secretário, escrevi e assino.

(aa.) Adriano Augusto Leite Ribeiro. - Pedro Roberto da Cunha e Silva. - Serafim dos Anjos e Silva. - A rogo da outorgante Joaquina Pereira Gonçalves, António José Alves. - Baltazar Domingues da Silva Junior. - António Rodrigues. - Manuel Joaquim Martins.

Adquiridos os campos, logo se começou na segunda quinzena de Setembro a construção de uma vacaria destinada ao alojamento de 60 cabeças, edifício este que não chegou a ser concluído, por em certa altura se ter mandado fechar a obra, levantando-lhe segunda empena no ponto em que se estivesse.


Vacaria e viveiro nos campos das Palas

Tendo-se aposentado o Director-geral da Agricultura, conselheiro Alfredo Le-Cocq, sucedeu-lhe uma nova orientação superior de não concordância com o que se estava a fazer e que deu em resultado seguir-se depois por um caminho diverso do anteriormente planeado. Ainda assim, importante foi o que se fez, pois a vacaria, mesmo como ficou, foi um belo e útil edifício, tendo-se ao mesmo tempo construído também uma montureira anexa. 

Tendo o projecto da vacaria sido delineado pelo conselheiro Le Cocq e por ele confiado aos cuidados dos Serviços Florestais, foi a sua construção sempre acompanhada por estes serviços e executada conforme as suas repetidas indicações e detalhes que enviava de Lisboa. A montureira, indispensável e da iniciativa dos serviços locais, foi feita ao mesmo tempo com as sobras da obra principal.

Quanto aos campos, neles se iam realizando os prossíveis trabalhos de preparação e adaptação a mais cuidadosas culturas do que aquelas em que andavam e a melhoramentos que, com o andor dos tempos e sempre com a concordância dos silvicultores sob cujas ordens se serviam, se foram realizando.

Texto adaptado de "Mata do Gerês - Subsídios para uma Monografia Florestal" (Tude Martins de Sousa, 1926)

Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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