A quando da discussão pública do Plano de Ordenamento (PO) do Parque Nacional da Peneda-Gerês (POPNPG), o autor deste blogue alertou para o avançado estado de degradação do complexo mineiro e para o perigo de se perder para sempre um património arqueológico e industrial de relevante valor. Em consequência deste alerta, foi apresentada uma proposta para a criação de um Trilho Interpretado com o objectivo de salvaguardar a memória do local. A proposta então apresentada é transcrita a seguir:
O Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG) deve ser um santuário da protecção ambiental, cultural, etnográfica e arqueológica. Em todo o seu território encontramos elementos que assinalem as diferentes fases da passagem do Homem ao longo dos anos e desde os tempos mais antigos.
A proposta para o novo Plano de Ordenamento do Parque Nacional da Peneda-Gerês (POPNPG), assinala em todo o seu território os diferentes pontos de interesse natural e humano.
Sendo uma zona de uma beleza paisagística ímpar, de interesse ambiental incomparável e com uma História contemporânea por descobrir e contar, as Minas dos Carris não mereceram qualquer destaque neste POPNPG, tal aliás, como tem vindo a acontecer ao longo dos anos.
Hoje as ruínas das Minas dos Carris 510 um testemunho silencioso do passado, mas o seu potencial ao nível do turismo de montanha (na sua vertente paisagística e histórica) e da educação ambiental encontra-se extremamente subaproveitado.
É assim, com o intuito de dar a conhecer ao visitante do PNPG uma das zonas mais bonitas do nosso único parque nacional, que proponho a criação de um trilho de pequena rota (PR) denominado 'Trilho das Minas dos Carris'.
O Trilho das Minas dos Carris iria percorrer parte de uma área que agora se encontra dentro dos limites da Zona de Protecção Total (ZPT), mas tirando partido do estradão entre a ponte sobre o Rio Homem e que percorrendo o Vale do Alto Homem, chega às velhas ruínas do complexo mineiro.
Os utilizadores deste trilho teriam assim a oportunidade de tirar partido de um enquadramento ambiental, arqueológico e histórico que não existe na actualidade e que é único em todo o PNPG.
O PR teria início na ponte sobre o Rio Homem e seguiria o antigo estradão de acesso às minas construído nos anos 40 do século passado. Ao longo do trilho seriam criados pontos de observação e interesse, nomeadamente no Bosque da Abelheirinha, Água da Pala, Ponte do Cagarouço, Curvas das Febras, Modorno (com a sua vista panorâmica sobre o vale), Teixo. Águas Chocas, Abrótegas, turfeira / campo de futebol, Salto do Lobo, e antes da chegada às Minas dos Carris. Nestes locais seriam colocados painéis explicativos ou placas numéricas indicativas para a descrição do respectivo enquadramento.
Ao chegar às ruínas das Minas dos Carris o visitante seria encaminhado por sinalética específica que o levasse a percorrer e tomar conhecimento do complexo mineiro passando numa volta circular pelas zonas de interesse (edifícios de apoio mineiro tal como o refeitório, casas para casais, casas de habitação, secretaria, casa do pessoal superior da mina, enfermaria, lavarias, poços sinalizados, bocas de mina, represa, etc.) Além de tirar partido das ruínas o PR estaria valorizado pelos diversos panoramas paisagísticos (Lamalonga, Garganta das Negras, Nevosa, horizonte do Planalto da Mourela / Pitões das Júnias até Montalegre).
Quais os benefícios deste PR? Por ser uma zona sensível permitiria conduzir o visitante para áreas nas que não interferisse directamente com a preservação; o enquadramento natural, histórico e arqueológico do local, dando o valor a uma parte esquecida da História da Serra do Gerês e das suas gentes; afastar os visitantes dos locais de maior perigo; a beleza paisagística de um local único em todo o PNPG; criação de uma área destinada à arqueologia industrial (não só mineira) na área do PNPG (um aspecto totalmente descorado pelo PNPG desde a sua criação) e que estaria localizada no centro de Educação Ambiental do Vidoeiro ou na Porta de S. João do Campo; a recuperação em termos paisagístico das Minas dos carris com a eliminação de focos de poluição visual e paisagística e a recuperação parcial do estradão no acesso final ao complexo mineiro.
Como Fazer? Sabendo da limitação de recursos orçamentais para projectos deste tipo, propõe-se a realização de campos de trabalho voluntários para a limpeza, acomodação, recuperação parcial e caracterização das instalações mineiras e do PR, além do encorajamento do mecenato cultural no apoio logístico e criação de documentação referente ao PR.
