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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

240... Minas dos Carris pelas Negras


Minas dos Carris, 30 de Julho de 2016

Um novo regresso às Minas dos Carris mas desta vez com uma abordagem diferentes da que foi feita das últimas vezes e evitando o Vale do Alto Homem.

Felizmente há já alguns dias que se previa que este dia seria um pouco mais ameno. Não havendo temperaturas muito elevadas, a caminhada tornou-se mais aprazível e foi feita em passo calmo. A ideia era indo fazendo uma contemplação introspectiva do que nos ia rodeando. Foi uma caminhada na qual pudemos observar alguma da fauna que abunda pelo nosso Parque Nacional, desde as cabras selvagens às corças, passando por diferentes espécies de aves de rapina e não só.

Iniciamos o percurso subindo a Corga da Ribeira de Abelheira até chegarmos a Entre Caminhos. Na caminhada alguns dos participantes acediam à Serra do Gerês pela primeira vez por este troço. É sempre uma agradável surpresa a paisagem que nos espera no topo da corga onde o Gerês se estende até ao horizonte culminando nos píncaros da Nevosa e dos Cornos de Candela a fechar os flancos.



De Entre Caminhos seguimos o carreiro em direcção aos Currais da Biduiça. Já nesta altura nos tínhamos apercebido que a serra necessita urgentemente de água. A paisagem amarelada, seca e queimada pelo Sol com alguns apontamentos de verde que se vai tornando cada vez mais pálido, fazem-nos lembrar outras paisagens portuguesas. A chuva urge antes que alguma catástrofe pela mão do Homem se abata sobre o canto mais bonito da Galécia.

Atravessando leitos de água áridos e cinzentos onde as pedras arredondadas por milénios de torrentes parecem formar uma passadeira para uma maldosa criatura sem forma, vamos entrando em currais áridos de pasto seco. O solitário abrigo do pastor vai marcando a paisagem tendo por fundo as alturas de Candela. Por trás de si, a Ribeira de Biduiças agoniza num pequeno regato que luta para se juntar a outro curso de água com a esperança de ganhar força. O trajecto vai-nos levar para o Curral das Rochas de Matança e daqui entramos numa pequena garganta que nos levará ao Corgo de Lamelas, ladeando o imponente Compadre que guarda vestígios da glaciação plistocénica no Gerês. O silêncio destes lugares fazem-nos sentir no interior a verdadeiros templos da Natureza onde se preza o silêncio e o respeito pela paisagem.




Seguindo as velhas mariolas que assinalam seculares trilhos, chegamos aos Currais das Negras onde pachorramente se pastam cavalos, vacas e bois. As vezeiras vão resistindo ao passar dos tempos, memórias de outras épocas onde a paisagem por estes dias era marcada pelo pontilhado de centenas de cabeças de gado.

Nestes currais define-se já as paredes, quais muralhas altaneiras, que protegem as explorações mineiras de outrora. No fundo, uma escombreira resiste, assinalando a localização de uma boca-mina na concessão da Garganta das Negras n.º 1. Foi aqui que a personagem fictícia, ou talvez não, de André Gago sonegou as barras de dinamite com as quais, anos mais tarde, iria tentar destruir o colosso de betão que aprisiona as águas do Rio Homem... "Rogélio não seria capaz de explicar por que estranho automatismo no seu espírito se formou, instantaneamente, o projecto de subtrair tantos cartuchos de dinamite quantos lhe fosse possível. Nem sabia, no fundo, com que intuito o faria. Era uma espécie de atavismo que poderia atribuir, quando muito, ao instinto de manter em sua posse material, ofensivo ou defensivo, em qualquer circunstância, instinto que ganhara talvez no decurso da sua breve e trágica experiência militar. Era como se seguisse ainda as ordens dos seus chefes, prolongando-se no tempo, como se a qualquer instante pudessem sair das brumas do tempo os seus companheiros de infortúnio, clandestinos algures nos recôncavos da natureza, onde a guerrilha perpetuava a guerra perdida na esperança dos sempre inesperados volte-face da História." ("Rio Homem", André Gago - Edições ASA, Outubro de 2010)

O abeirar da mina refrescou o corpo e a alma para a subida que se abeirava. O ar frio transformava o nosso respirar em pequenas e efémeras nuvens de vapor que se desvaneciam como vampiros na luz do Sol. Iniciamos a subida que nos levaria até ao antigo paiol. O caminho foi o mesmo que décadas antes era trilhado pelos mineiros dos Carris ao descer para aquele lugar, porém agora a vegetação esconde as suas voltas. A paisagem dos Currais das Negras e da Garganta das Negras ia-se transformando à medida que os nossos pesados passos açoitados pelo calor do princípio da tarde nos levavam cada vez mais alto. Lentamente, o Pico da Nevosa ganhava o seu lugar de destaque como ponto mais elevado da serra, honra lhe seja feita... vénias deusa das alturas!

O velho paiol, tal como todos outros edifícios do complexo mineiro, está arruinado pela avareza dos Homens e pela fúria dos elementos. Escondido por detrás do Penedo da Saudade, o seu telhado e o seu soalho de madeira foram os últimos a ceder ao passar das intempéries até que a fúria do vento o levantou e destruiu para sempre.

O calor fazia-se sentir e a água fresca do inicio da jornada havia-se transformado num líquido tépido que afagava a sede, mas não matava a sensação ofuscante de um vento seco e quente que nos percorria a pele. Assim, dirigimo-nos à única fonte disponível em quilómetros, a Fonte do David, de onde todo o ano brota uma água fresca que é capaz de eriçar os mamilos mais empedernidos!

Com o espírito saciado na sua sede, seguimos em direcção à Represa dos Carris onde surgiu o já merecido descanso dos corpos. Atravessamos as ruínas do velho complexo mineiro e nesta altura um grande grupo descansava também no Penedo da Saudade. O nível de água da Represa dos Carris mostrava as consequências do tempo quente e seco. O seu nível está baixo, mas já o vi mais baixo em épocas anteriores. Porém, este é um oásis de vida anfíbia e um ecossistema único e interessante que se foi formando ao longo dos anos neste local.


Depois do descanso, prosseguimos a jornada em direcção à Lavaria Nova por onde descemos, seguindo a Corga de Lamalonga e passando ao lado do Curral de Teixeira (Lamalonga) e da Matança, seguindo depois para os Currais de Matança. Também aqui, os animais procuravam um pasto mais verde e a frescura da Ribeira das Negras quase diminuída a um pequeno fio de água que se engrossava em pequenos charcos quase estagnados. Prosseguindo pelo carreiro que nos poderia levar ao Castanheiro, a certa altura descemos de novo para a Biduiça procurando refrescar os corpos em charcos que se formavam em alguns baixos da ribeira que por ali passa. Foi um pequeno descanso antes de enveredar no sentido inverso ao que havia sido feito pela manhã, passando de novo pelos Currais de Biduiça, Entre Caminhos e descendo a Corga do Ribeiro da Abelheira.

Algumas fotografias do dia...













































































Fotografias © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)

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