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quarta-feira, 19 de outubro de 2022

A pré-mineração nos Carris

 


Tentar escrever a história do complexo mineiro que hoje conhecemos pela designação de 'Minas dos Carris', é tentar compreender a intrincada conjectura de um novelo enrolado sobre si próprio há muitos anos. Isto é, se no aspecto exterior a história por nós imaginada nos vai parecer uma organização lógica de acontecimentos, o que se esconde por dentro são inúmeras histórias cruzadas de uma época turbulenta tanto a nível nacional como internacional.

Com o mundo envolto numa guerra que se iniciara a 1 de Setembro de 1939 e com as indústrias bélicas a necessitarem de enormes quantidades de matéria-prima, o fornecimento desta ficava sujeito ao jogo internacional. No mesmo dia que o blitz invadia as terras polacas, o Governo de António Oliveira Salazar apressava-se a lavrar uma declaração denominada “A Neutralidade Portuguesa no Conflito Europeu”. Publicada na imprensa nacional a 2 de Setembro, esta declaração sublinhava que as obrigações dos tratados com a Grã-Bretanha, com a qual era reafirmada a aliança, não obrigavam Portugal para o conflito europeu.

Em território português eram inúmeras as concessões mineiras que eram exploradas por empresas que pertenciam tanto aos Aliados como à Alemanha Nazi. Segundo Franco Nogueira em “Salazar - As Grandes Crises – 1936-1945”, p. 351, “Muitas minas de volfrâmio são propriedade da Inglaterra, mas esta não as explora, para assim as manter em reserva, com prejuízo da economia do país onde se encontram, enquanto adquire volfrâmio na Turquia ou na Birmânia; e a Alemanha, sem interesse nas minas, apresentava-se a pagar bons preços e a valorizar uma riqueza portuguesa”. Assim, Salazar ao manter a neutralidade nacional evitava a tragédia bélica em território português, o mesmo território que ajudava ao fornecimento da máquina de guerra nazi. Em princípios de 1944 a Grã-Bretanha aumentava a pressão sobre Portugal para que fosse decretado um embargo total à venda de minério à Alemanha. Apesar da oposição inicial de Salazar, este embargo seria decretado em Junho de 1944. A maré do conflito mundial virou com a entrada dos Estados Unidos da América na guerra e o embargo colocou um ponto final na intrincada rede de entrada de ouro proveniente da Alemanha em Portugal como forma de pagamento dos minérios necessários à sua indústria bélica.

Não se pode estabelecer um dia exacto para o início dos trabalhos ou da exploração mineira em Carris. Muito certamente antes das primeiras concessões legais, os habitantes serranos terão sido impulsionados pela «febre do ouro negro» a procurar o valioso volfrâmio nos píncaros do Gerês. Sem haver relacionamento, já Tude de Sousa refere na sua obra “Serra do Gerez” (1907), “os antigos diziam-nas povoadas de ricos depósitos de pedras e minerais valiosos, desde o ouro ao puro cristal de rocha, o que, se não é abundantemente exacto, é até certo ponto verdadeiro, porque na serra se encontram pedras muito apreciadas pelas suas formas e colorações, destacando-se alguns formosos cristais de quartzo e feldspato e havendo em Pitões ferro magnético; se outros elementos dignos de exploração nela existirem, como não repugna crer, ao futuro pertence mostrá-los na simples revelação de um acaso ou na propositada pesquisa de qualquer bem indicada probabilidade.”

Tal como refere o arqueólogo e etnógrafo galego David Pérez López no seu artigo “Mineria e Carbón na Raia Seca” (2006), “Em meados do século XX o coração da Serra do Gerês – Xurés apresentava uma intensa actividade devido à existência de uma rede mineira e comercial que permaneceu até à entrada da década dos 70. Carvoeiras e carvoeiros, mineiros, padeiros, cozinheiras, comerciantes e contrabandistas tiveram de suportar umas duras condições de trabalho, cujas temperaturas às vezes extremas devido à altitude destas terras.” Assim, para além da intensa actividade mineira aquando da Segunda Guerra Mundial (ou já mesmo antes desta, como se atesta na Mina de Borrageiros) e na segunda metade do século XX, a Serra do Gerês e a sua continuação galega eram palco de diversas actividades comerciais. Os acessos à montanha eram facilitados por uma série de carreiros que constituíam uma rede de caminhos que permitia cruzar as serras e levavam aos pontos mais inóspitos.

Uma das teorias acerca da origem do nome ‘Carris’ surge devido à possível existência de dois afloramentos paralelos que fariam lembrar os trilhos (carris) de um caminho-de-ferro. Porém, serei mais da opinião de que o nome Carris surge do grande número de carreiros de montanha (carril) que se juntariam não muito longe do pico serrano que hoje ostenta esse orónimo. O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia Ciências de Lisboa (Edições Verbo, 2001), define um «carril» como um caminho estreito, carreiro ou atalho. A zona é salpicada por um grande número de fornos e abrigos de montanha que numa pequena área atinge mais de 50 construções. Não é possível explicar este número somente pela existência das minas (sendo obviamente muitos deles anteriores a estas) e provavelmente as construções terão sido utilizadas não só pelos primeiros mineiros, mas também pelos carvoeiros, pastores, contrabandistas e possíveis peregrinos em deslocação para o São Bento da Porta Aberta ou para São Tiago de Compostela, vindo das terras do Barroso ou das mais longínquas aldeias de Trás-os-Montes. Já na sua obra “Caldas do Gerez – Guia Thermal”  (1891), o Dr. Ricardo Jorge apresenta um mapa do denominado Gerês Florestal onde está assinalado o marco geodésico dos Carris.

A Serra do Gerês foi palmilhada a pente fino em busca do volfrâmio que aflorava à superfície. Numa economia parca, as pequenas quantidades de minério que poderiam ser encontradas eram vendidas de forma legal ou não, às companhias mineiras que no território nacional exploravam o valioso metal. Assim se explica o verdadeiro pontilhado de explorações mineiras que foram surgindo pela serra. Muitas delas não passaram de meras sondagens, as quais revelaram a fraca riqueza do local, não justificando a sua exploração intensiva. Outras, porém, originaram pequenas explorações como foi o caso de Cidadelhe ou mesmo explorações clandestinas que eram mantidas em segredo, escondidas do Estado.

A área próxima do marco geodésico dos Carris foi extensivamente batida em busca de afloramentos de volfrâmio na primeira metade de 1941. A 24 de Junho, Domingos da Silva, um jornaleiro de 29 anos da pequena aldeia de Outeiro, Montalegre, entrega na Câmara Municipal daquele concelho um manifesto mineiro para assegurar os direitos de concessão no sítio denominado ‘Salto do Lobo’ onde terá descoberto volfrâmio e outros metais por simples inspecção de superfície. Domingos da Silva determina o centro do que denomina como ‘Corga do Salto do Lobo’, medindo 550 metros para o Norte. 

Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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