Mergulho na profundidade e no silêncio da Serra do Gerês para revisitar e ver com outros olhos locais que já não percorria há algum tempo. A imensidão serrana para lá da Corga da Abelheira é quase tão grandiosa como a profundidade absoluta do seu silêncio.
A Serra do Gerês resulta de uma simbiose entre a Natureza e a ocupação humana do território, ocupação essa que se prolonga por milhares de anos. Desde os vestígios mais antigos inscritos nas rochas até aos nossos dias, passando pela romanização de uma parte desse território, a Serra do Gerês é, em si, um tesouro por descobrir e um manancial interminável de informação e de registos históricos à espera de serem descobertos.
Sendo uma parte importante dos estudos realizados desde a sua fundação, muitos dos trabalhos realizados pelo Parque Nacional da Peneda-Gerês não trouxeram à luz do dia muita da História deste território. Não se pode responsabilizar o PNPG, enquanto corpo mutável e sujeito à vontade política, pelo trabalho por fazer e pelo que ficou feito ao longo destes anos. Devemos, sim, exigir que o PNPG seja dotado de meios (materiais e principalmente humanos) para que o futuro seja mais iluminado em termos de preservação dos espaços e em termos de relação entre a entidade 'PNPG' e as gentes que vivem e moldam o território. Sem estes compromissos, o futuro do PNPG e dos grandes espaços naturais está em risco.
Tirando partido do que a Natureza lhe concedeu, a presença do Homem entre a Serra do Gerês e a Serra da Peneda moldou os espaços, adaptando-o às suas necessidades. Com o passar dos anos e com um abandonar de certas actividades que eram até aí intrínsecas à sua ocupação, a Natureza foi restabelecendo o seu domínio, reclamando zonas que até certa altura eram usualmente, se bem que sazonalmente, ocupadas pelo Homem.
Muitos destes espaços são agora «depósitos» de memórias que com os passar dos dias se esbatem no tempo e no esquecimento. A caminhada de hoje procurou, mais uma vez, tentar tirar do esquecimento esses espaços e trazê-los à luz da sua existência passada, e com isso não esquecer os dias em que o Homem teria uma vivência de maior harmonia com o meio... ou talvez não.
De certa forma, e em parte do percurso, foi mais um regresso a zonas que já havia visitado há já algum tempo. O acesso ao coração da Serra do Gerês através dos velhos carreiros deve-nos fazer pensar (ou imaginar) como seria este espaço há, por exemplo, 100 ou 200 anos. Por vezes temos a ideia de que certas paisagens são «eternas», pois a nossa passagem por aquelas paisagens é de certa forma efémera. Mas conseguimos imaginar aquela zona da Serra do Gerês sem a estrada que actualmente liga Cabril a Xertelo e à Barragem da Paradela? Conseguimos imaginar uma jornada pela serra entre Cabril e o Lago Marinho quando os dias não tinham esperança e o objectivo era chegar com o mínimo de conforto ao amanhã? São exercícios de imaginação difíceis, certamente! Assim, imagine-se percorrer os velhos caminhos serranos depois de uma árdua jornada pelos recantos da montanha até ao seu início.
Para lá dos limites do visível no horizonte da serra, esta obriga-nos a respirar a cada passada e a parar numa contemplação que se quer introspectiva, unindo sensações e desejos. Iniciamos esta jornada pelas paragens de Cela e calcorreamos caminhos atravessados por pequenos ribeiros até chegar à Sesta do Carneiro e passando as Portas da Abelheira, já no topo da corga com o mesmo nome. Aqui, são os picos das serranias que definem os nossos limites. Ali, perante nós, está o Gerês em bruto, um local onde o Homem se funde com a paisagem. Contemplando, descemos à margem do Ribeiro Dola e procuramos os velhos caminhos na sombra do Alto do Bezerral. Mergulhando por entre o mar de moreias que cobrem a paisagem - as moreias do Compadre - seguimos para o Corgo de Candela e chegamos a velhos muros que resistem ao tempo, enigmáticos.
