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quarta-feira, 22 de julho de 2020

"O guardião dos pastos de Ermida" por Carlos Almeida


Carlos Almeida acompanhou um dos pastores da pequena aldeia da Ermida no seu percurso pelas agrestes serranias Geresianas. O seu texto é um forte testemunho de vidas que ainda vão resistindo nos dias que se arrastam pela solidão dos imensos espaços, mas que cada vez mais vão tendo lugar apenas em memórias que se diluem pelo passado. Assim, "O guardião dos pastos de Ermida" é acima de tudo um registo histórico, etnográfico e sociológico de uma vivência que, ainda actual, se perde a cada dia que passa.

Com a devida autorização de Carlos Almeida, que assina este texto e é autor das fotografias que o ilustram, "O guardião dos pastos de Ermida" é aqui reproduzido na sua integra.

"O guardião dos pastos de Ermida"

O pastor de rebanhos, Paulo Jorge Landeiras Carvalho, 50 anos, natural da aldeia comunitária de Ermida, na freguesia de Vilar de Veiga, concelho de Terras de Bouro, Gerês, considera nunca estar sozinho na serra enquanto tiver a companhia dos seus animais.

O dia começa antes das seis horas da manhã na aldeia comunitária de Ermida.

São oito horas da manhã. Cruzamo-nos à hora combinada na principal rua da aldeia, já o Paulo tinha várias tarefas cumpridas, pois antes da subida com o seu rebanho para a serra há afazeres que não podem ficar para trás, como as regas dos seus cultivos e a alimentação de outros animais.



Dirigimo-nos para as três lojas onde o rebanho pernoita. São 200 cabras ao todo, algumas suas e outras de outros três pastores. Neste momento a aldeia conta com quatro pastores.

Começa a azáfama. Depois das cabras estarem todas fora das lojas, as ruas de Ermida enchem-se de animais e apressadamente dirigem-se para a saída da aldeia, a caminho da serra.

Os seus braços de ferro são os quatro cães, que são presença insubstituível para a realização da tarefa. Dois Serra da Estrela, mãe e filho, um cachorro Castro Laboreiro de apenas 6 meses, mas já a merecer fazer parte da família, e o seu rafeiro com quem conta para ajudar a virar a direção do rebanho.






A mãe Serra da Estrela ladra constantemente e lembra-me que ocupo o lugar de um simples visitante.
Não há margem para descuidos e o trabalho é sempre feito em equipa. Há que ter sempre em conta a presença do maior predador e “inimigo” número um no seio da serra, o lobo-ibérico.

Paulo, confessa não ter medo nenhum, mas já teve vários episódios com lobos. Conta que quando atacam pouco há a fazer. “O pior são as zonas com vegetação alta, onde aproveitam para se esconder, e as mudanças de vento que fazem com que os cães fiquem sem cheiro e o lobo aproveite para atacar. Quando se lança é certeiro e eficaz. Já cosi muitas cabras que conseguiram escapar ao ataque”.

Antigamente faziam-se batidas autorizadas para ajudar a controlar a população lupina, mas há muito que a espécie é protegida.





Paulo disse-me que não sente a solidão no meio da serra. Sente-se confortável, e diz que tenta andar sempre entretido com os cães e com as cabras e isso faz com que nunca se sinta sozinho e brinca com o facto de que “há dias que prefiro andar sozinho do que mal acompanhado” embora frise que há dias mais difíceis que outros.

De inverno a vida de pastor ainda é mais dura, mas com um sorriso na cara diz-me que temos de fazer sacrifícios na vida. “Saio com o gado só por volta das nove horas e há que regressar o mais tardar às quatro da tarde, porque a noite na serra chega cedo. Os animais com a chuva comem menos porque ficam embrenhados na erva.”





Conhece a serra como as palmas das suas mãos, mas, mesmo assim, com a chegada do inverno, há que ter cuidados redobrados com a neve e no nevoeiro cerrado é muito difícil caminhar com os animais. “Há trilhos muito parecidos e por vezes confundo uns com outros e torna-se complicado”.

Mas nem tudo é mau. Com a chegada da neve há uma particularidade interessante em relação aos lobos pois as suas pegadas ficam marcadas no chão.

Paulo Carvalho é pastor há cerca de 25 anos e conta-me que a tradição já vem do tempo dos seus avós, mas diz-me, com alguma apreensão, que “se não aparecer um ou dois rapazes e que se lancem para dar continuidade a profissão vai acabar”. Queria ver se aguentava até aos 60, 65 anos, para depois me reformar, mas isso é uma lotaria que dependerá sempre da saúde”.





Recorda-se que a eletricidade chegou à sua aldeia, quando tinha 14 anos, e que a estrada, hoje alcatroada, era de terra batida.

Há cerca de 20 anos a aldeia tinha cerca de 300 pessoas. Hoje, Ermida tem à volta de 60 residentes em permanência, mas considera que mesmo assim é um número aceitável em comparação com aldeias vizinhas.

“Quando era miúdo alguns casais tinham doze, treze, dezassete e até dezoito filhos e agora têm um, dois ou até mesmo nenhum.”

Paulo gostava de levar um político a Ermida para lhe fazer ver a importância de sair dos gabinetes por parte de quem manda. Lamenta as leis e “más decisões” e o quão prejudiciais são para a agricultura. “Em relação aos montes para a pastagem tínhamos à volta de setecentos a oitocentos hectares e agora temos 80, o que faz com que qualquer dia não haja terreno para pastagens. E depois há a questão dos subsídios dados pela União Europeia que em vez de serem aplicados na agricultura são desviados para outros setores.”

Em relação à covid-19, diz sentir-se seguro na aldeia visto ser um lugar pacato e de não ter muito contacto com outras pessoas. “Às vezes passo quase o ano inteiro sem ir ao café”, confessa-me.




Texto e fotografias © Carlos Almeida (Todos os direitos reservados)

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