Há já algum tempo que me havia surgido a ideia de convidar o Luís Vendeirinho para uma caminhada um tanto ou quanto diferente na Serra do Gerês. Para além da paisagem Geresiana, a caminhada seria complementada com um espaço temporal no qual o Luís nos pudesse brindar com a sua prosa poética.
O percurso seria necessariamente curto; a meteorologia dos dias que a antecederam assim o aconselhava e a atmosfera estava carregada de fumo dos infernos que iam consumindo o Minho. Iniciados a caminhada junto da velha Casa Florestal da Portela de Leonte, segundo pelo estradão florestal que se inicia atrás de si. Porém, logo no início, uma pequena paragem para mostrar o singelo monumento em homenagem a um amante do Gerês, o artista Arthur Loureiro, que por várias vezes pintou aquela serra e as suas gentes.
Seguindo então pelo estradão, tomamos mais adiante um carreiro mariolado que nos conduziu à Portela do Confurco e de seguida passamos ao lado da Quelha Direita, seguindo para a base do espigão do Pé de Cabril, o farol da serra. Pelo caminho, algumas paragens para contemplarmos o Curral de Tirolirão, o Prado Marelo, partes dos terrenos do Mourinho e a Serra Amarela, obscurecida pela turvez de um céu sujo.
Passados a base do Pé de Cabril, eterna parede efémera da escalada na Serra do Gerês, chagávamos à paisagem ressequida dos Prados. Os muitos dias sem água transformam a serra dando-lhe as tonalidades amarelecidas de um chão a precisar de chuva. Daqui, seguimos ao lado da Tojeira para o Prado do Gamil onde refrescamos as gargantas com a água da sua pequena fonte e depois sentámo-nos para escutar alguns textos com os quais o Luís Vendeirinho deu um toque suis generis a esta pequena caminhada.
Com a sua autorização ficam aqui reproduzidos os textos "Donde Cantam os Ventos", "No Dia Internacional das Montanhas", "Barqueiros" e "UIVOS".
Com a sua autorização ficam aqui reproduzidos os textos "Donde Cantam os Ventos", "No Dia Internacional das Montanhas", "Barqueiros" e "UIVOS".
Donde nos Cantam os Ventos…
Di-las-ei em teu nome
Invocarei por ti cada letra
Pessoa e silêncio, ambos ermos,
Que seremos cativos desta fome
Guardada e erguida, fronteira eremita
Teus olhares nos redimem
E fazem da carne ignorada, da origem
Tão pouco, como um nome
Ou uma letra que nos diz um sítio,
Di-las-ei eternamente, no recato,
Bem no cimo do horizonte
Donde nos cantam os ventos
Enciumados de nossa presença,
Firmes ante os tempos
Que nós, sem sentir licença,
Olhamos no jeito de criança
Que se despe dos pueris ensinamentos
E lança, os gritos, os lamentos
Perdidos nos montes
Donde nos vêm a razão e o sentir
Dos próprios sentimentos…
E nossas idades são apenas adornos
De neves que degelam, flores a florir…
Luís Vendeirinho, 12.Março.2014
No Dia Internacional das Montanhas
Todas as montanhas têm um caminho que leva ao princípio do caminho, todas elas têm um abrigo que abriga no abrigo, todas as montanhas têm um tempo que guarda o tempo, todas elas têm um céu sobre outro céu, todas as montanhas têm uma fonte que brota da fonte, todas elas têm um fogo que aquece nosso fogo, todas as montanhas têm uma floresta que esconde a floresta, todas as montanhas têm uma presença ao lado da nossa presença, todas as montanhas têm um caminho que nós traçamos, que nós escolhemos, que nós guardamos...
