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sábado, 27 de janeiro de 2018

Trilhos seculares - Os Prados Coveiros e os Prados da Messe


Confesso que não gosto de iniciar as minhas caminhadas com chuva e este dia parecia estar a prometer chuva logo pela manha; felizmente, tal não aconteceu mas o céu estava carregado de nuvens cinzentas e que dava aquela atmosfera de mistério e aventura à paisagem.

Vindo do dia anterior de uma jornada às Minas dos Carris, nada melhor do que uma trepada suave para tonificar as pernas que tão afastadas têm andado destas paragens. Assim, a escolha óbvia seria uma caminhada aos Prados Coveiros (ou se preferirem, Prados Caveiros) e depois aos Prados da Messe (por favor, não lhe chamem 'Comedouro'!!).

Seria então uma jornada de subidas e descidas por entre a saudosas paisagens Geresianas onde o verde invernal está sempre presente. Começando na Portela do Homem, seguiu-se por cerca de 1 km até à ponte sobre o Rio Monção e antes desta envereda-se por um dos mais maravilhosos carreiros que o Gerês nos oferece: o Peito de Escada. A subida, ao contrário da Costa de Sabrosa, vai-se fazendo de forma mais ou menos suave, o que não significa que aqui ou ali não haja algo de mais aprumado, mas nada de violento para as pernas e pulmões menos habituados a estas coisas.

A parte inicial do percurso faz-se ao som das águas do Rio Monção que a certa altura se despenham numa das cascatas menos conhecidas da Serra do Gerês e que por si só merecia um trilho interpretativo, a Cascata de Monção. Não é que não se consiga lá chegar, mas à custa de uns arranhões e de umas polainas mal tratadas. Porém, o cenário vale a pena!




O Peito de Escada com o seu caminho em tempos bem cuidado, foi o principal acesso às pastagens dos Prados Coveiros por parte das populações de Vilarinho da Furna. Aparentemente, em tempos, estas pastagens estendiam-se até às lonjuras do Curral de Absedo (Curral de Cagarrouço para os de Vilarinho), se bem que registos antigos o identifique como um curral de Pincães.

Em certas zonas, nota-se bem o esforço feito para se melhorar a subida e tornar a jornada menos desgastante tanto para homens como para animais. Vários aspectos desta paisagem e do caminho, estão retratados no documentário "Vilarinho das Furnas" de António Campos. Em algumas cenas do documentário são visíveis parte do Peito de Escada e do abrigo (Forno) dos Prados Coveiros, Durante a subida, e mesmo após décadas de abandono, os trabalhos árduos dos homens de Vilarinho ainda permanecem «de pedra e cal» naquela paisagem.

Ladejando o Vale do Rio Forno, atrás de nós vai-se abrindo o horizonte para a Costa de Varziela com a sua proeminente Pena Longa até às alturas do Pé de Cabril passando pela Bemposta. Mais acima, a nossa vista alarga-se já para a Portela do Homem, Encosta do Sol e para o esplendor da Serra Amarela com as suas antenas na Louriça.





Desta vez, durante a subida, foi maravilhoso escutar os grunhidos dos javalis na Encosta do Sol e ver o nevoeiro pousar sobre as alturas cobrindo por completo o Cantarelo. Passando pelo Alto do Peito de Escada com o seu marco triangulado, chegamos aos Prados Coveiros envoltos num manto cinzento e mergulhados num profundo silêncio interrompido uma ou outra vez pelo tímido chilrear de um solitário pequeno pisco de peito ruivo.


Os Prados Coveiros trazem-nos aquela sensação de que algo está ali presente para além de nós. Será pela sua localização por entre amontoados graníticos, será pelas suas centenárias árvores ou de certeza pelo seu profundo e penetrante silêncio... há algo ali que se move entre nós e a sensação é quase palpável como o suor que nos escorre no rosto num dia de calor ou como o frio que nos penetra na roupa e arrepia a pele em dias de frio. Os Prados Coveiros são únicos e misteriosos, uma perfeita definição em si do que significa para muitos de nós a Serra do Gerês...



Após alguns minutos nos Prados Coveiros, seguimos o caminho em direcção aos Prados da Messe após a contemplação das ruínas do antigo forno pastorício. Caminhando por entre as brumas que se adensavam e deixavam já gotículas nas roupas, subimos em direcção à Lomba de Burro e daqui, por entre mariolas, descemos para a Messe passando ao lado das ruínas do que muitos dizem ter sido um antigo posto da Guarda Fiscal e que outros dizem terem sido um abrigo construído para um dos últimos reis de Portugal em visita cinegética à Serra do Gerês. Não há notícia, porém, de que o abrigo alguma vez tenha sido utilizado por qualquer rei e os orifícios onde estariam barras de ferro nas janelas apontam mais para um posto fiscal.



O repasto do dia deu-se junto do abrigo pastoril dos Prados da Messe recentemente alargado com pedras vindas das velhas ruínas ali perto. O regresso iniciou-se com a subida de novo para a Lomba de Burro e daqui seguiu-se o carreiro que nos levou à «vertiginosa» descida da Costa de Sabrosa, ladeando o Vale do Rio do Forno que aos poucos ia sendo coberto pelas nuvens e nevoeiro que galgava as suas paredes graníticas aprumadas. O Vale do Rio Monção permanece como um dos santuários mais selvagens de todo o Parque Nacional e a sua contemplação merece uma longa paragem em qualquer altura do ano... bom, menos no Verão que está muito calor...




A descida da Costa de sabrosa leva-nos às tristes ruínas da Mata de Albergaria junto do Centro de Recuperação de Animais Selvagens. Aqui, enveredamos por um velho caminho até chegar à Milha XXXIII junto da Ponte Feia e das ruínas da Casa Abrigo do Académico F. Clube em plena Mata de Albergaria.


Não sei como descrever aquilo que senti ao ver o estado em que chegou a antiga Casa Abrigo do Académico F. Clube que ali existe (resiste). No fundo já nem vou responsabilizar o Parque Nacional da Peneda-Gerês, e por consequência o Estado Português, pelo estado tristemente miserável a que este edifício chegou. É simplesmente deplorável que decisões passadas levem a este resultado. Não me espanta, é apenas o reflexo daquilo que somos como país e como sociedade... sem consciência histórica e patrimonial.

Somos todos responsáveis, de uma forma ou de outra... Somos responsáveis por algures pelo caminho termos deixado de nos interessar (ou será que alguma vez nos interessamos) por situações como esta. Somos responsáveis por não exigir mais, somos responsáveis porque nos cansamos de apontar o dedo e de gritar bem alto que não queremos pessoas que tomem decisões que levem a este resultado. Somos responsáveis por não tomarmos as rédeas e resolvermos nós estes problemas! Devemos exigir a excelência de quem nos governa e de quem toma decisões - ficamos contentes por sermos governados por medíocres e assim assumir que também o somos...

Prosseguimos então pelos caminhos de César que nos levaram à «nova» Ponte de S. Miguel e daqui ao Curral de São Miguel passando pelas antigas e arruinadas casas dos Guardas Fiscais que serviam na fronteira, chegando pouco depois à Portela do Homem e terminando assim este dia Geresiano.

Caminheiros RB, AP, PC, MC, MF, PF, RA


































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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