Localizadas nos pontos mais altos da Sena do Geres e a poucas centenas de metros da fronteira luso-galega, as Minas dos Carris são o local do PNPG sem qualquer acesso rodoviário mas que mais visitante atrai. Pode-se questionar quais as razões deste interesse na criação de um PR? O longo trilho que percorre o Vale do Alto Homem com toda a sua beleza natural, ambiental e paisagística, o misticismo das ruínas mineiras dos Carris, o interesse por uma história esquecida e desconhecida, a vontade de abranger os grandes espaços e que impele muitos para aquelas paragens, etc. Todas estas são razões que levam dezenas de pessoas todas as semanas a percorrer o penoso caminho até aos Carris.
Infelizmente o PNPG nunca reconheceu o verdadeiro potencial arqueológico – industrial das instalações mineiras em abandono e mina desde os anos 80. Foi sempre ignorada uma história que se iniciou em Junho de 1941 com os povos serranos a perscrutarem os solos e as entranhas da terra em busca do volfrâmio, um verdadeiro ouro negro que fazia fortuna e trazia a ruína da noite para o dia.
Com três distintas fases de exploração, o complexo mineiro foi crescendo e atingiu o seu auge nos anos 50, mas a queda do valor do volfrâmio após o fim da Guerra da Coreia, traçou o destino das minas. O aparecimento do PNPG selou por completo, e bem, uma vontade de se reactivar e criar um grande complexo mineiro na Serra do Gerês desde as Minas dos canis, passando pelas Minas do Borrageiro e pela área da Arrocela e Cidadelhe.
Assim, a criação deste trilho PR poderia colmatar uma lacuna que há muito existe nos destinos de interesse no PNPG recordando assim parte de uma memória colectiva da Serra do Gerês e que mesmo sendo uma ferida aberta na preservação ambiental deverá merecer, tal como acontece em outras áreas protegidas internacionais, o verdadeiro lugar da sua História.
Esta proposta mereceu uma resposta encorajadora por parte do PNPG no Relatório de Ponderação do POPNPG publicado a 25 de Fevereiro de 2010, referindo que “O PO não inviabiliza o solicitado, uma vez que permite a visitação em Zona de Protecção Total. No entanto, a sua concretização não cabe ao PO mas à Carta de Desporto de Natureza, a elaborar posteriormente à aprovação do PO. O ICNB considera pertinente o solicitado e, nesse sentido, remete a concretização do pedido para a Carta de Desporto de Natureza.” Infelizmente, e devido à lentidão com que estes processos decorrem em Portugal, muito provavelmente, e se algum dia se decidir avançar com um projecto deste tipo, não restará muito para ser conservado nas Minas dos Carris e as próprias ruínas não passarão de memórias de si mesmas! Com as entradas das galerias abertas e com o velho poço mineiro sem protecção, o campo mineiro dos Carris pode representar em si um perigo para o visitante mais distraído e para os animais que num parque nacional deambulam por toda a sua área. Nos últimos anos, as instalações mineiras foram já palco de diversos acidentes, um dos quais resultou na morte de duas pessoas quando caíram nas águas geladas da Represa dos Carris. A única intervenção visível de protecção do poço mineiro, teve lugar em 2010 com a colocação de uma frágil rede de protecção que de certa forma desencoraja a aproximação ao poço. Esta intervenção foi feita pelos pastores locais.
Fotografia © Rui C. Barbosa (Todos os direitos reservados)
Boa noite.
ResponderEliminarA ideia de se efectivar o trilho que propõe devia não só ser abraçada pelas instâncias responsáveis como já deveria ser uma realidade há muito. Lamentável é o tradicional posicionamento de total imobilismo dos que logicamente deveriam ser os primeiros a assumir proactivamente uma acção concertada e planeada em defesa de todo o nosso valiosíssimo património natural, cultural e monumental. É o exemplo acabado do "dolce far niente" de mentecaptos que são colocados em lugares cujo primordial fito deveria ser o de proteger, conservar e divulgar riquezas naturais e patrimoniais, e que no final de contas acaba no abandono que só não se torna total porque existem uns carolas e tolos que gostam de "andar lá no meio", e ainda uns quantos cujo modo de vida ancestral lhes incute geração após geração o respeito pelo meio que calcorreiam. Aproveito também para lhe endereçar o agradecimento pelo brilhante trabalho que realizou de árdua pesquisa e incessante recolecção de informação que permitiu a realização do livro acerca das Minas dos Carris. É reconfortante saber que as suas memórias têm assim um lugar garantido, apesar de mereceram ainda muito mais atenção e divulgação. Tenho apenas uma pequena parte da sua experiência no percorrer os caminhos daquelas paragens, mas sempre que tenho disponibidade não há nada comparável ao pôr à prova todos os sentidos na imensidão do PNPG.
Cumprimentos.
Obrigado pelas suas palavras, Rui.
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