Páginas

domingo, 24 de julho de 2022

Trilhos seculares - O Castanheiro e a Lamalonga

 


No «imaginário» das caminhadas que se podem fazer pela Serra do Gerês, tanto o Castanheiro como a Lamalonga são dois locais que nos fazem percorrer paisagens pouco usuais. O Castanheiro, local ermo e elevado, teve o seu lugar na história da mineração do volfrâmio na Serra do Gerês e o mesmo acontece com a Lamalonga, com os seus currais e a imensa escombreira que resultou da mineração não só das concessões ali existentes, mas também da descida do escombro da Mina do Salto do Lobo.

A caminhada que liga o Castanheiro à Lamalonga saindo e regressando a Xertelo com passagem na Laje dos Bois, é uma interessante jornada pelas imensas paisagens da Serra do Gerês e do nosso único Parque Nacional.


Como todas as grandes jornadas de montanha, a saída de Xertelo deu-se logo pela manhã, estando ainda o Sol tímido deste dia quente de Verão a começar a iluminar os campos da pequena aldeia ainda tranquila sem o rebuliço dos turistas das lagoas...

Curiosamente, no seu livro "Toponímia de Barroso" (pág. 77), José Dias Batista dá-nos uma interessante explicação acerca do topónimo 'Sertelo' que deveria ser utilizado em vez de 'Xertelo'.

"Só pode ser deserto+elo. Do adjectivo latino desertus, inculto, selvagem, pelo que se subentende espaço ou 'terreno' deserto. Dado que os conjuntos silábicos soam todos surdamente não admira que acontecesse uma aférese do de inicial com o consequente deslocamento da tónica após a anexação sufixal elo.

É difícil encontrar um topónimo aplicado com mais propriedade que este! Já tinha esta forma em 1531 mas a ignorância pretensiosa das nossas principais cartas geográficas vai obrigando a escrever Xertelo e outras barbaridades idênticas visto que os académicos não conseguem ou não querem pronunciar o nosso s! São mais que horas de lhe devolver o nome certo!"



Como o intuito seria regressar à aldeia, procurou-se fazer um percurso circular e para tal, seguiu-se em direcção à estrada florestal que nos leva a Chã de Suzana passando a Oeste do Alto do Facho e pelo cimo do Carvalho do Sinal. Na Chã de Suzana, tomamos o carreiro junto da grande mariola e rumamos serra acima, passando ao lado da Corga do Gargalão e mais adiante entrando no pequeno vale onde nasce a Ribeira da Fecha do Castanheiro. Ao chegar perto do Alto das Eiras, flectimos a Oeste e seguimos em direcção do marco geodésico do Castanheiro.

No Castanheiro a paisagem é soberba por entre o granito fragmentado e quebrado pelas estações; os gelos do Inverno que se intercalam com o braseiro dos dias de Verão, tornam aquele granito num aspecto peculiar, como se a Natureza tivesse o especial cuidado de o polir de uma outra forma. Daquele alto, a paisagem alarga-se de forma única, iniciando-se nas alturas da Roca Negra e Borrageiros, passando pelos píncaros do Outeiro do Pássaro, das Lamas de Homem, dos Carris e Nevosa, até à serra de Pitões das Júnias com os seus Cornos da Fonte Fria. Mas não só destas elevações se espanta o olhar, pois a profundidade das corgas e a lonjura dos vales marcam a paisagem como se um quadro se tratasse. 


Por outro lado, a pouca distância, as características daquele local não passam despercebidas. Os sulcos no solo denunciam a presença de trabalhos mineiros que ali decorreram em busca do volfrâmio.

Para além das três concessões na proximidade dos Carris, a Sociedade Mineira dos Castelos iniciou também a exploração da concessão do Castanheiro localizada a cerca de 4 km a Sudoeste das concessões principais.

No plano de lavra datado de 3 de Julho de 1943 e elaborado por Francisco da Silva Pinto, Director Técnico da concessão, é referido que a concessão se situa nos limites do lugar de Lapela, freguesia de Cabril, e que o ponto de partida para a sua demarcação é o centro geométrico de uma casa denominada ‘Casa da Cabana’ localizada no sítio do Castanheiro, estando o ponto de partida devidamente ligado à rede geral de triangulação nacional por intermédio das pirâmides geodésicas de Lamas, Cerdeira e S. Bento. A descrição da mina refere que "tal como acontece nos altos serranos, a topografia do local é bastante acidentada com terrenos baldios, sem culturas e não apresentando aspectos especiais ao nível da geologia." Na área estava reconhecido um único filão volframítico, mas supunha-se poder ocorrer o aparecimento de mais filões, pois as características dos filões já reconhecidos noutras concessões apontavam sempre para a presença de vários filões paralelos semelhantes ao que havia sido reconhecido.

