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terça-feira, 27 de agosto de 2024

369... Da Portela do Homem a Xertelo pelas Minas dos Carris

 


Uma bela jornada pela Serra do Gerês que me levou da Portela do Homem à aldeia de Xertelo, passando pelas Minas dos Carris. Foram 23,1 km de natureza pura e solitária, pelo menos até chegar perto do Trilho dos Poços Verdes do Sobroso...

De facto, a ideia inicial era subir o Vale do Alto Homem até às Minas dos Carris e depois encetar o regresso através da Mina das Sombras, seguindo depois o longo estradão florestal até à Portela d'Home. No entanto, e num momento de epifania, alterei o meu destino e rumei à pequena aldeia.





A descrição da subida até às Minas dos Carris pelo Vale do Alto Homem pode ser encontrada algures neste blogue (por exemplo, aqui). Assim, esta narração irá começar comigo a colher água da Fonte do David. Esta é uma nascente de água pura e não contaminada existente por entre as ruínas das Minas dos Carris; uma verdadeira mina de ouro nos dias quentes de Verão onde todas as nascentes e ribeiros acabam por secar ou ficar impróprias para consumo.

Passando a Fonte do David, e deixando a «paisagem urbana» do complexo mineiro para trás, segui para as imediações do Salto do Lobo para assim descer à Lamalonga. Em muitos mapas, o Salto do Lobo encontra-se erradamente referenciado. Por exemplo, no excerto do OpenStreetMaps a seguir, o Salto do Lobo encontra-se referenciado no topo da Corga de Lamalonga, deslocado para Nascente da sua real localização. Da mesma forma, a Corga da Carvoeirinha encontra-se designada no local onde se deveria encontrar a referência ao Salto do Lobo.



Assim, quando subimos as últimas centenas de metros para chegar às Minas dos Carris, estamos a percorrer a Corga da Carvoeirinha que termina nas Lamas de Carvoeirinha, quando o curso de água volta a Sul na direcção do Salto do Lobo. O Salto do Lobo termina nas paredes verticais antes de se abrir para a Corga de Lamalonga.

O desconhecimento da toponímia e a pouca definição das cartas militares 1:25.000 leva a estes erros que depois são propagados em mapas nos quais «todos» podem fazer alterações.





Passando o curso de água quase seco que se despenha no interior do Salto do Lobo, tomei um carreiro que desce para a Lamalonga. Logo ali, e mesmo havendo já percorrido aquelas paragens inúmeras vezes, fui surpreendido por uma tosca construção que certamente terá servido de abrigo aos primeiros prospectores que ali trabalharam. Note-se que o filão atravessa quase de forma perpendicular o Salto do Lobo, tendo sido descoberto «por simples inspecção de superfície» num dia em Junho de 1941 por Domingos da Silva.

Nos últimos tempos tenho utilizado este carreiro para aceder à Lamalonga em vez de descer pela Lavaria Nova. As consecutivas derrocadas tornaram a zona instável e a exigir mais do que passadas certas para descer à Lamalonga. O único ponto negativo desta descida pela margem direita do Salto do Lobo, é que nos leva a atravessar o curso de água que desce pela Corga de Lamalonga, o que nos mais ferozes dias de invernia pode-se tornar complicado.

O caminho leva-nos a percorrer a imensa solidão de Lamalonga. Entramos aqui num cenário de filme, como se estivéssemos a desempenhar um papel num cenário distópico e futurista com a ruína acastelada da Lavaria Nova a encimar a Corga de Lamalonga. O silêncio do local nos dias de Verão é profundo, acentuando toda a trama que se vai desenrolando à medida que nos aproximamos do fundo do imenso e largo vale. Os animais de pastam sobre um calor que incomoda, parecem mover-se silenciosamente e somente o ritmo por vezes atabalhoado dos passos por entre o cascalho, vai marcando a passagem do tempo.




À medida que caminho, vou olhando para trás, certificando que nenhum ser estranho saído de um aterrador guião de um filme de Shyamalan me leva para as profundezas escuras e húmidas da mina. Toda aquela paisagem era muito diferente há 60 anos. Os vários currais integravam-se de forma harmoniosa na paisagem serrana e esta não estava marcada pelas cicatrizes da exploração mineira. O vale seria verde em toda a sua extensão, com um ribeiro a serpentear em direcção a Sul. Nos nossos dias, a paisagem é marcada pela imensa escombreira resultante das minas e o ribeiro, por vezes, mergulha na superfície porosa criada pelas pequenas pedras arrastadas ao longo décadas.

Chegado ao extremo do vale, sigo o caminho mariolado que me leva à Sesta da Lamalonga e de seguida inicio a descida que me levará ao Ribeiro do Penedo. A paisagem é soberba e leva-nos a horizontes longínquos, porém, são os contornos mais próximos que nos alimentam a alma e despertam a imaginação. Ao longe, os píncaros da Fonte Fria encimam a paisagem da Volta da Cuba ou o enquadramento com as Biduiças, enquanto os Cornos de Candela são sempre o próximo objectivo para uma caminhada sem pressas. No fundo do vale, a Volta da Cuba vai escondendo o seu curral quase despercebido na paisagem. Rasgadas por entre a brutalidade do granito, são dezenas de pequenas corgas que chama a atenção numa ânsia de nos tentarmos lembrar de tudo mais tarde. Na verdade, fica um misto de emoções indescritíveis somente sentidas naqueles momentos.





O caminho não é novo e as paisagens são familiares, mas vive-se cada passada como se fosse a primeira vez e até nos enganamos a perguntar, por onde irá passar o carreiro ou o que estará para lá da volta da serra? Mirando a imensa Corga de Sobroso, a inclinação da Terra Brava e o coroar dos Chamiçais, começa-se a descer em pequenos passos por uma parede nua comida ao longo de milénios pelos elementos. O caminho ora se esconde, ora se revela. Passa-se a Laje dos Bois e começamos a descer a encosta passando pela Fonte do Lobeiro, exangue dos dias de calor.

O Ribeiro do Penedo passa-se sem dificuldade com o seu pouco caudal e finalmente encontro uma agradável sombra onde posso descansar e retemperar forças. O resto do percurso vai-me levar ao traçado do Trilho dos Poços Verdes do Sobroso que servia de carreiro de formigas apressadas por um mergulho...



























Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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