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sábado, 23 de setembro de 2023

Trilhos seculares - Os caminhos da Vezeira de Fafião

 


Marca indelével na montanha e testemunho milenar da presença do Homem no território que hoje faz parte do Parque Nacional da Peneda-Gerês, o traçado dos caminhos da Vezeira de Fafião leva-nos por longos vales onde a imensidão da Serra do Gerês nos assombra.

A 'vezeira' é um movimento de transumância característico na Serra do Gerês que usualmente decorre entre Maio e Setembro e no qual a guarda dos rebanhos e manadas é feita à vez, juntando todos os animais pertencentes a uma comunidade. Movimento com profundas raízes nos povos serranos, marcou a montanha, tirando partido dos currais e prados ali existentes, e criando-se uma rede de caminhos (carreiros, carris) que facilitam a deslocação entre estes locais.

Foi baseado nestes caminhos que há já vários anos a Vezeira de Fafião criou um percurso - o Trilho da Vezeira de Fafião - que permitia a visita a vários destes currais ao longo da área usualmente por ela utilizada para o apascento do gado. Assinalado apenas com mariolas, o percurso tem uma extensão de mais de 25 km e penetra profundamente nos vales geresianos, naquilo que os fafiotos designam como "Serra de Fafião".

A jornada deste dia teve como objectivo percorrer parte deste percurso, mas deixando de fora a passagem por Fechinhas, Rocalva e Vidoeirinho, fazendo a subindo do Vale do Rio Laço directamente para o Estreito.

O dia começou no estacionamento do Miradouro de Fafião (Portela do Monte) e depois seguimos pela estrada florestal que nos leva até ao abrigo do Vidoal passando pela Fonte do Galo. No abrigo do Vidoal, vamos tomar um carreiro mariolado que nos vai embrenhar no Vale do Rio Fafião. 

Como quase em todos os caminhos, o início da jornada é sempre um pouco ingrato quanto mais não seja porque a parte inicial do percurso, que se faz por um manhoso estradão, não é meiga para a morrinha que ainda não se dissipara. Ao caminhar, deixamos para trás os parcos sons da aldeia que aos poucos desperta.

A terra batida vai-nos levar cada vez mais perto do vale e aos poucos fica para trás o pinhal que adorna a paisagem. Ali ao lado, abre-se como um rasgão na Terra, o vale por onde o Rio Fafião se entretém a esculpir pacientemente a paisagem. De facto, para quem já fez o percurso, esta parte não trará nada de novo, mas a ânsia de horizontes mais vastos e de avistar os píncaros que rasgam os céus, impele-nos a chegar ao ponto onde a água jorra da rocha e num ápice todo o cansaço inicial parece desvanecer, não fosse a forte batida do coração do peito e os pingos de suor que já insistem em escorrer pelo rosto. Aqui é a Fontela do Galo, e Fafião não passa já de um aglomerado de casas imbuído na paisagem.

O caminho continua e leva-nos a chegar ao Vidoal onde subitamente termina para dar lugar à verdadeira rudeza da serra. Num equilíbrio nem sempre favorável ao seu lado, a serra deixou-se adaptar às condições do Homem que nas suas entranhas esculpiu passagens para os prados e lugares onde amanharia o seu sustento. Mais adiante, o Trilho da Vezeira de Fafião vai-se dividir em dois; decidi fazer o denominado 'Caminho das Vacas', criado devido à dificuldade em ultrapassar alguns passos que se foram formando no carreiro mais em baixo. Este caminho não será muito aconselhável aos mais sensíveis devido às vertigens ou à incapacidade de lidar com espaços curtos.

Não há fotografia que consiga transmitir a sensação de se estar a entrar nas entranhas de algo maior do que nós. Se lá, no fundo, o rio corre intensamente barulhento, lá no alto os cumes parecem faróis que nos indicam o caminho a seguir. O carreiro serpenteia pela encosta marcado com as velhas mariolas. Em certas zonas a vegetação começa a tomar o seu lugar e as torrentes de água poderão em certas alturas do ano dificultar a passagem em alguns regatos, mas rapidamente nos aproximamos do velho Curral do Porto da Laje que foi destruído para a construção da barragem que por momentos aprisiona o Rio da Pigarreira e o Rio da Touça. As águas, imaculadamente transparentes, permitiam ver o leito da pequena albufeira e as marcas dos animais estão por todo o lado.

Assim, ao caminharmos por este vale vamos ser sempre, mas sempre, surpreendidos por aquilo que iremos ver, pois as paisagens que nos oferece vêm na linha do que Fafião já nos habituou. Em tempos disse que ninguém deve dizer que conhece a Serra do Gerês sem conhecer estes domínios, pois é aqui onde o Gerês flecte os seus músculos! O estreito carreiro pelas vertentes - num constante sobe e desce cuidadosamente traçado na encosta - intercala-se com a visão do Rio Fafião e as suas lagoas no fundo vale, com a imensidão de Porta Roibas que parece o fechar. Aqui, o azul do céu surge em tons só ali apreciados.

Passando a pequena represa que ali existe, ultrapassou-se sem grande problema os escassos metros do leito do rio em direcção ao Curral da Touça onde surgiu o nosso descanso. A seguir seguiríamos pelo Vale do Rio Laço, passando pelo curral de mesmo nome e trepando a encosta final até ao Estreito, tendo por detrás de nós uma das paisagens que nos corta a respiração. Esta parte constitui o verdadeiro desafio de toda a jornada, com o carreiro a esconder-se por entre a vegetação que conquista o seu lugar natural e todo o vale parece se fechar sobre nós em paredes que por vezes se vão alcantilar em vertentes pálidas de tons de granito. Incessantemente procuramos nos altos o vislumbre de uma cabra guardião, mas este dia não nos abençoou com tamanha visão.

A «pouca» distância do topo o carreiro empina-se e a passada deve-se tornar cadenciada e forte para vencer o declive. Os metros finais são quase uma luta com a vegetação para ir descobrindo o carreiro que se esconde no chão. No entanto, a chegada ao Estreito dá-nos o prémio merecido e permite-nos ver a Roca Negra, a Rocalva e a Roca das Pias, bem como a Arrocela, o colosso de Iteiro d'Ovos e o promontório granítico da Meda de Borrageiros «logo ao lado» de Porta Roibas. Tudo é grande! Tudo é imenso! Tudo, mas tudo, é medonho para a nossa pequenez!

Voltávamos assim ao «traçado» do Trilho da Vezeira de Fafião que havíamos abandonado no Curral da Touça e seguíamos em direcção ao Curral de Pradolã, continuando a descida para Pousada à vista dos Bicos Altos e do Vidoal, local de passagem pela manhã no outro lado do vale. Na sua interminável descida o carreiro embrenha-se por um pinhal que nos levaria às Chãs de Touro Trigo e ao Salgueiro, e depois ao traçado da Grande Rota da Peneda-Gerês.

O caminho levou-nos então para a parte final da Corga de Carnicente que se despenha para o Rio Fafião e nos leva a atravessar para a sua margem esquerda na Ponte de Matança. O caminho irá mais adiante juntar-se ao estradão inicial que nos levará ao nosso destino, Fafião.

Ficam algumas fotografias do dia...


























Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)


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