No seu livro "Serra do Gerez - Estudos, Aspectos, Paisagens", Tude Martins de Sousa, em 1909, dá-nos a seguinte descrição dos povos serranos do Norte...
"Teem pouco a noção do decoro proprio, minguados habitos de limpeza, poucos cuidados com a hygiene individual e commum. Noções de educação e de esthetica, principios de adeantamento, uma certa comprehensão para a vida social, são valores de muito pequeno alcance.
Ha um desleixo e um desprezo notaveis nas pessoas e nas cousas, ponto em que se distanceiam enormemente das povoações do sul, destacando-se estas pela brancura exterior de suas casas e tornando-se notadas pelo conforto, irreprehensivel limpeza e cuidada ordem e arranjo das suas habitações, mesmo nas mais pobres classes.
Lá, nos campos, as casas de lavoura poem notas ridentes na aridez da planicie, que a sequencia não interrompida de muitos kilometros sem gôta de agua nascida torna triste, da tristeza de uma vegetação morta; aqui, campo tão verde, tão attrahente e tão alegre, poucas preocupações se dispendem em seguir e auxiliar a prodiga natureza, completando com uma cuidada esthetica os aposentos e moradias e com desvellos de aceio, limpeza e conforto as habitações e as pessoas.
Por isso, uma nota que sobresahe logo ao primeiro inquerito, é o aspecto pouco agradavel das construcções em que as gentes se abrigam, sujas, sem bellezas nem attractivos, nas quaes vivem sob o mesmo tecto, n'uma promiscuidade muito visinha, a familia, os animaes da sua lavoura, o porco e a capoeira.
E d'essa communidade de vida nascem necessariamente habitos de pouco regular aceito, agravados com a viciação de um ar que, podendo ser tão saudavel e tão puro como o é cá fóra, envenena e mata lentamente.
«A casa terreira de montanha, traduzindo o mister agricolo-pastoril do habitante, mantem-se sempre n'uma elementar rudeza constructiva. Collocam-se os blocos sem cimento ou dispõem-se o schisto em assentadas, deixando fendas por onde o fumo se esvae ou a luz entra; e a pedra com um miudo apparelho polygonal, nem sempre se justapõe á fileira e raramente é escudade. Sob o colmasso de duas ou quatro aguas, com lages fixando os cumes (Pitões, Covellães, VIllarinho de Negrões) a fulugem pende em estalactites ou sequer como reveste interiormente as paredes de verniz. Três, dois, mesmo um só compartimento aloja animaes e pessoas. Onde é cosinha, é tudo: alli se dorme, alli se tece, gallinhas, porcos familiares, ovelhas estorvando a mulher na sua occupação com o sarilho ou dobradoura, n'uma canastra a creança e o cão dormindo juntos (Tibo, Peneda, Gavieira).
«As ondulações do solo, principalmente nas regiões serranas, aproveitam-se muitas vezes n'uma parte da parede ou manteem-se no pavimento tortuoso (Gavieira, Peneda, Campo do Gerez); e os blocos com que o predio se ultima em harmonia com a natureza envolvente, dispõem-se quasi sem apparelho, sem preoccupação de fiadas nem rebocos (Gralheira, Serra Amarella, Adrão no Suajo)».
Familias inteiras haverá que porventura não conheceram nunca as vantagens e o prazer de um bello banho, nem tão pouco a conveniencia e sensação da agua applicada á lavagem da cara todos os dias."
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