Luís Vendeirinho, 11.Dez.2013
Barqueiros
Serão nossas estrelas
O mar da luz, a luz das velas,
E nós ali, em paz a vê-las
E à alvorada cada dia,
Rasgando a terra molhada
Onde o Outono se incendeia
Dando à alma, já iluminada,
Os frios das neves, e da geada,
E nem o sopro dos ventos
Que desenfreados cantam
Cala promessas, quietas, lamentos,
Porque nossas memórias
Encantadas dessa Natureza
São mais que seu silêncio,
São um amor que jorra, imenso,
Como fontes brotando, límpidas,
Lavando da vida todas as histórias,
E trazendo eternidade
Para dar campa a nosso olhar
Preso no chão, livre
Para enfim reinar
Onde moram os barqueiros
Cujas barcas navegam sobre a pedra,
Onde os pastores dormem à sombra
Dos céus inteiros, onde há um rosto de luar…
Luís Vendeirinho, 2.Jul.2014
UIVOS…
Ferve o chão que respira lírios
No desabar de céus em chuvas
A torrente desabrocha espumando
Uivos de azul e o laranja das tardes
Nas sombras onde sopram trinados
Há memória das longas fragâncias
Pelos caminhos perdidos, escondidas
Promessas de nevadas, e floridas
Alvoradas, cavados os dias do templo,
Fervem lembranças na pele e no sono
De um tempo onde se escondem
As neves e as flores, os murmúrios
Das noites e as novidades dos dias…
Já muito caminhei por algumas montanhas, mas não sem lhes perder o nome. Estes minutos com o Luís Vendeirinho no Prado do Gamil, foram não só para mim como para os restantes presentes, um momento único e diferente do que a montanha e as serras nos podem dar. Por entre o leve soprar do vento e as folhas que por ele balançavam, os minutos foram preenchidos com uma sensibilidade única em perfeita harmonia com o nosso entorno. Ali, tudo se reuniu para nos proporcionar momentos perfeitos.
A caminhada seguiria por Meadei e terminaria em S. João do Campo com o dia já a fazer jus ao calor dos dias anteriores.
Nota biográfica
Luís Vendeirinho nasceu em Lisboa, a 20 de Setembro de 1957.
Foi funcionário do Ministério da Educação entre 1972 e 1976, e do Ministério da Justiça desde então até 2003. Desde jovem tentou algumas incursões no domínio poético, publicando tardiamente, em 1981, o primeiro livro de versos. Depois de alguns opúsculos dedicados ao conto e a reflexões várias, o rumo essencial da escrita levou à publicação dos romances Requiem, Cátedra de Mármore e Uma Farpa na Clareira. Tem visto publicados, em algumas colectâneas e em periódicos, tanto alguns contos como crónicas.
A formação académica fê-la – desde o liceu – sempre de par com a actividade na administração pública; formação essa dedicada aos Estudos Portugueses, aos Estudos Europeus e ao Jornalismo. Desde adolescente que o convívio com a realidade social, sobretudo a rural, o tem cativado, e coabitado com o montanhismo (q.b. entenda-se).
Algumas fotografias do dia...
Nota biográfica
Luís Vendeirinho nasceu em Lisboa, a 20 de Setembro de 1957.
Foi funcionário do Ministério da Educação entre 1972 e 1976, e do Ministério da Justiça desde então até 2003. Desde jovem tentou algumas incursões no domínio poético, publicando tardiamente, em 1981, o primeiro livro de versos. Depois de alguns opúsculos dedicados ao conto e a reflexões várias, o rumo essencial da escrita levou à publicação dos romances Requiem, Cátedra de Mármore e Uma Farpa na Clareira. Tem visto publicados, em algumas colectâneas e em periódicos, tanto alguns contos como crónicas.
A formação académica fê-la – desde o liceu – sempre de par com a actividade na administração pública; formação essa dedicada aos Estudos Portugueses, aos Estudos Europeus e ao Jornalismo. Desde adolescente que o convívio com a realidade social, sobretudo a rural, o tem cativado, e coabitado com o montanhismo (q.b. entenda-se).
Algumas fotografias do dia...
Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
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