O filão do Castanheiro apresentava-se em veios de quartzo com impregnações de volframite, pirites e óxidos de ferro, tendo uma direcção geral de Nordeste e inclinação vertical. A sua possança era variável, apresentando-se em bolçadas mais ou menos extensas com uma possança média de 0,20. Na altura da apresentação do plano de lavra, o filão estava reconhecido em cerca 350 metros não havendo na altura reconhecimento de aluviões por não terem sido realizados trabalhos de reconhecimento com esse intuito.


Tal como aconteceu com várias concessões, os trabalhos realizados na mina do Castanheiro constavam de uma série de sanjas ao longo do filão com uma profundidade média de 5 metros e com uma largura de 2 metros. Estes trabalhos haviam sido realizados pelo proprietário anterior que haviam sido suspensos, estando na altura a Sociedade a proceder a trabalhos de entivação e aterro de modo que os trabalhos pudessem ser executados “segundo as regras da arte de minas.” O plano de lavra previa a divisão do filão em maciços de desmonte que seriam limitados por galerias e chaminés segundo o filão. Para a obtenção do maior número de frentes de trabalho, estava prevista a abertura de galerias em direcção aos níveis 1060 m, 1080 m, 1100 m e 1120 m. As galerias dos 1060 e 1100 eram consideradas de circulação e extracção e teriam secções trapezoidais com base de 2,00 X 1,50 metros e altura de 2,00 metros, sendo as restantes também em secção trapezoidal com base de 1,50 X 1,20 e altura de 1,80 metros. As chaminés teriam 1,00 X 1,00 metros de secção. As galerias e chaminés seriam protegidas por paredes e pilares naturais que não seriam desmontados. Os desmontes seriam sempre feitos de baixo para cima pelo sistema de degraus investidos, tal como era utilizado na concessão do Salto do Lobo, e só seriam iniciados quando houvesse 3 a 4 maciços definidos, isto é, haveria sempre pelo menos um maciço pronto para desmontar entre o avanço da mina e os trabalhos de desmonte. A extracção e circulação seriam feitas pelas galerias em direcção e sempre pelo nível inferior. O sistema de traçagem apresentado seria suficiente para proporcionar uma boa ventilação da mina e o esgoto seria feito através das galerias.

O reconhecimento da mina do Castanheiro só seria executado em 1946, já com a Sociedade regida por uma Comissão Liquidatária nomeada pelo Governo, e com o respectivo relatório a ser escrito a 12 de Novembro de 1946. Na altura o estradão de acesso à mina do Salto do Lobo estava já consolidado através do Vale do Alto Homem, sendo por essa razão que o relatório refere que “um caminho de pé posto de cerca de 4 km põe esta mina em comunicação com as instalações da mina ‘Salto do Lobo’, onde chega um estradão construído pela requerente, que liga com a Portela do Homem, a 9 km daquela mina.” O relatório continua referindo que o jazigo ficava “encravado na mancha granítica do Norte do país e é constituído por um filão quartzoso, vertical com a direcção média Norte – 70º – Nascente e com uma possança média de 0,15 mineralizado pela volframite. Além deste existem vários filetes de diferentes direcções, mas ainda insuficientemente reconhecidos.” 


Em relação aos trabalhos já realizados, descreve-os referindo que “constaram de quatro sanjas e de duas pequenas galerias em direcção, que permitiram reconhecer a regular mineralização e mostrar que a mina ‘Castanheiro’ tem valor para poder ser objecto de concessão.” A demarcação da mina seria feita no mesmo dia da data do seu auto de reconhecimento e seria executada pelo Agente Técnico de Engenharia de Minas, Adelino dos Santos Lemos da Circunscrição Mineira do Norte. Ainda na mesma data surge a informação sobre um pedido de reclamação efectuado contra este pedido de demarcação por parte da Sociedade Mineira dos Castelos e feito pela Sociedade Mineira de Cadeiró, Lda. baseando-se na alegação de que estava em posse de um pedido de demarcação denominado ‘Carris de Cima’ e que era baseado em registo mais antigo. A reclamação não foi atendida por parte da Circunscrição Mineira, pois o referido pedido já havia sido anulado.

O alvará de concessão provisória 4045 será redigido a 9 de Janeiro de 1948 e seria publicado no Diário do Governo a 11 de Fevereiro desse ano, sendo concedido por um período de três anos. Uma nova demarcação da mina seria feita no princípio dos anos 50.