O pequeno e estreito vale, leva-nos na direcção de Fornalinhos de Baixo já à sombra dos Cornos de Candela. Neste curral, faz-se uma pequena paragem em busca de algum abrigo pastoril que tenha passado incógnito nas últimas investidas. A busca, faz-se mesmo para lá do ribeiro que por ali passa, mas acaba infrutífera. Reabastecidos de água e acalmado o cansaço, segue.se por um carreiro bem definido, chegando rapidamente a Fornalinhos de Cima, ao lado do Outeiro de Cervas. Este é um belo curral de montanha, mas infelizmente o seu abrigo pastoril - após anos, décadas (séculos?) de desuso, encontra-se alagado e tomado pela vegetação. Num dia quase primaverial, seguimos em direcção a Céu Rubio, mas de repente, «tropeçamos» nos restos despercebidos de um velho abrigo cujo nome não sei identificar. Anotada a localização, seguimos então para o Curral de Céu Rubio. Este fica perto de um outro curral do qual (ainda) desconheço o nome. Aqui foi o local do repasto já merecido e de um saboroso café entre as sombras frias dos carvalhos.
Flectindo o nosso trajecto para Norte, seguimos em direcção a um pequeno carvalhal onde se esconde um outro curral (que também desconheço o nome) localizado na confluência do Cabeço dos Regos e da Cerdeirinha. Entrando na Corga de Baltemão (Valtemão), seguimos em direcção a Lamelas, invertendo a Sul quando chegamos ao seu lado Nascente e dirigindo-nos para o Curral de Lamelas de Cima. Ora, com a facilidade com que nestes dias se pode alterar os mapas de acesso livre, interrogo-me se realmente estas designações fazem sentido?
O (alto de) Lamelas encontra-se a Este do Pico da Nevosa, sendo facilmente distinguível o espaço (de curral) entre os dois pontos. No entanto, dá-se a designação de "Curral de Lamelas de Cima" e de "Curral de Lamelas de Baixo" aos dois currais que ficam substancialmente a Sudeste de Lamelas. Em tempos, foi-me referido que estes currais teriam a designação de "Lamas de Compadre", mas tendencialmente as "lamas" encontram-se na direcção das águas vertentes, o que não é o caso no caso do (alto do) Compadre. Uma outra hipótese será estes currais terem a designação de "Valongo de Cima" e "Valongo de Baixo", encontrando-se no início da Corga de Valongo que, desaguando na Ribeira de Lamelas, dá origem ao Ribeiro de Biduiça.
Seguindo na ladeira Norte do Compadre e através da Corga de Valongo, atravessamos o Ribeiro da Biduiça e passamos o Curral das Rochas de Matança, seguindo na direcção aos Currais de Biduiça, onde fizemos uma pequena paragem. Depois, e passando a parte final da Corga dos Vidos, seguimos em direcção à Corga da Abelheira e iniciamos a sua descida até atingir o caminho municipal que constituiu a parte final da jornada, passando a Ponte do Gavião.
A dúvida é a Mãe de todas as certezas.
Ficam algumas fotografias do dia...
Abrigo pastoril de Fornalinhos de Cima (alagado)
Abrigo pastoril (desconhecido)
Abrigo pastoril de Céu Rúbio (alagado)
Pala no carvalhal da encosta do Cabeço dos Regos
Abrigo pastoril (alagado) no carvalhal da encosta do Cabeço dos Regos
Curral das Rochas de Matança (vista geral)
Abrigo pastoril de Biduiças
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
artigo interessante sobre uma zona menos visitada.a descida final falas de um caminho municipal,aonde vai dar esse caminho?e tomaste à esquerda da corga da abelheira para descer?ou desceste pelo velho carreiro que desce até à estrutura de cimento que retém as aguas perto da estrada?obrigado.
ResponderEliminarAntónio,
ResponderEliminarO caminho municipal é a estrada em asfalto que liga Cabril - Xertelo - Paradela. A estrutura de cimento que referes, está na Corga da Abelheira. A descida foi feita por aí.
Cumprimentos,