Se há forma de expressão, no domínio das artes, que faz jus ao desnudar da alma humana, ela será por excelência a da poesia. A poesia, ao recorrer às palavras – e porque as palavras são a comunicação universal -, dá-nos a dimensão do homem nas suas contradições, na sua plenitude e em todo o sonho que possa alimentar. O olhar da poesia é um comprometimento com a subversão de dogmas, reflecte o mundo sensível num gesto de ruptura com o trivial, logra ver onde se impõem muros e as trevas habitam.
As palavras de Rui Barbosa casam por inteiro, neste seu livro Sombras na Noite, com as imagens que as ilustram. Porém, “o sítio” do Rui Barbosa, que é ponto de chegada em todos os momentos, e será homenagem e muito mais, constitui nesta obra uma experiência do discurso cujos significados só podem ser apreendidos pela experiência do caminho, literalmente.
As ruínas de Carris serão pretexto para uma compreensão pessoal do tempo, do tempo de Carris que será o de todos nós. “Irei esperar por ti onde as coisas começaram”, diz-nos o autor de jeito eloquente, e logo somos tentados a ali nos encontrarmos com ele, ou a revermos o significado do seu testemunho. As ruínas de que nos fala são escombros da história, o “monumento à solidão”, símbolo de uma Era em que no ventre dos saberes perdemos a noção da identidade.
E o caminho do autor faz-se da sua antítese, da angústia e do consolo, das trevas e do calor, do silêncio e dos ecos com que a Natureza nos brinda. As Sombras na Noite são meio caminho entre a desistência que a realidade nos propõe e a entrega a um universo, “o sítio” do autor, onde só aqueles que o conhecem entendem o alcance das respostas que ali nos são dadas.
Esta obra deve ser interpretada, ainda, como um documento sobre a vida do autor, que logra, na demanda da sua jornada, dar-nos a conhecer os recantos da Serra onde poucos desvendam o íntimo da própria pessoa. É na aridez do chão que caminhamos, nas galerias das minas que perscrutamos, nos céus estrelados que nos aventuramos.
As Sombras na Noite dão abrigo àqueles que ousam.
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Nota biográfica
Luís Vendeirinho nasceu em Lisboa, a 20 de Setembro de 1957.
Foi funcionário do Ministério da Educação entre 1972 e 1976, e do Ministério da Justiça desde então até 2003. Desde jovem tentou algumas incursões no domínio poético, publicando tardiamente, em 1981, o primeiro livro de versos. Depois de alguns opúsculos dedicados ao conto e a reflexões várias, o rumo essencial da escrita levou à publicação dos romances Requiem, Cátedra de Mármore e Uma Farpa na Clareira. Tem visto publicados, em algumas colectâneas e em periódicos, tanto alguns contos como crónicas.
A formação académica fê-la – desde o liceu – sempre de par com a actividade na administração pública; formação essa dedicada aos Estudos Portugueses, aos Estudos Europeus e ao Jornalismo. Desde adolescente que o convívio com a realidade social, sobretudo a rural, o tem cativado, e coabitado com o montanhismo (q.b. entenda-se).
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