Ora, o Castanheiro foi o primeiro objectivo desta jornada Geresiana e era então hora de se prosseguir até à Lamalonga. O Sol, já alto no horizonte, ia marcando o compasso das batidas do coração que não se queria muito rápido. Descendo do Castanheiro para a vertente do Vale da Ribeira das Negras, seguiu-se pela pequena cumeada passando o Alto do Moreira e descendo um pouco depois para a ribeira após passar a Mariola Bifurcada. Nas imediações dos Currais de Matança tivemos a oportunidade de abastecer de água na ribeira que ainda corria, mas já tímida.

A 'Matança' é um dos topónimos curiosos existentes na Serra do Gerês. A origem deste nome perde-se por entre as noites ao borralho com histórias contadas por entre o tremeluzir das chamas e o uivar do vento. No seu blogue "notasparaomeudiário", Jorge Louro escreve que...

Quando caminhamos pela serra muitas vezes perguntamo-nos a origem dos nomes dos locais. Algumas são fáceis de compreender, outras permanecem um mistério por desvendar até que alguém nos dá uma pista.

Uma conversa fez-me recordar um daqueles achados felizes em que tropecei. Nunca consegui cruzar a informação com outras fontes e nem sei se as haverá. Com alguma sorte ainda haverá quem tenha escutado estas histórias à lareira. Não sei. Decidi partilhar esta informação porque sei como todos coleccionamos estas pequenas curiosidades. Pelo menos todos os que gostam de correr a Serra do Gerês mais pela busca dos seus segredos e menos pelo exercício físico.

Esta pode ser uma explicação para o topónimo Matança, o mesmo que na carta 31 dos anos 50 identifica uma elevação junto a Lamalonga.

"Dizem ter o privilegio das Arraias e que no tempo da sempre feliz e ditosa Aclamação vindo hum corpo de homens da galiza a furtar os gados de Portugal aos pastores e serra do Gerês acudiram os desta freguesia e mais alguns armados e foi ferido o combate que escaparam da morte mui poucos galegos excedendo em grande numero aos portugueses e destes mui poucos perderam a vida, cujo sittio concerva hoje a gloria e memoria de se chamar Matança que hé na ditta e onde chamam o Castinheiro e onde chamam as Lamas de Corrichão" Memórias Paroquiais de 1758 - Outeiro.

É natural que o topónimo anteriormente identificasse um local diferente, mas o combate deverá ter ocorrido algures por ali. O alto do Castanheiro é também identificado e junto aos Cornos de Candela existe um local chamado Currachã.

Curiosamente, em tempos escutei uma outra história que referia que o topónimo teria tido origem num confronto tido entre o Rei Pelayo e o exército mouro em fuga para Sul, e que o combate teria resultado numam matança de sarracenos naquelas paragens... A serra é também feita destas histórias!



Deixando os Currais de Matança para trás, rumamos em direcção à imensa Lamalonga, pois era já hora de um descanso de preferência à sombra de uma raquitica árvore ou no prazer de uma solitária «lagoa» que ainda pudesse resistir ao calor infernal deste estio. Na desolação de Lamalonga não é fácil encontrar sombras e as lagoas na ribeira eram quase inexistentes, num curso de água onde esta já não corre. A seca mostrou-se no silêncio daquelas paragens, na secura do leito da ribeira e na visão dos dias sem chuva que se seguiriam. Felizmente, lá conseguimos encontrar uma pequena depressão onde a água se conservava fresca (e fria) para retemperar os músculos e arrefecer a alma.

Com o calor que apertava, o repasto acabaria por ser rápido, e partimos em busca de uma brisa que viesse a acalmar a pele. Seguindo para Sul, encontramos então o carreiro que nos levaria à Sesta de Lamalonga e à tão desejada brisa que nos acompanharia até descermos de novo para o vale.



O carreiro fez-nos passar por uma ou duas fontes recentemente recuperadas e nas quais íamos renovando a água. Seguindo na direcção da Laje dos Bois, tivemos a oportunidade de apreciar a magnífica paisagem da Terra Brava e da Corga de Sobroso, imensa na sua profundidade. Pensar em subir a Terra Brava desde o fundo da corga até aos Chamiçais é, em si só, um acto de cansaço, mas algo que fica nos projectos de futuro... Já antes, o imenso 'S' do Rio da Volta do Cuba e o vale que lhe segue, só pode tirar expressões de exclamação a quem observa tal cenário.

Descendo para o Vale do Ribeiro do Penedo, atravessamos facilmento o ribeiro e contemplamos por breves momentos o alto Tor do Ribeiro do Penedo antes de prosseguir até chegar à estrada florestal e ao traçado do Trilho dos Poços Verdes do Sobroso que nos levaria de volta a Xertelo.

Ficam algumas fotografias do dia...









































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

Sem comentários:

Enviar um comentário

Os comentários para o blogue Carris são moderados.