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terça-feira, 17 de outubro de 2017

Trilhos seculares - Até ao Cabeço da Cova da Porca e Lagoa


Ainda era noite quando cheguei à Portela de Leonte e Orionte dominava os céus quando a Lua estava semi-escondida pelos farrapos de nuvens que tolhavam, aqui e ali, o céu que aos poucos se ia pintando com o rubor da alvorada.

Por instantes, e entre o silêncio recortado pela brisa matinal, o cantar de uma coruja ou o temperano chilrear dos pássaros anunciavam a aurora que por aí vinha. Depois de fotografar as estrelas que se iam rapidamente desvanecendo, iniciei esta jornada solitária com o objectivo de visitar o cabeço da Cova da Porca, também conhecido por 'Torrinheira' (segundo as cartas militares) ou 'Estorrinheira', nos dizeres das gentes de Fafião. São estas vicissitudes toponímicas que tornam fascinantes as jornadas serranas. É como caminhar num mapa mental e tentar descobrir o significado e o sentir das coisas por onde passamos.

Encosta acima, logo tive de arremessar a mochila das costas perante a dúvida se havia trancado a viatura ou não. A dúvida era forte, o que me fez regressar encosta abaixo... Ainda bem que assim o fiz. Reiniciando o percurso, em breve estava na Chã do Carvalho e o Gerês já se iluminada com a pálida luz do Sol. No entanto, os velhos carvalhos e as carcaças das velhas árvores marcavam silhuetas bem definidas perante o pálido céu que se azulava. Para Nascente, o rubor laranja das nuvens talvez anuncia-se um dia quente. Temia a falta de água e a mochila ia bem resguardada do preciso líquido.



A passage pelo Vidoal mostrou um prado seco e amarelado. O verde o carvalho estava pálido com a falta de água e as pretensas cores outonais não passavam de um grito de agonia pela falta de água. Não chovia há já muitos dias na serra e a paisagem reflectia isso mesmo.

Com os Cântaros mergulhados na sombra e o Cabeço de Lavadouros iluminado pela luz matinal, o Pé de Medela e Carris de Maceira reflectiam o laranja do amanhecer. O dia não estaria assim tão quente e uma brisa fresca tornava o caminhar mais fácil e ligeiro. A passagem pela Preza e o vislumbre de Teixeira e do Cambalhão, antecipou a subida para a Chã da Fonte. Se nos esquecêssemos da falta de água, a erva seca e o ramos quebradiços da vegetação rasteira fariam os possíveis para nos lembrar, ou então, o silêncio que envolvia as penedias seria o suficiente para recordar que a água já não corria há muito nos pequenos regatos que mais no fundo do vale alimentam os grandes rios.

Deixando a Chã da Fonte para trás, segui através da seca turfeira das Gralheiras em direcção à Lomba de Pau e daqui ao portelo antes da descida para o Curral do Conho. Nesta altura, tive o primeiro vislumbre da catástrofe que se ia desenrolar perante os meus olhos nas horas seguintes. As nuvens de fumo já se elevavam na encosta de Porta Ruivas e o Porto da Laje encontrava-se a ser consumido por um fogo criminoso e cruel que cicatrizou a paisagem nos anos vindouros.




Uma pequena paragem no Curral do Conho para trocar a água (felizmente da nascente ali existente ainda brotava água) e segui caminho em direcção ao Porto das Vacas onde atravessei o pequeno ribeiro, agora seco e uma triste imagem dos seus dias de água em abundância. Ladeando o Curral da Pedra na direcção da Messe, atravessei entre os dois, seguindo para Oeste para entrar no 'meu' sempre Gerês selvagem.

O carreiro surge oculto por entre as pedras assinalado pelas típicas mariolas Geresianas. Depois de passar a turfeira, o vislumbre atento mostra-nos o caminho a seguir por entre o pequeno vale. Há já muitos anos que por ali passo e em determinada altura, havia sempre uma alagada mariola que me chamava atenção. Sendo ainda cedo e com a adrenalina a pedir novos caminhos, desta vez decidi optar por trepar a íngreme encosta em busca de «novas» mariolas e «novos» caminhos. E de facto, foram surgindo, ora escondidas pela vegetação, ora só vistas em pontos estratégicos, fazendo a ligação visual umas com as outras. A certo ponto, o carreiro torna-se visível ao percorrer a encosta e foi por aí que eu segui. Sabia que me levaria ao meu objectivo!

Se a paisagem era magnificente como era de esperar, as espessas nuvens de fumo que se iam erguendo a Sul não traziam nada de bom. A cinza começara já a cair para os meus lados e o vento ia trazendo folhas e cascas de árvores queimadas que se iam depositando aqui e ali, como sementes de uma desgraça. O cenário era dantesco! Toda a encosta Nascente de Porta Ruivas estava envolvida por um fumo espesso, aterrador. Por momentos, todo o vale de Fichinhas e das Sombrosas até ao Curral da Touça era um mar de fumo alimentado pelos fogos que consumiam o Porto da Laje. Dos locais altos por onde ia passando, via que outras nuvens de fumos se pareciam erguer para os lados do Fojo de Alcântara e Palma, ao mesmo tempo de a Corga de Lamego e as Quimas de Arrocela já estariam em chamas. A tragédia ia-se desenrolando perante a minha impotência e os olhos lacrimejavam pela miséria dos homens... e pelo fumo que por vezes se tornava presente. O cheiro a queimado ia tomando conta do meu entorno.



O Cabeço da Cova da Porca estava já visível e ao meu alcance e foi ligeiro que percorri os últimos metros até ao seu alto. Não sei explicar a origem do topónimo e este estará certamente relacionado com a presença do javali por aquelas paragens em tempos mais amenos. Por seu lado, o topónimo 'Torrinheira' virá certamente da má compreensão do topónimo 'Estorrinehria' usado pelas gentes de Cabril. De facto, só em duas fontes descobri o termo 'Cabeço da Cova da Porca' sendo uma delas um mapa do princípio do século XX e outra um registo mineiro efectuado em 1943 e que corresponde a uma pequena exploração mineira que se encontra a Norte do ponto mais elevado do alto granítico. Infelizmente, o topónimo 'Cabeço da Cova da Porca' acabou por se «perder» no vocabulário serrano.

A paragem no cabeço foi curta, somente para o registo fotográfico do que acontecia a Sul. Desci então para o Curral de Bezerros e, tomando o carreiro entre a Messe e Borrageiros, segui em direcção à Corga de Arrocela e depois à Corga das Mestras. Ambas sem água e agora ameaçadas pelo fogo que ia trepando as encostas empurrado pelo vento que, apesar de não ser muito forte, era constante. Ao passar pela Corga das Mestras, uma língua de fogo já trepava a encosta Poente de Borrageiros e subia em direcção ao pequeno Curral das Mestras e ao Curral de Premoinho. Felizmente, mais tarde, soube que o secular Pinheiro da Cigarra, na Corga das Mestras, foi somente «chamuscado» pelo rápido incêndio que eventualmente acabaria por ali passar.

A minha jornada terminou no Abrigo de Lagoa onde fui encontrar velhos amigos de Cabril e falar com outros que conheci através das deambulações do facebook e do blogue.

Apesar da tristeza provocada pelo vislumbre de mais uma catástrofe «sem culpados» na Serra do Gerês, a jornada foi retemperadora e marcou o tão desejado regresso às alturas Geresianas.

Ficam algumas fotografias do dia e o restante álbum aqui.























































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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